Entrevista com os Pica & Trilha, com “Sonido de scachar piedra” vão buscar a inspiração à língua mirandesa para apresentar um rock original e surrealista, próprio de uma banda assumidamente rural, o rock em mirandês reinventa a tradição com o "Facebook, tratores e hard rock!”
Os Pica & Trilha são uma banda de rock Mirandês, com sede em Sendim Miranda do douro, composta por 5 elementos.
Emilio Martins: Vocalista
Fernando Rodrigues : Guitarra
Vitor Teixeira: Bateria
Abilio Fernandes: Baixo
Elidio Poço: Teclado
AP: Boa tarde, estamos aqui com os Pica & Trilha a fazer uma entrevista para o diário de Trás-os-Montes.
Pica & Trilha, nome mirandês, o rock mirandês, e Pica&Trilha surge do quê, como chegaram a esse nome?
Pica&Trilha: Portanto, “Pica” consistia antigamente em picar, cortar em pedacinhos as giestas e outras plantas selvagens, depois eram espalhados ao longo das ruas, uma vez que não existia alcatrão e não estavam asfaltadas, depois de decompostos eram remexidos de vez em quando com uma forquilha. Mais tarde era colocado no meio do estrume dos animais e ficava a fermentar, transformando-se um precioso fertilizante. Mas na nossa visão, “Pica” também no sentido de espicaçar, ou seja, alertar para os problemas do interior, principalmente da nossa região, Trás-os-Montes. O “Trilha”, tem a ver com a trilha, a atividade da trilha, portanto, da ceifa que envolvia o espirito comunitário, e, muita população com um objetivo comum num ritmo acelerado, com receio da chuva; Noutra vertente “Trilha” no sentido de sabermos o caminho que queremos trilhar, ou seja, defender Trás-os-Montes, criticar o abandono do interior, portanto, é nesse sentido que vem o trilha, Pica e Trilha, picamos, mas ao mesmo tempo sabemos aquilo que queremos.
AP: Aponta um caminho?
Pica&Trilha: Apontamos um caminho! Dentro do nosso contexto geográfico.
AP: Vocês são todos já uns jovens de uma certa idade, e tocam um rock, um rock puro mirandês, vocês cantam só em mirandês?
Pica&Trilha: O rock faz parte de nós. Está no nosso ADN, tal como a língua mirandesa. Por isso cantamos só nessa língua, de outra forma não faria sentido.
AP: É uma aposta vossa, tem a ver com o quê? Com a vossa raiz?
Pica&Trilha: Eu penso que a identidade da banda está ligada à segunda língua oficial de Portugal, que é o mirandês, é um dos aspetos que distingue a banda. Uma banda diferente porque canta numa língua diferente, e depois, claro, a língua mirandesa arrasta atrás de si um conjunto de fatores e aspetos bem sui generís? que dão uma identidade muito própria ao concelho de Miranda do Douro e a tudo que se faz a nível artístico na região. Ora um concelho que se distingue, com características peculiares, tem que ter a banda de rock que também se distinga, além de outros seus grupos que também se distinguem. Tem o Galandum Galundaina, os Lenga-Lenga e outros com uma componente essencialmente tradicional. Os primeiros são os embaixadores da música mirandesa, mas a nossa região também tem que ter grupos de rock, que tenham uma palavra a dizer, uma atitude mais pesada, digamos… “ Sonido de scachar piedra” (traduç. Som de partir pedra.)
AP: Vocês são de Sendim, uma região do Douro internacional, uma região que fala mirandês, vocês falam mirandês entre vocês?
Pica&Trilha: Falamos…É inevitável… ainda há bocadinho quando nos deslocávamos para Bragança, nós íamos falando mirandês, estamos constantemente … às vezes a dizer piadas em mirandês. Achamos nós que a falar em língua mirandesa a mensagem passa melhor…
Pica&Trilha*: “Falamos quando mos dir la gana. Se mos dir la gana de falar agora, podemos ampeçar a falar agora, l porlema ye que nun sei se mos ides a antender!”
(Risos)
AP: E traduzir …
Pica&Trilha: Nos ensaios só falamos na nossa língua, até achamos que falando em mirandês entre nós, conseguimos acordes e notas sonantes, mais rendimento e melhor entendimento musical. Falar na nossa língua é por si só uma fonte de inspiração.
Pica&Trilha*: (Vitor-baterista) Ele é professor de mirandês.
AP: Ah, você é professor de mirandês!?
Pica&Trilha: (Emílio) Sim, estou a lecionar mirandês no Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, precisamente em Sendim, EB de Sendim, uma vez que a Direção da Escola e o Ministério apostam na preservação e no ensino da língua mirandesa.
