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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O Douro antes, agora e depois

 O Douro que é nosso, mas é cada vez de mais gente, é onde a natureza se excede, o homem se suplanta, onde a incerteza se implanta a par das plantas que se plantam e onde os néctares se cuidam para que encantem porta adentro e mundo afora.
Sabemos o que foi, mais ou menos sabemos o que é, mas não sabemos para onde vai e o que será. Obviamente que todos lhe almejamos o melhor porque o merece e porque fazemos parte da sua multiplicidade integrada feita unidade, pilar de inequívoca identidade.
O vinho e o rio estão-lhe no âmago. Desde que o tempo é tempo que as videiras medram aconchegas pelo xisto com os seus cachos feitos fruta esmagada e fermentada para que o vinho se faça por si mesmo com a ajuda e com o saber dos homens.
Passando pelos romanos e pelos monges de Cister, que foram granjeando E alarando vinhas, fomos dar ao tratado lavrado em 1703 com os ingleses e a mais a demarcação exarada pelo marquês de Pombal. Hoje em dia, nos socalcos que antes eram matagais, cultivam-se em 43mil hectares, 300 mil pipas de vinho.
Não será bem um mar de terra plantada de vinha como noutras partes do mundo, mas convenhamos é uma dimensão de meter respeito e bem capaz de proporcionar bom proveito. Se o proporciona ou não, e sabemos que não pelo menos como se impõe, isso é vinho de outra pipa, como costuma dizer-se entre nós.
Se me permitem, é aqui que passarei a bater no casco do tonel para aferir o nível e se for capaz, tentar encontrar a causa das coisas colocando-me a partir da página em que surge o tratado de Methuen em que se exarou o privilégio de os ingleses nos virem escoar o vasilhame para se deliciarem com as nossas pingas que até fariam ressuscitar mortos caso estes mantivessem o palato sempre vivo.
Nada tardou que exarado e perpetrado o acordo, o negócio se expandisse em quantidade, em qualidade e em proveitos financeiros e aduaneiros. Os vinhos do Douro viraram riqueza nacional e engordaram e bem as contas bancárias de uns poucos, infelizmente graças ao escravo trabalho de muitos que mourejavam e mourejam por entre os bardos multicolores e abrasadores.
Paradoxalmente havia muita riqueza, mas também muita pobreza. Os proveitos deram para tudo e mais alguma coisa, mas não deram para alimentar quem andava a cavar. Falar de crise no Douro sempre foi quase tão comum como pisar as uvas no lagar.
Em todo o caso, para alguns era fácil ter e viver. Não indo aos maiores e ficando-me pelos médios, diz-nos a memória que bastava herdar meia dúzia de hectares de vinha, e já dava para vida de quase lorde. O pessoal trabalhava, o caseiro orientava e orientava-se se o deixassem, e o dono aproveitava-se permitindo-se o privilegiado lazer.
Durante décadas o Douro foi comodismo e pachorra sonolenta que tardou a acabar. Os que se deviam preocupar não se preocupavam. O negócio dava para o sustento sem grande constrangimento. Por isso, já outras regiões de vinho se haviam organizado e modificado rumo ao futuro e ainda o Douro se acomodava com o exclusivo vinho generoso. O resto, eram sobras.
No entanto como a necessidade faz o engenho, acordou e suplantou. Pelos nos 90 do século XX deitou mãos à obra e fez vinho tranquilo, como se diz, para se servir à mesa. Espantou e ultrapassou tudo e todos. A qualidade sendo excelente, permitiu acrescentar valor, mesmo não havendo organização de classe. Uns poucos tomaram a dianteira e os outros foram na pegada.
Ao costume, o registo é cada um por si e cada qual a jurar que o melhor vinho do mundo está na sua adega. Antes dizia-se armazém, mas convém alguma modernidade no modo de se dizer, nestes dias de hoje que continuam a ser de crise. Uns dizem que perdem dinheiro, outros dizem que vai dando para o gasto, e outros nada dizem, mas a gente sabe.
Eu que nada sei, só me atrevo a recomendar que tenham juízo e que se cuidem em conjunto pois o futuro é já daqui a instantes e desenha-se um vendaval quase igual ao da filoxera. Não irá tudo para o maneta, mas urgem as amarras que sustentem a tenda na permanente contenda entre as regiões do mundo em que os vinhedos medram.
Não temos dimensão, mas temos qualidade de pedir meças seja a quem for e temos o coração firme e todo colocado nas videiras. A cabeça e a vontade não negam as canseiras, e o saber fazer é o que mais temos. Quando muito falta alguma lucidez, se calhar porque não temos dúvidas.
Mas quem foi capaz de desbravar silvados, de britar pedregulhos, de virar ao contrário terra e mais terra para faze chão de videiras, também é capaz de enfrentar e construir uma realidade nova mantendo uma paisagem evolutiva e viva, mesmo que se alterem algumas circunstâncias.
Se soubermos e se quisermos, nesta beleza de terra, haverá sempre que dela cuide e quem a cante. Os nossos antepassados assim querem, e os nossos filhos assim merecem.
Basta vermos a quantidade de raparigas com ar resoluto e urbano que guiam as camionetas carregadas de uvas a caminho das adegas, para concluirmos que a paixão impele e o amor perdura. Quanto a mim esta visão é significativa, pois sendo disruptiva num certo sentido, é essencialmente esperançosa.
No Alto Douro vinhateiro, o antes já foi, o agora está a ser e depois nada tarde. Quando dermos por ela veremos de novo pintor e teremos outra vez vindimas. Temos é de nos organizar pois as coisas não estão para amadores.

Manuel Igreja

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