Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O Senhor Cândido Velasco e a D. Ofélia

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Vejo nitidamente a imagem primeira que me ocorre quando recordo a Rua Direita dos meus tempos de menino e vejo um homem sorridente, moreno com o cabelo esparso, liso e penteado para trás como fazem aqueles a quem a parte frontal já perdeu o cabelo que lhes fazia a "poupa". Sempre de sorriso medianamente percetível, era o prenúncio da facilidade com que se abria e dele saía uma gargalhada sonora para festejar algo faceto que o passante de ocasião lhe contasse ou o acaso fizesse que ele testemunhasse. 
Às nove menos cinco tirava do bolso a chave e abria a porta do estabelecimento de fazendas que me lembrava a descrição do bazar da Babilónia.
Quase sem que houvesse maneira de se saber como, surgia a esposa vinda de dentro e quase como uma visão, a sua figura cuidada e também sorridente, fazia como que um complemento às rendas e brocados que ela com a sua figura embelezava. Depois o contacto com a primeira cliente dava azo a uma sonoridade agradável e melódica.
A Dona Ofélia nunca falou português, preferiu as vogais cantantes da sua língua castelhana que falava lentamente, mas com "salero". Comedida e amável era como uma joia que ornamentasse colo de princesa daquelas que nos davam notícia os contos de fadas.
E descrevi sumariamente o quadro de abertura de um estabelecimento comercial onde os "paninhos" eram algo que enfeitavam as meninas da 1a Comunhão, as noivas sonhadoras de beleza e felicidade e as pessoas que seletivas nos seus trajos iam comprar ao Cândido Velasco. 
O Sr. Cândido Velasco está presente nesta foto. Ao tempo, 1944, era um jovem de 32 anos. Quem o reconhece?
O Senhor Cândido foi para mim, quando eu menino, um enigma de não fácil solução. Tive sempre dificuldade em o associar à sua família de proveniência, ao seu irmão Valentim ou ao seu pai o velho Velasco do Cantinho do Inferno ou da adega da Rua do Paço. Ele era tão português que me parecia uma coisa rara como era capaz de se entender com eles e ainda mais, com a sua esposa, Dona Ofélia que falava a língua do Joselito e da Marisol.
O quadro familiar comportava três meninas lindas, com um modo fino, elegante e moderado que, como o pai, falavam um português irrepreensível. E fosse lá eu entender como era tal coisa possível, haver tanta facilidade e harmonia em lar bilíngue.
Comercialmente a casa nesse tempo era das mais frequentadas pela clientela feminina. Este pormenor quase impercetível que obstou a que eu tenha dificuldade em saber o que estava para lá do balcão que circundava o estabelecimento, impedindo a vista clara a partir do passeio, havendo a considerar que o degrau em pedra da porta se interpusesse como um obstáculo à visão do interior que também estava sempre coberto por uma penumbra que ajudava à serenidade das pessoas e das coisas.
Reparando na foto que o Henrique Martins juntou por falta de outra, creio, à minha prosa sobre o Pousa, para perceber que os panos dependurados do teto tinham o poder de obstar a uma visão mais profunda do que se passava dentro.
Voltando agora a minha atenção para o Senhor Velasco que sempre me pareceu um homem alegre, prontinho para a brincadeira e impenitente na sua forma de "xingar" os seus pares e os amigos, tendo sempre a fineza de ter atitude oposta para com o vulgar dos cidadãos e cidadãs. Era um personagem que eu não tenho dificuldade alguma em integrar no grupo de "O meu tipo inesquecível”.  O Cândido Velasco fez história na nossa cidade e teve a inteligência, a sageza e o destemor de ter escolhido para sua esposa e mãe das suas filhas, a Dona Ofélia que foi sua companheira em vida e que manteve o respeito à educação e a compostura mesmo após o "seu Cândido" ter passado para a eternidade. Ela foi o presente maravilhoso que ele foi buscar a Espanha para o oferecer à sua cidade e região e a cidade e as suas gentes, receberam e amaram como amam as mais ilustres damas vindas do lado oposto da raia. (Chegou das terras de Espanha / Nobre dama de Castela /Dizia -se em Portugal de todas ser a mais bela.../)(José Cid ).
Tenho escrito acerca dos brigantinos que fizeram parte da minha vida, aqueles que foram capazes de deixarem impressa em mim a ideia do respeito, da amizade e também o optimismo de viver. 
Hoje perpassa, frequentemente, na minha mente uma nostalgia agridoce que envolve os lugares e as gentes que fizeram parte integrante da minha vida de menino. Uns mais chegados que outros, não foi pela partilha de ambições comuns que quis mais a uns que outros e tirando os laços de sangue que me prendem incondicionalmente aos meus , todos os outros foram por mim considerados como parte de mim e da minha cidade! 
O Senhor Cândido Velasco e a D. Ofélia foram por mim bem-quistos, respeitados e guardo deles a mais grata memória.
Repito o que escrevi há tempos na crónica que publiquei recordando o Senhor Malã e o Senhor Cândido Cazão, retirando à definição classista toda a carga pejorativa que hoje paira sobre o termo burguês que a esquerda da má língua não se cansou de mal dizer: Do dicionário italiano retirei a definição linda do que era a gente a que me refiro com amizade e respeito: Borghese, se dice de persona o cosa qui denota mentalitá augusta e rispetto per le convencione!

Era assim a gente da Bragança da minha meninice!!! 




Londres, 06/dezembro/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Compreendo bem o que diz e com o qual me identifico!...Muitas das nossas memórias de infância e adolescência se confundem com a marca que a cidade vai deixando nos seus habitantes!...Lembro-me bem da casa velasco, como me lembro da casa Poças, Casa Coelho, café Progresso (uma ligação da minha infância quase toda,onde cresci com os meus pais que eram os antigos donos), o emblemático Cruzeiro, o Sr. Queiroz onde a malta mais abastada ía comprar as camisas de marca, O João Barbeiro ali para os lados da Sé, os camiões que abasteciam o mercado, estacionados junto ao Ciclo preparatório, onde os mais aventureiros iam roubar umas laranjas nos intervalos!
    Esta nostalgia que está indelevelmente associado ás pessoas com quem partilhávamos estas experiências, fazem-nos estar permanentemente ligados à cidade, pese embora as voltas que vamos dando pelo mundo!
    "Todo o cais é uma saudade de pedra!" F.Pessoa
    Bem haja
    Helder Caseiro

    ResponderEliminar