«(…) um grande prato redondo de louça do Japão, onde, sob fino gradeado de canela, alvejava o celebrado arroz-doce»
Teixeira de Vasconcelos
Espanhóis («arroz com leche») e franceses («riz au lait») já o conheciam antes de nós. Por cá a antiguidade é atestada por um livro de 1680.
Para muitos, não corresponde ao ideal de sobremesa doce, de que se espera sempre, por muitos ovos, amêndoa ou outro qualquer ingrediente componente, uma característica de leveza inerente à condição de pospasto. Uma pratada de arroz-doce no fim duma refeição significa normalmente, para estômagos cordatos, que ela não satisfez, em qualidade ou quantidade.
Está para a doçaria assim como a banana para a fruta: coisa compacta e alimentícia. Considerado verdadeiramente tradicional em todo o país, o arroz-doce aparece efectivamente em tudo o que é casamento, baptizado, festividades e ementas de restaurantes.
Mais ou menos bem executado (às vezes não passa de um aguado arroz açucarado), a receita até nem é complicada, requerendo apenas paciência para a longa mexedela. Nos vários registados por este país fora, a diferença fundamental é a junção ou não das gemas de ovos.
De resto, basicamente e sem elas (como se faz, por exemplo na região de Coimbra), é uma porção de arroz que se põe a «abrir» em água a ferver, após o que se vai adicionado, pouco a pouco, leite previamente aquecido com uma casca de limão, mexendo sempre, lentamente, em lume muito brando. Durante quase uma hora.
Junta-se então o açúcar, continuando a fervinhar um pouco mais. Deitado em travessa ou pratos individuais, decora-se com canela em pó, em formas geométricas ou figurando letras, flores, ou corações, com um toque de arte em que alguém já pomposamente chamou canelografia.
Não é legítimo defender-se a paternidade portuguesa do arroz-doce.
Arroz-doce é uma sobremesa importada
A primeira vez que a palavra arroz aparece em língua francesa é num documento que refere precisamente um «arroz com leite e canela», servido ao rei S. Luís e a S. Tomás de Aquino, nos meados do século XIII.
Em Espanha, idêntica receita surge no «Libre de Sent Sovi» (escrito possivelmente em 1324).
Sem espaço para esmiuçar o assunto, é de crer que é oriundo da culinária do AL-Andalus, daí irradiado, e o certo é que os espanhóis sempre tiveram o arroz com leche e os franceses o riza u lait. Por cá, a antiguidade é atestada por já constar na «Arte de Cozinha» (1680), de Domingos Rodrigues, o nosso primeiro livro impresso de culinária.
Caso talvez único nos anais da literatura, esta sobremesa dá o título a uma obra, «O Prato de Arroz Doce» (1862), do romancista e jornalista A. A. Teixeira de Vasconcelos (1816-1878).
Misto de romance histórico de assunto contemporâneo – a guerra da Patuleia -, de intriga sentimental e de crónica de costumes, o doce adquire importância na trama romanesca, como prato preferido de uma das principais personagens, o conselheiro José Alves, mas apenas quando feito pela sobrinha Rosa («- Belo arroz! Nem muito seco, nem muito húmido, nem muito doce, nem falto de açúcar, nem salgado, nem insosso. Tens mãos de ouro. Minha querida Rosa!») – o que vai determinar o desfecho.
Sem literatura mas de preferência bem feito, coma-o cada um a seu gosto. Com a certeza, porém, como dizia Luís de Sttau Monteiro, que «é possível ser-se português e não gostar de arroz-doce».
Guia da Semana – EXPRESSO – Edição Norte
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