Ainda em criança, quando o pai assumiu o comando da transmontana Pão de Gimonde, Elisabete Ferreira descobriu o mundo da padaria e decidiu que seria sua missão valorizar a arte do mestre padeiro.
Elisabete Ferreira |
Em 2020, Elisabete Ferreira criou o Clube Richemont Portugal, uma associação internacional fundada nos ensinamentos da Escola Richemont, em Lucerna, Suíça, que procura potenciar os setores da padaria, pastelaria e confeitaria. O objetivo do clube é promover formações, encontros e debates com vista à partilha de conhecimento e tornar a profissão apetecível para os jovens. Para isso, a presidente do clube português acredita que o caminho é a inovação, com raízes numa produção natural auxiliada pela tecnologia. Outra missão é contrariar a tendência decrescente do consumo de pão, e voltar a pô-lo no centro da mesa dos portugueses.
De onde vem a sua ligação à padaria?
Em 1960 o meu tio-avô criou a Pão de Gimonde, em Bragança, que foi das primeiras padarias aqui no Nordeste Transmontano. Quando o meu pai entrou no negócio eu tinha 8 anos e comecei desde logo a querer aprender. Sempre tive muita curiosidade. As minhas férias em vez de serem na areia, eram na farinha. Vivi sempre a padaria intensamente. É um trabalho árduo, e sempre disse que um dia quando terminasse os meus estudos tinha que valorizar esta profissão, valorizar o produto pão.
Quando é que conheceu o Clube Richemont?
O meu foco sempre foi valorizar o que nós tínhamos, e mostrar a Pão de Gimonde ao mundo. Então, depois de terminar a licenciatura em Gestão de Empresas, fui desenvolvendo novos produtos, participando em projetos europeus de inovação, em parcerias com várias universidades e empresas de vários países, que me permitiram conhecer outras realidades. Foi num desses projetos, o Transcolab, que conheci o Clube Richemont, na Irlanda. Fiz o primeiro curso em 2015, em Valência, no Clube Richemont Espanha. E cada vez que eu fazia uma formação dizia “mas afinal eu não sei nada de padaria”. Tinha tanto a aprender e continuo a querer aprender todos os dias.
Elisabete Ferreira. (Fotos: DR) |
Quais são alguns dos novos produtos que desenvolveu para a Pão de Gimonde?
Um deles foi o pão de castanha. Fizemos um pão com farinha de maçã também e outro com farinha de grão-de-bico, com trigo germinado… há um leque tão grande de possibilidades. As farinhas são todas aqui da região. Agora para a Páscoa vamos ter disponível uma massa de brioche com recheio de castanha. Já fizemos pão de chocolate e mirtilo para o Dia dos Namorados. Hoje, o mestre padeiro tem tanta capacidade como um chef de cozinha de criar e de fazer coisas fabulosas. Com o conhecimento que eu adquiri eu consigo pegar em matérias-primas de proximidade e desenvolver produtos novos de exceção. É um cruzamento entre a tradição e a inovação.
Quais as vantagens de fazer parte do clube?
O que nós vamos ganhar aqui é sempre o conhecimento e a partilha. O propósito do clube é aprender, ensinar e partilhar. A padaria é uma profissão dura. Temos de ter uma curiosidade constante. E o clube permite-nos esta troca. Nós temos uma dúvida, falamos com o colega e há uma resposta quase imediata. Foi isso que eu senti quando entrei no clube espanhol. Dentro desta rede de padeiros e pasteleiros eu sei que posso visitar qualquer padaria que eu queira e da mesma forma tenho as portas abertas a quem quiser visitar-nos.
Em 2020, Elisabete criou o Clube Richemont Portugal, associação internacional fundada nos ensinamentos da Escola Richemont, em Lucerna. |
Desenvolvem receitas em conjunto?
Já criámos o pão dos 4 S’s, um pão que é saudável, saboroso, sustentável e solidário. No primeiro ano de pandemia fizemos este pão, cada um na sua região, e oferecemos aos nossos hospitais locais. E no Dia do Padeiro também fizemos e demos à ReFood. Em setembro vai haver um encontro internacional, com cerca de 120 pessoas de 15 países, onde vamos mostrar o que de melhor se faz em Portugal e a nossa cultura.
Qual é a missão do Clube Richemont?
O que nós queremos é mostrar que o pão é um superalimento, queremos voltar a pô-lo no centro da mesa. O objetivo principal do clube é promover o reconhecimento público de todo o setor da padaria e pastelaria, confeitaria e chocolataria. Outra das nossas preocupações é investir na formação e apoio contínuo aos jovens. Há muita dificuldade em encontrar pessoas para trabalhar e valorizar esta profissão, por isso temos que chamar os jovens e mostrar que podemos trabalhar de outra forma, com o apoio da tecnologia, e que afinal a padaria pode ser uma coisa interessante.
Quantos membros tem atualmente o Clube Richemont Portugal?
Neste momento são uns 20/23 membros por todo o país. Uma das coisas que nós estamos a preparar é precisamente uma plataforma [onde estarão agregados todos os membros] e colocar em cada padaria uma placa identificativa “Membro do Clube Richemont”.
Nunca houve tanta qualidade no mundo da padaria como atualmente, defende Elisabete. |
Em termos práticos, para os consumidores, o que é que significa ir a uma padaria que é membro do Clube Richemont?
Primeiro, sabem que há uma preocupação com a qualidade, com o produto, que é feito sempre com fermentações lentas, com massa-mãe de cultivo. É o nosso fermento natural. As pessoas sabem que não vão sentir-se mal depois de comerem um pão que é feito por membros do clube, porque todos eles têm um conhecimento da importância destes repousos longos. O Richemont opta pelo pão lento, que é um pão que demora entre 6 a 8 horas no mínimo e pode ir até 24 ou 32 horas desde que é feita a massa até ser cozido. Um pão rápido demora no máximo 2 horas. Entramos aqui no campo do fast food e low food. Se eu tiver uma fermentação lenta eu vou ter um produto menos calórico, com menos açúcar e muito mais digerível. Essencialmente lutamos muito para fazer um pão saudável, com altos valores sensoriais – a crocância, o aroma, a estrutura da miga, a cor -, fácil digestibilidade, alto poder saciante e biodisponibilidade nutricional.
Falou em voltar a pôr o pão no centro da mesa. Como é que isso se faz?
Durante milénios o pão era um alimento fundamental, e agora está a perder essa importância. A FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – diz que devemos comer cerca de 107 kg de pão por ano. Nós estamos nos 35 kg. Olhando para a média europeia, há um decréscimo cada vez maior no consumo de pão. E nós temos que fazer alguma coisa. Nunca se fez pão tão bom como agora, porque hoje entendemos o porquê das coisas, juntamos o conhecimento científico com a prática do saber fazer. Com farinha, água e sal e um agente levedante, que é a massa-mãe, fazemos um bom pão. O propósito do clube é também chegar esta informação às escolas, à classe médica e aos nutricionistas. 90% do pão que existe no mercado é um pão rápido, e muitas vezes o nutricionista não recomenda por isso mesmo. Então temos aqui um trabalho muito grande a fazer de divulgação.
Pão de Gimonde
A padaria transmontana faz pão com “o verdadeiro sabor de antigamente”, cozido em fornos a lenha, com receitas antigas e outras que sendo novas, se agarram às matérias-primas da região, como a castanha. Os produtos da Pão de Gimonde encontram-se à venda em mercearias e grandes superfícies no Porto, Lisboa, e Trás-os-Montes. Web: paodegimonde.com/pt
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