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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Anos cinquenta e circulação de camionetas na cidade de Bragança

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

No meu tempo de rapaz, a circulação de veículos pesados na cidade era mais intensa comparada com a dos tempos atuais. Todas as camionetas ostentavam uma placa com a velocidade máxima permitida. Na Estrada 50 km/hora e nas povoações 40 km/hora. Quase todas traziam pintadas frase mais ou menos educadas tais como esta, que eu achava intrigante e que hoje seria politicamente incorreta: Dos homens que conheci / Só Adão teve juízo / Casou com mulher sem mãe / E viveu no Paraíso.
Vários fatores concorrem para que assim seja, já que a entrega de artigos ao comércio se faz em carrinhas, VANS, que podemos identificar como a Ford Transit, que hoje foi copiada pelas outras marcas e que são fáceis de conduzir, tal como um carro ligeiro. 
No tempo a que me refiro as camionetas de caixa aberta faziam uma classe à parte que fez história pela resiliência de máquinas e "chauffeurs" que se tornaram em mitos para a garotada da minha idade que via este meio de transporte como as máquinas que mexiam o mundo.
Darei aqui um exemplo que serve para relembrar aos meus condiscípulos a mística que atribuíamos ao Tita que morava onde hoje está a Caixa Geral de Depósitos. Era a casa do Chico dos Machos que foi proprietário de veículos de tração animal que estavam a desaparecer com o progresso do transporte mecânico que entrava nas nossas vidas triunfalmente. Tinha este motorista uma "proa" obsessiva com a limpeza e manutenção da sua Volvo vermelha que brilhava com os cuidados que ele e os filhos lhes dispensavam. Era um gosto ver tal veículo que com a sua cor vermelha em desenho magistral se tornou célebre entre a garotada.
Mais abaixo no Tombeirinho estava quase sempre parada e também sempre tiradinha de uma caixa uma Volvo que pertencia ao Senhor Veloso, pai do Neca que a estimava quase como o Tita estimava a sua.
De seguida, ao fundo da Rua Dr. António Cagigal, estava uma Bedford um pouco mais pequena de cor "grenat" pertença do Senhor Augusto Pimparel mais conhecido por Má Cara, que o não era, e que era patrão do celebérrimo Marvel, estivador, pobre, mas trabalhador e que levantava um saco de 100kg sem que isso o obrigasse ao mais pequeno esforço, aparentemente.
Recordo uma Krupp verde da firma, João Miguel Pires & Irmãos, Lda, cujo motorista era o Hélio, homem que durante a minha inteira meninice foi fiel Chauffer desta firma que importava materiais de construção dos centros de produção em todo o país.
O Marcolino Moreno tinha duas camionetas, cujos motoristas eram dois homens que preenchiam o nosso imaginário, o Pedro que morava na Viela do Saco, nos Batoques e o Áureo que morava na Caleja do Forte e que foi para Angola, onde teve uma firma de camionagem, tendo regressado na vaga de retorno dos portugueses, que fecharam o ciclo do Império, os Retornados. Lembro a camionete e o seu dono e "Chauffer" Daniel do Parâmio, que normalmente, trazia a pedra de Montesinho para as obras do meu pai. A pedra que o Tio Miguel Chamorro tratava com carinho e à qual cantava aquela melopeia sincopada que a levava para o muro que ia lentamente tomando forma, eia eia, pedrinha, eia, upa, que vais para a obra, eia eia.
Quando eu andava na Escola o meu pai construiu a primeira casa do Fernando Lelo que também tinha uma Scania com que transportava castanhas e nozes bem como toda a mercadoria que negociava (dó pr' aí abaixo).
O Leal de França a quem o meu pai fez uma casa em Vale d' Alvaro que eu recordo com saudade, pois era a essa obra, onde eu ía levar o café com leite e pedacinhos de pão de trigo para o meu pai matar-o-bicho.
Por cima da linha do Caminho-de-ferro morava outro "Chauffer" famoso e que era conhecido pelo nome de Pranchadas e era pai do meu grande amigo Jorge que foi o noivo do último casamento, que antes de ir para a tropa, fiz no "Cura".
Na Moagem do Lopes & Sá Morais Lda era "Chauffer" o Gil que morava na Boavista e era cliente assíduo do Café Floresta onde fazia sempre um joguinho de Bilhar. Lembro também a Volvo da firma Afonso Lopes & Co Limitada que continua a fazer o serviço de carga do cereal que chega para ser moído e depois entregue aos clientes, com a mesma frequência de outrora. A patine que esta camionete ostenta coberta de pó de farinha que se cola à parte exterior da cabine juntou tantas camadas que parece que foi envernizada. Deve ser a camioneta mais antiga do Distrito que ainda funciona. O seu primeiro "Chauffer" era o pai do Orlando que foi para África e nunca mais vi. Morava no Bairro São João de Brito. Recordo também as camionetas das Obras Públicas e da Florestal. Nas Obras Públicas recordo o Mário Sachola, o André e o Senhor Anes do Bairro da Estação e o inefável Manuel Reis que conduziam o Cilindro e que levavam a garotada atrás, quando lenta e pesadamente passavam nas ruas da cidade. Também tinham camionetas mais pequenas, o Canha e o Fernando Catorze (filho).
O Armando Fouçadas também teve uma de caixa aberta que faz parte das lembranças da minha infância.
Este quadro que eu descrevo e ao qual devo ainda juntar os Irmãos Poças que durante muito tempo traziam quase toda a mercadoria do Porto, que é como quem diz da Zona litoral adjacente à segunda maior cidade de Portugal.
Haverá muita mais gente que trabalhou de camionista (Chauffer) e que eu não recordo agora. A esses presto também a minha homenagem, eu que desde os meus tempos de menino admirei a tarefa honrosa de todos os camionistas que ajudaram a fazer a era dos transportes rodoviários, em Bragança e em todo o Mundo. (Ei, motorista, rico, pobre / preto, branco / cuidado co'a direção / conserve sua direita / escute minha canção (Roberto Carlos ).

Obs* Ilustra este texto uma sugestiva Ford dos tempos áureos, capa da obra de Jonh Steinbeck que descreve a viagem de Oklahoma até à Califórnia nesta máquina.



Bragança,13/02/2022
A. O. dos Santos
Bombadas

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