AP: Essa é uma vertente cultural que vocês assumem, cantar em mirandês?
Pica&Trilha: A coreografia está sempre ligada às nossas terras, eu muitas vezes, conoto-nos como uma banda rural, nós somos uma banda rural, mas antes de sermos uma banda rural, somos uma banda 100% das Terras de Miranda, produto made in Miranda. As pessoas identificam-se com a nossa banda, portanto, as pessoas estão a rever-se ali nas suas vivências, nas suas experiências do passado, com uma visão, um bocadinho moderna, até surrealista. Normalmente as nossas letras apresentam dois sentidos, tem o sentido irónico, surrealista e depois tem o sentido sério. Temos uma música que se chama “La mi burra parece un Ferrari”, nessa música a burra é comparada a um Ferrari, porquê? Há um paralelismo entre o rally Paris-Dacar, os obstáculos e os imprevistos em pleno deserto e as vivências de outrora, os sacrifícios e as tormentas que as pessoas passaram com os animais, com as burras, as mulas, atravessar ribeiras com as cargas de lenha, no campo, os trabalhos do forçados do campo, portanto, há ali um certo paralelismo.
AP: Você falou nas letras, as letras são criadas por vocês, as músicas são originais?
Pica&Trilha: As músicas são todas originais. Construímos tudo em conjunto na sala de ensaios. A base ou seja a ideia inicial da música vem muitas vezes da rotina, por cada um dos membros da banda, e depois no laboratório (sala de ensaio) é desenvolvida por todos, sugerindo, lançando e experimentando ideias para encaixar. Aí temos que ser criativos …
Pica&Trilha*: Tudo original!
Pica&Trilha: As letras também.
AP: Então vocês criam primeiro a letra ou a música, como fazem? Como é o ato criativo?
Pica&Trilha: Depende…depende!
Pica&Trilha (Fernando- guitarrista) O Emílio lá cria as duas coisas ao mesmo tempo. Ele é tão criativo que consegue criar logo tudo de uma vez, a música e a letra. Grava tudo com a boca num cd e depois apresenta-nos. Fartamo-nos de rir. Depois é rechear, improvisar, completar e muitas vezes alterar a música quase na totalidade. É uma espécie de esboço.
Eu da parte que me toca, primeiro gosto de ver a letra para depois definir qual é a música que encaixa melhor e adicionar as partes que lhe cabem a cada um de nós…é que nos consideramos um grupo perfeito em termos de relacionamento, nós encaixamos todos. Há empenho, por exemplo baterista,, nós chamamos-lhe o “Bate Latas”, é o mais barulhento, este faz os pormenores, aquele pormenorzinho e tal, aquelas coisinhas, aquelas passagens, portanto, nós estamos bem enquadrados, funcionamos … Caso para dizer “ acumparamos todos mui bien!” (combinamos todos muito bem!)
Pica&Trilha: Há um bocadinho de cada um de nós nas músicas, portanto, isso é notório, aqui não há plágios, é tudo original. É isso que nos dá prazer e nos leva a seguir em frente.
AP: É tudo original?
Pica&Trilha: Sim, é tudo original. Ao vivo somos muito teatrais, mesmo em cima do palco procuramos ser diferentes, mesmo praticando um rock com um som muito 70/80 como nós gostamos.
Pica&Trilha*: Claro que há muitas influências, porque aqui o Abílio tem umas influências muito fortes de grupos, Deep Purple, Black sabbath, coisas assim, bandas carismáticas, da velha guarda, aliás, ao ouvir as nossas músicas, notam-se bem essas influências e de outras bandas mais pop. Agora essa história de plágio aqui, nem sequer vou falar em nomes, não vamos ter esse problema nunca.
(Vitor –baterista) Eu queria dizer só uma coisa relativamente ao Emílio… As pessoas identificam-se com as “boubadas” do Emílio. As já conhecidas coreografias e performances do Emílio, também contribuem para que a nossa banda seja diferente de todas as outras, portanto, e nós apoiamo-lo nisso, deixamos sempre ao critério dele, não pomos qualquer entrave. Podemos às vezes dizer, “isso é um bocadinho exagerado”, mas no fundo deixamos essa parte da criatividade representação ao critério dele!
