Entramos na Oficina da Esquina, junto a Sete Rios, a enorme fábrica de onde sai o pão do mítico Mário Rolando, logo pela manhã, e percebemos imediatamente que o chefe Vítor Sobral está “Com os Azeites”. Mesmo antes de o vermos, em muito mais osso que carne, culpa de uma rigorosa dieta que anda a seguir, descobrimo-lo na capa do seu 24º livro, sorridente, com as mãos a prenderem uma bonita garrafa de azeite. A obra é de grande porte, pesada, e promete mais de 130 receitas “com sabor a azeite português” – haveremos de provar algumas delas, mais tarde. Lá dentro, há ainda muito palavreado sobre este líquido extraído da azeitona. E é então que tomamos conhecimento de alguns mitos, porque os portugueses ainda sabem muito pouco sobre esta gordura de eleição.
Um constante entra-e-sai, de Esquina em Esquina, com o chefe Vítor Sobral, para aprender muito sobre o azeite |
Embora este seja um dos parâmetros de qualidade, nem vale a pena olhar para o grau de acidez, explica o autor do livro, porque a diferença entre 0,1 e 0,7% só é detetada em laboratório. Mais importante será escolher sempre um Virgem Extra, para qualquer tipo de utilização, porque então teremos a certeza de que não é refinado e que a sua acidez não excederá os 0,8 por cento.
Faça-se aqui um parêntesis para pôr as cartas na mesa: o livro do chefe é patrocinado pela marca Oliveira da Serra, pelo que todas as variantes que provaremos hoje serão dessa conhecida empresa portuguesa multipremiada.
Vítor Sobral trata o azeite com o carinho que ele merece, para realçar os sabores e fazer a diferença num prato |
MITO 2: A cor do azeite determina a sua qualidade
“A cor só tem a ver com o estado de maturação da azeitona, que pode variar entre o verde e o preto”, explica José Gouveia, a quem todos tratam por “professor”, e quando o entusiasmo fala mais alto, podem mesmo apelidá-lo de Papa do azeite. Na verdade, é o responsável, há 15 anos, por cursos de azeite no Instituto de Agronomia, aptos para toda a gente, de curiosos a profissionais.
O especialista acrescenta ainda, e tome nota que nós não andamos por aqui sempre, que as azeitonas pretas nunca podem ser luzidias e rijas. Se isso acontecer, é porque foram amadurecidas artificialmente, “com soda cáustica”, afiança. As negras são as mais maduras, logo nunca podem ser duras, e as verdes as mais saudáveis.
Salada de polvo com batata-doce e hortelã, na Tasca da Esquina |
Há um mini-bus à nossa espera, mas preferimos caminhar pelo bairro de Campo de Ourique que alberga três Esquinas de Vítor Sobral. E assim chegamos à Peixaria, quase ao mesmo tempo que os mais preguiçosos.
MITO 3: O azeite melhora com o tempo, como o vinho
Para repor a verdade, há que inverter a frase, totalmente. O melhor azeite é o tal verde em que molhámos o pão sem vergonha, o que sai da primeira extração da azeitona. Lição aprendida e seguimos adiante para uns chocos fritos, obviamente em azeite, e muito bem acompanhados de uma cebolada com berbigão. E ainda temos gula para o atum marinado com manga e poejo.
Para ajudar a digerir estes dois deliciosos petiscos, servidos em mesas altas de tampo de mármore, há cerveja Bohemia, que cai mesmo bem com as iguarias. E espreitamos as receitas no livro, com esperança de conseguirmos replicá-las em casa, seguindo as indicações do chefe, um enorme defensor da comida tradicional portuguesa.
Choco frito em azeite e escabeche de berbigão, feito na Peixaria da Esquina |
MITO 4: O azeite quando está opaco, está estragado.
Nada disso. Este líquido solidifica a temperaturas baixas, tornando-se espesso e opaco. Mas volta ao seu estado natural, translúcido, assim que sente mais calor. E neste processo não perde nenhuma das suas características. Aconselha-se, ainda assim, que ele seja guardado num ambiente ameno e com pouca luz.
No Talho da Esquina, por entre enormes peças de carne, todas etiquetadas para que se conheça a sua origem (sempre nacional, até o Angus é português), paramos para apreciar a obra que o artista Bordallo II criou para este restaurante e que ocupa as paredes quase na totalidade. É feita de lixo, claro está, e retrata vários ingredientes da culinária portuguesa, como a cenoura e o tomate. Por acaso, é mesmo uma cenoura em pickle que acompanha o pedaço de carne de vaca de trabalho arouquesa maturada (60 dias) que nos servem, com um remate de azeite seleção de ouro. Do que gostamos mesmo é dos milhos de maracujá em cubinhos que fazem as vezes de guarnição a umas espetadas à la madeirense.
Carne maturada e pickles, no Talho da Esquina, o seu mais recente restaurante |
MITO 5: O azeite não é bom para fritar.
Apesar de não termos este hábito, talvez por ser uma opção mais cara, trata-se da gordura mais adequada para a fritura, se não for misturado com outros óleos nem usada mais do que quatro ou cinco vezes. “Em condições adequadas de temperatura, sem sobreaquecimento, o mesmo não sofre alterações estruturais substanciais e mantém o valor nutricional, não só devido aos antioxidantes, mas também aos elevados níveis de ácido oleico.” São este tipo de informações que podemos ir buscar ao livro agora lançado, antes de nos atirarmos às receitas.
A conversa vai lançada e o estômago satisfeito. Mas a moleza que se cola a uma barrigada, com álcool à mistura, pede um café, não é chefe? É com esta necessidade em mente que nos levam à Padaria da Esquina, mesmo em frente ao mercado de Campo de Ourique, onde se pode comprar tudo aquilo que é fabricado perto de Sete Rios, sob a batuta do padeiro Mário Rolando. “O pão que fazemos é próbiótoco. Há anos que à noite só como isso e, aos 50 anos, posso dizer que tenho uma boa saúde intestinal”, avisara-nos pela manhã, com as mãos esbranquiçadas pela farinha.
Pudim de azeite – descubra esta deliciosa receita no livro Com os Azeites |
Antes de sairmos, com a cabeça livre de mitos, é impossível resistir a este balcão. No saco de papel, guardamos então os croissants para os meninos-matulões lá de casa e um pão de alfarroba que, prometemos, será devidamente mergulhado num bom azeite.
Luísa Oliveira
Marcos Borga
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