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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

O meio envolvente e as minhas preferências

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Nestes dias claros e temperados de Janeiro e início de Fevereiro de 2022, tão diferentes dos janeiros da minha infância e juventude, tenho tido ocasião de ver da minha janela um outro ouro no sol e os seus ocasos deslumbrantes.
A Natureza está a mudar e está a dar-nos sinais inequívocos dessa sua capacidade de se defender dos que a ofendem.
Com tempo que chegue para tal processo, a mudança faz-se em função das agressões e vem embrulhada em sol e temperatura amena, assim como os rebuçados de fruta cujas coberturas de papel são agradáveis à vista e o resultado final só é visível analisando ou medindo o teor dos diabetes. Subtileza que não obsta à nossa capacidade de observação e ao surgimento de outras formas de fazermos a nossa vidinha, contentes porque está sol, quando era suposto, chover, estar frio ou nevar, pois, "sete nevadas e um nevão, fazem um bom ano de pão".
Após eu constatar que a vida continua e a gente tem que fazer pela vidinha, hoje fui fora da cidade e deliciei-me com o que vi e ouvi. Durante uma vida quase inteira, os hábitos alimentares foram fator não menosprezável para que pudéssemos viver e sermos fortes, bem assim tendo o benefício de degustarmos coisas saborosíssimas, que o povo transmontano soube inventar e conservar ao longo da passagem de séculos e gerações que souberam manter o que era de manter e alterarem o que devagar se concluía ser necessário alterar. Todo o prato que na sua confeção passou de mãe para filha e que perdurou até hoje foi repetidas vezes testado para que os que o consumiram pudessem ficar satisfeitos e deliciados, sendo a matéria-prima, semeada, cuidada, colhida ou criada pelo povo que soube escolher as melhores, carnes, legumes e frutos, para fazer desta vida algo que nos separasse das aves do céu e dos bichos da terra.
Com paciência de Job e persistência de formiga, inventou o povo aquilo a que chamamos "O Fumeiro". Comida para um determinado tempo, o de inverno, persiste neste tempo ameno porque nós somos muito ciosos das nossas coisas e adoramos tê-las e partilhá–las.
Rumei a Nogueira que dista uns oito quilómetros da Praça da Sé para poder adquirir dois quilos de "tabafeias", assim lhes chamava a minha mãe, mas que realmente hoje são conhecidas por "Alheiras". Manhã bonita, sol brilhante e um pouco de frio já que estamos em Fevereiro. 
Passada a rotunda da Avenida das Cantarias olhando para o ponto cardeal norte uma paisagem que nos enche a Alma. Passado o acesso à A4, veem-se um Restaurante do lado direito e do lado esquerdo, uma casa de habitação com portão de ferro de duas folhas. O portão estava aberto e no momento que eu passava descia a rampa o dono da vivenda que foi meu camarada de tropa e de quem sou particularmente amigo. Encostei o carro fora da estrada, saí e fui cumprimentá-lo.
Depois de havermos conversado um pouco, convidou-me a cumprimentar a sua esposa que se encontrava no logradouro da casa junto a uma casa pequena que ele construiu para que as tarefas do fumeiro se fizessem em sítio próprio e higiénico. Após os cumprimentos da praxe ela perguntou-me onde ia aquela hora? Respondi que ia à aldeia comprar alheiras. Ato contínuo diz-me que ela própria havia feito o fumeiro e que ainda se conservava nas varas a secar. Disse-me sem me dar tempo de recusar que ia cortar o fio de meia dúzia para eu provar. Um pouco acanhado peguei no saco que me estendeu sem me dar azo a lamúrias e reparei que para além das alheiras havia também um salpicão e que as alheiras eram mais que as seis prometidas. Ainda me ofereceu uma couve troncha que eu recusei pois que isso implicaria ela ter que ir mudar de calçado e ir cortá-la à horta.
Retomei a estrada e só parei junto à capela linda e bem conservada que a par com a Igreja são as joias da aldeia. Do outro lado da rua está a casa ou casas da irmã da D. Madalena antiga proprietária do Restaurante Nazaré após o falecimento do casal fundador, que eu conheço há muitos anos e a quem habitualmente compro algum fumeiro na época própria.
Estavam as duas irmãs juntas como quase sempre e fui recebido com palavras de afeto e alegria e eu pensei; a Natureza está em tempo de mudança mas o povo simples e honrado deste país continua a ser o mesmo, amigo do seu amigo e sempre continuador dos métodos honrados dos seus maiores.
Simpáticas como sempre, pesaram as alheiras e como um ato naturalíssimo lançam-me o repto: Quer levar uns ovos caseirinhos que tenho ali? Respondi afirmativamente e num ápice os ovos passaram da cesta para duas caixas. Com aquele modo suave e franco a D. Madalena pergunta uma vez mais: Quer uma couve tronchuda, que a vou cortar ali à horta que está ali detrás da casa? Respondi afirmativamente pois que ela estava calçada de maneira mais consentânea com ida à horta.
Resumindo, saí dali com a oferta da esposa do Daniel Pires e a oferta da Dona Madalena que acrescentou duas rabas lindas que acompanharão a troncha espetacular que foi criada numa Horta de Nogueira como no tempo dos Afonsinhos.
No regresso pensei, mas que gente é esta a minha que do pouco que Deus lhes deu tem sempre algo para compartilhar com os outros de modo sincero e espontâneo? É o povo que moureja nesta terra há muitas gerações e que soube sofrer com o frio de Inverno e com a Canícula nos Verões de outrora e manter-se fiel ao seu Deus e ao seu povo, partilhando o que granjeou com o seu semelhante e louvando a Deus por lho haver dado.
Quanto à mudança climática compete às elites perceber e tentar compreender o que aí vem e arranjarem forma de minimalizarem o que for possível.
Para mim continua a ser um prazer sair da cidade, ver os campos, as árvores, as flores e os pássaros, as águas e os peixinhos e dar graças a Deus por tudo e mais ainda por esta gente que temos. (O pouco que Deus me deu, cabe numa mão fechada, o pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada) (provérbio popular que me ensinou a minha professora Dona Isabel Belchior).



Bragança 03/02/2022
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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