(Fernando- guitarrista) Acho que as pessoas se identificam com isso, porque ele vai buscar as coisas antigas, muito antigas, que realmente passavam nas nossas terras, acho que é isso que as pessoas querem ver, é isso que não querem deixar perder, e os mais novos não fazem a mínima ideia, eu tenho de explicar aos meus filhos o que as músicas querem dizer porque eles não sabem, eles não viveram isso. Mas depois mergulham no tempo e adoram…
Acho que a essência principal da nossa banda é essa, tentar transmitir aos mais novos, também, fazer reviver aos mais velhos, tentar mostrar aos mais novos aquilo que nunca viram, nem irão ver. O estandarte da nossa banda é isso, transmitir uma mensagem saudosista e ao mesmo tempo optimista, positiva. Depois naquela envolvência dos problemas que existem atualmente tentamos conjugar tudo, fazer reviver o passado, encaixá-lo no presente e ver como as coisas antigas nos podem ajudar a superar dificuldades nos tempos vindouros.
AP: Isso também tem a ver com o orgulho de ser transmontano, de ser mirandês?
Pica&Trilha*: Isso está sempre presente em tudo. É este orgulho de ser Transmontano e Mirandês que nos motiva! Que nos inspira todos os dias!
Pica&Trilha: Eu acho que é esse o espirito da banda, eu acho que a nossa banda é isso, imagine que vamos fazer um concerto ao vivo e até nem saiu muito bem, houve ali falhas técnicas, mas há uma coisa do qual nós saímos dali satisfeitos, existiu aquela força, e essa força é derivada do nosso bairrismo, nós costumamos dizer que a nossa zona sempre foi uma zona de “musiqueiros” em mirandês, zona de músicos, sempre foi uma zona fértil em termos de criatividade, uma escola musical. Mesmo atualmente, o Vítor dá aulas de bateria a miúdos, e estes saem dali músicos já com uma qualidade incrível. É uma coisa que nasce connosco… nata..
AP: Vocês também usam gaitas de foles no vosso concerto?
Pica&Trilha: Para já ainda não, mas estamos a pensar, é uma ideia! É questão de experimentar para ver se resulta.
Pica&Trilha*: Uma terra de musiqueiros, para reforçar a ideia do Emílio, basta ver, a realidade, somos uma vila com 800 habitantes a residir atualmente, e temos 4 bandas, no ativo.
Pica&Trilha: E a fanfarra dos bombeiros, grupos de pauliteiros e pauliteiras, sem falar nos grupos tradicionais.
AP: Digam-me tudo que tocam, cantam é original, já tem alguma música gravada?
Pica&Trilha*: (Fernando- guitarrista) Pois, essa parte … essa parte é a que temos mais urgência em concluir. Temos as músicas feitas, já temos 13 temas concluídos, e neste momento estamos a pensar fazer uma gravação oficial o mais rapidamente possível, essa parte foi descuidada um bocadinho. Nós demos primazia à conclusão das músicas, ao trabalho musical, e depois é que passamos à parte do registo, o que para nós é essencial, sem uma coisa realmente não pode haver outra.
AP: Cantam em Mirandês, o que querem transmitir com as vossas músicas?
Pica&Trilha*: (Fernando-Guitarrista) Se fossemos a analisar as músicas todas que compusemos estaríamos aqui uma tarde inteira, e se calhar não terminávamos. porque eu acho realmente que a música é importante, mas as letras também, têm que ser muito profundas, diria mais: analisar as letras do Emílio é uma coisa … invulgar, quase pior que analisar um poema de Fernando Pessoa. (Risos)
As pessoas só depois de ouvirem a música é que percebem aquilo que nós estamos a dizer, é que realmente se apercebem, eu atrevo-me a dizer, é talvez música mirandesa, em termos de paralelismos, que se pode equiparar a Zeca Afonso, intervenção. Até conseguimos criticar a arbitragem de futebol e coisas assim. Coisas que realmente só entram no contexto dos “Pica&Trilha”, não lembram a mais ninguém.
AP: Diga-me você, Emílio, que lida com a parte do ensino, o mirandês, os miúdos aceitam bem as aulas de mirandês, tem orgulho nisso ou é mais uma coisa obrigatória que faz parte do currículo?
Pica&Trilha: A disciplina de L/C mirandesa está em pé de igualdade com as outras disciplinas do currículo, e felizmente inscrevem-se quase todos os alunos. Aderem ao mirandês, porque os pais fazem gosto e têm brio em ouvir os seus educandos a falar mirandês. Outrora fomos alvo de reguadas por dizermos palavras em mirandês, agora é vista como uma língua plena de orgulho, pois estamos a falar da 2ª Língua Oficial de Portugal. O saber não ocupa lugar, é com esse espírito, que os meninos têm aderido muito bem, também pelo facto de verem neles próprios uma certa originalidade em saber falar uma língua rara.
