terça-feira, 10 de dezembro de 2019

SOTAQUES DA LÍNGUA BRASILEIRA

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)


"AMOLAÇÃO INTERROMPIDA"
(OBRA DE JOSÉ FERRAZ DE ALMEIDA JÚNIOR
Caipira é aquele que fala o dialeto caipira. É português, mas com palavras tupi e sotaque da língua brasileira. A língua brasileira é o Nheengatu, que existiu no Brasil até ser proibida por Portugal, no século XVIII. Seu nome parece coisa de índio, e é. O Nheengatu incorpora a fala dos índios tupi, que ocupavam o litoral brasileiro. Na verdade, até hoje, quem se refere ao Ibirapuera, fica jururu, come abacaxi ou se pendura num cipó está se expressando nessa língua.

O Nheengatu, também conhecido como "língua geral", foi desenvolvido pelos jesuítas nos séculos XVI e XVII, com base no vocabulário e na pronúncia tupi, que era a língua das tribos da costa marítima, tendo como referencia a gramática da língua portuguesa, enriquecida com palavras portuguesas e espanholas (afinal, Anchieta era espanhol). A língua geral foi usada correntemente pelos brasileiros de origem ibérica, como língua de conversação cotidiana, até o século 18, quando foi proibida pelo rei de Portugal.

A língua Nheengatu se desenvolve numa época em que o Brasil, sendo colônia de Portugal, era-o da Espanha, em virtude da unificação das coroas desses dois países, de 1580 a 1640. Sobre o Nheengatu, o padre Anchieta escreveu uma gramática e deixou várias orações e textos traduzidos. Do século XVII, há o dicionário de Pero de Castilho.

Há algum tempo (duas décadas), quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou a expressão "chega de nhém-nhém-nhém"; estava falando puro Nheengatu! No Brasil Colônia, era falada fluentemente em uma grande área do País, que ia de Santa Catarina ao Pará. A elite também se expressava por meio dela, embora não em todos os setores. Era comum, durante os processos, o juiz dispor de intérprete.

"Os brasileiros tiveram uma língua brasileira até o século XVIII", diz o professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. Só os portugueses, que eram estrangeiros, falavam português.

A língua foi criada no século XVI pelos jesuítas, destacando-se o Padre Anchieta. O fundador de São Paulo era linguista. Para se entender com os nativos, classificou o tupi e criou uma gramática da língua geral. Ou seja, o Nheengatu. "Uma língua de travessia, não é português, nem índio, eram ambas", diz Martins. O português, nesse caso, era o que hoje chamamos arcaico. Convidava-se uma dona para uma função, em vez de uma senhora para um baile. E dizia-se coisas como agardéce (agradece), alevantá (levantar) e inorância (ignorância). Depreende-se então, a onipresença do caipirês castiço!!!!!!.....(N.A.).

Os índios tinham dificuldade em falar palavras portuguesas como os verbos no infinitivo. E também palavras com consoantes dobradas (rr) ou terminadas em consoante. Além disso, colocavam vogal entre consoantes. Mulher, colher e orelha viraram muié, cuié e orêia. De sua dificuldade com o "erre", vem o "pooorta", reflexivo, com a língua tocando o céu da boca. Martins esclarece que "o dialeto caipira não é um erro, é uma língua dialetal". Mais do que isso: "É uma invenção linguística musical e social."

Os brasileiros viviam muito bem com ela, até que, no reinado de D. José I (1750 a 1771), Portugal a proibiu! O veto veio em um decreto do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal. Bania o ensino do Nheengatu das escolas. A decisão foi acatada nas salas de aula, mas o povo continuou falando no dialeto caipira. O tempo acabou por impor o português, mas o dialeto puro resiste com o Caipirês; como este autor sempre disse!

O Nheengatu ainda é falado em alguns pontos da fronteira do Brasil com o Paraguai. E, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a 860 quilômetros de Manaus, uma lei de 2002 tornou o Nheengatu língua co-oficial do município. Na contramão do decreto do Marquês de Pombal, determina que seja incentivado seu ensino nas escolas, e o uso nos meios de comunicação (o tucano e o baniva também se tornaram línguas co-oficiais).

E ficou o "caipirês", a língua falada pelo povo que vivia na roça (motivo e mote de pesquisas por mais de cinquenta anos deste autor). Por essas bandas, ensina Martins, a língua se multiplica. "Quando o novo aparece, o caipira inventa, a partir da matriz da palavra, algo que tem sentido para ele." Há certo tempo, Martins e um grupo de estudantes apresentaram questões a algumas pessoas. Perguntaram a um homem:

- Você concorda ou não concorda?

O homem não entendeu. A pergunta foi sendo repetida, sem sucesso, até que um dos estudantes mudou a forma: - Você concorda ou “disconcorda”?

... E não é que deu certo!

Nheengatu    

No Brasil, no extremo norte, já há algum tempo, a Câmara de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, bem na fronteira com a Venezuela, aprovou lei que reconhece o Nheengatu como língua oficial, junto com o português (e o espanhol), pois sua população fala as três línguas. A língua espanhola é aprendida por convivência e osmose, com a população do país vizinho.

Eduardo de Almeida Navarro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo, esclarece que o termo tupi, embora popular, não é estritamente correto. O idioma que ele ensina, falado nos dois primeiros séculos de colonização do Brasil é, na realidade, conhecido pelos especialistas como língua brasílica, da qual o tupi era um de seus dialetos. Já no século XVI, a língua brasílica começou a ser aprendida pelos portugueses que, de início, eram minoria entre os índios, numa proporção de 10 para 1. “Como grande parte dos colonos portugueses vinham para o Brasil sem mulheres, os portugueses passaram a viver maritalmente com mulheres indígenas”, explica o professor. Assim, a língua brasílica passou a ser a língua materna de seus filhos, especialmente nas áreas mais afastadas do centro administrativo da Colônia, tal como a Bahia. Era língua comum entre os portugueses, descendentes, e também de seus escravos; inclusive os africanos! É claro que a influência da cultura europeia e africana seria logo sentida pela língua indígena. De fato, a partir da segunda metade do século XVII, a língua brasílica sofreu várias modificações, passando a ser chamada de língua geral, que foi falada até 1758. Considera-se este ano como o da morte do tupi no Brasil: foi quando o Marquês de Pombal, em nome do rei Dom José I de Portugal, proibiu o ensino e o uso do tupi em todo o território nacional, instituindo o Português como única língua do Brasil.

REFERÊNCIAS
-A Proibição da Língua Brasileira - José de Souza Martins, professor titular do Departamento de Sociologia da USP.

- Nheengatu e Dialeto Caipira - José de Souza Martins, professor titular do Departamento de Sociologia da USP.

- O Tupi que o Brasil Fala Hoje - Eduardo de Almeida Navarro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (USP).

- Escritor e pesquisador Valdir Sanches, de Lagoinha – SP.

- Observações do autor.

- Sugestões de leitura: “O Dialecto Caipira”, de Amadeu Amaral; “Musa Caipira”, de Cornélio Pires, e “Parceiros do Rio Bonito”, de Antônio Cândido.

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Um abraço brasuca, 

Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

1 comentário:

  1. Agradeço ao iminente Henrique Martins,por divulgar meu trabalho solitário de pesquisador do dialeto caipira. O dialeto caipira me instiga e faz-me bem. Se estou muito triste, leio um texto caipira, e a alegria se me apresenta. As palavras caindo n´alma,por muitas vezes me acalma;e faz-me de novo sonhar,Amo tanto o Caipirês, assim como o primo Mirandês, que estou gostando de gostar.

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