No entanto há um longo percurso a percorrer, a construção de manuais, por exemplo, ir para uma aula e nós próprios termos que criar os manuais, que eu chamo de caseiros, para termos ali um suporte em papel, para se poder trabalhar. Neste momento já se está a elaborar um digital, mas o manual físico tem outra presença na aula, dá outro ser à disciplina. Falta-nos ainda muitas ferramentas didáticas.
Pica&Trilha*: Dígamos, que temos muito que picar e trilhar. Mas com ajuda das Instituições de ensino, dos Encarregados de Educação e das Entidades Locais conseguiremos chegar a bom porto e dar um novo salto no âmbito da língua mirandesa.
AP: …. Eu conheci pessoalmente o Amadeu Ferreira, publicou vários livros, contribuiu decisivamente para a alicerçar a língua., o vosso contributo é com o rock?
Pica&Trilha: Ele era o expoente máximo, digamos, ele era a figura do mirandês, sem dúvida, foi o obreiro que deu o grande impulso ao mirandês, um individuo com uma enorme bagagem não só cultural, mas também política. Tinha muita influência, era uma mais valia. Deixou um vazio no seio da Cultura Mirandesa.
AP: E a músicas? Quem é que compõe e que estilo musical vocês se incluem?
Pica&Trilha**: (Fernando-guitarrista) Há uma coisa que queria sublinhar, a nossa banda além do mirandês do Emílio, também tem uma coisa que nos preocupa um bocadinho no processo de composição, é que a nossa sonorização musical seja moderna, que soe aos músicos modernos, ao estilo de execução e de tocar de agora e não só ao antigo, porque naquela altura… quando comecei, quando começou o Ilídio-teclas, não tinha acesso aos instrumentos, não tinha nada. E nós estamos a tentar ser o mais profissionais possível, e acho que é bom nesse sentido. Que as nossas dinâmicas sejam já modernas, dos tempos de agora, embora, o mirandês tenha que continuar, tem de estar lá. A essência é mesmo essa, mas a dinâmica da música com partes, certas, malhas bem encaixadas … quem for músico e perceba, vai ver que há ali muito trabalho musical. E é uma coisa que ao mesmo tempo também nos faz sentir bem. Nós, quando temos uma parte na música que conseguimos fazer por todos e soe bem, são partes complicadas, mas vai soar bem, para nós é como se fosse uma vitória. Eh paah! Conseguimos fazer isto bem… siga! Desafio superado!
AP: São autodidatas em termos musicais ou aprendem, aprenderam na escola, ou nalgum lado?!
Pica&Trilha**: (Abílio- baixista) Não, começamos todos a aprender sozinhos e no meio, hoje sim já se lida com muitas músicas e vídeos didáticos na internet, coisa que antes não, fomos aprendendo uns com os outros. E nós próprios evoluindo lentamente e por aí fora… até ganhar rodagem…
Pica&Trilha*: À moda antiga, aprendemos a tocar sem Youtube…
Pica&Trilha**: … foi só nossa habilidade e curiosidade.
Pica&Trilha*: … a copiar uns pelos outros.
Pica&Trilha**(Vitor- baterista) Foi a nossa habilidade, eu comecei a tocar bateria, era com baldes de tinta, aquelas tampas de tinta, postas em dois paus. Penso que já tinha naquela altura alguma criatividade e força de vontade, já sabia como a bateria era feita, o tambor mais pequeno era do lado esquerdo e o maior do lado direito…
Pica&Trilha: Uma pessoa que nasce com “catcharros”, morre com “catcharros”. (risos)
Pica&Trilha: Em termos de qualidade de trabalho, o material com que hoje trabalhamos em palco e nos ensaios é muito bom, usamos material de grande qualidade.
Pica & Trilha: Trabalhamos com material de marca, Bateria DW, guitarras Gibson Les Paul com amplificação Marshall, baixo e amplificador Warwick, teclados Roland e Microfones Shure e EV. Trabalhar com material profissional é fundamental para conseguir o nosso som…
AP: há mais alguma coisa que gostariam de dizer?
Obrigado ou em mirandês “ Dius le pague” ao Diário de Trás-os-Montes por divulgar incessantemente este nosso reino maravilhoso e claro pela oportunidade, em nos ter dado este espaço para darmos a conhecer a nossa Banda, Pica & Trilha.
Acompanhem os nossos concertos e esperem pelo nosso álbum, que vai ser brutal…
Long live rock’n’roll!
Entrevista e fotos de António Pereira
in:diariodetrasosmontes.com
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(Henrique Martins)
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