Por: António Pires
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Correndo o sério risco de ser ostracizado e, o mais provável, ter à perna um desses movimentos fundamentalista SOS qualquer coisa, vou ter a ousadia de submeter à prosa um tema que muitos, por pura hipocrisia e submissão à ditadura do politicamente correcto, jamais teriam coragem de o fazer.
Aquele lamentável episódio protagonizado pelo presidente (em exercício) do Brasil, quando, no dia anterior às eleições no seu país, questionado por um jornalista português, respondeu não entender o nosso “portunhol”, ainda que muito grave, vou entender a “argolada” como resultado do cansaço, da pressão e do nervosismo de Bolsonaro, justificáveis nestas circunstâncias.
Poderemos imaginar um governante ou político português fazer o mesmo?! Evidentemente que não. Na hipótese (nada provável) de acontecer, eis as consequências: dava logo origem a um incidente diplomático, obrigando o nosso Marcelo, em nome do país, a deslocar-se ao Brasil, para se retratar, num qualquer “perdoa-me” televisivo. Por outro lado, o caso converter-se-ia em matéria combustível para as redes sociais, com muita gente, sem freios, a destilar ódio. E os nossos parlamentares, em uníssono, condenariam “veementemente” a atitude do autor.
Para espanto meu, soube há muito pouco tempo (provavelmente por distração), que as poucas telenovelas produzidas pela TVI e um número residual de filmes made in Portugal, exportados para o Brasil, são ali dobrados, porque a clientela não percebe o português falado pelos irmãos do lado de cá do Atlântico.
Até consigo perceber o “no te entiendo” dos nuestros hermanos, quando falam com o portuguesito, e a conversa não lhes agrada. E é normal que assim seja, porque, ainda que vizinhos, falamos idiomas distintos. Dos nossos irmãos brasileiros, com quem partilhamos a língua, só a arrogância, a soberba e o complexo de superioridade podem explicar essa estranha barreira linguística.
Em boa verdade, os brasileiros (tirando o Cristiano Ronaldo, a fadista Mariza e o Ricardo Araújo Pereira, porque cidadãos do mundo), nunca morreram de amores pelos portugueses. Ao contrário, não só gostamos dos brasileiros, como os endeusamos. É uma relação de amor eterno não correspondido, em que nós, lusos, nos comportamos como a típica mulher portuguesa submissa, que se anula perante o marido, macho latino: um casamento marcado pela traição, humilhada e vítima de violência doméstica, a Maria só tem olhos p´ró Manel, que, não valendo sequer os dum gato, julga ter ali a última bolacha do pacote.
Mesmo assim, esta falta de respeito e consideração não impede a tuga gente de ser voraz e compulsiva consumidora do “produto” brasileiro. Comportando-se como a Maria, sem o mínimo de amor – próprio, o português, ao longo das últimas décadas, deixou-se aculturar por um “irmão” que não reconhece o cordão umbilical ao qual está ligado há mais de 500 anos.
Senão, vejamos:
A partir de 1975, fomos “invadidos” pelas telenovelas da TV Globo, que, diga-se, tinham muita qualidade. Milhares de portugueses (nos quais me incluo) seguiam, diariamente, com entusiasmo, a Gabriela, a Escrava Isaura, o Casarão e mais umas tantas que se lhe seguiram. Que eu tenha conhecimento, de norte a sul do país, de Lisboa a São Joanico, passando por Gebelim e Curral das Freiras, não houve ninguém que tenha precisado do prof. doutor Google para entender o linguajar de Terras de Vera Cruz!
As nossas televisões, sem excepção, injectaram-nos uma dose cavalar de eleições brasileiras. Acompanharam fastidiosamente, com batalhões de jornalistas, durante um mês, ao minuto, o antes, o durante e o pós acto eleitoral, oferecendo um produto que a maioria de nós dispensava e no qual não estava interessado. Em situação inversa, independentemente da eleição em causa, Portugal, quando vai a votos. merece pouco mais do que uma nota de roda pé, por parte da “midia” do país irmão.
Mais de 60 por cento da música brasileira ouvida actualmente em Portugal é pimba. Entra-se num qualquer bar ou café, e só se ouve o irritante e enjoativo fanke brasileiro.
Os vídeos do Tik Tok, inundados de material brasileiro, onde pontifica a parvoíce, o ridículo e sensacionalismo, são ávida e entusiasticamente consumidos pelos tugas.
Nos “feices” e nos “instas” não há portuguesa que, no seu perfil, dispense um pensamento ou reflexão/ frase feita, no linguajar de Carlos Drummond de Andrade, do género “Aí vem a vida e te vira do avesso só para provar que felicidade vem de dentro pra fora”/ “Mesmo que as pessoas sejam más com você, você continua brilhando, continua sendo gentil, feliz e rindo de tudo, porque um dia a vida vai compensar”.
Os portugueses, por influência das novelas e, mais recentemente, das redes sociais, baptizam as filhas com: Cátias, Vanessas, Jéssicas , Soraias, Yaras, Zeneides, Jaciaras, Cleydes e outros que tais.
Enriquecemos o vocabulário com:
- “Nem tou aí”. Ouvi o Paulinho das feiras sair-se com esta, em plena Casa da Democracia, enquanto governante;
- O “eu queria tanto ver”, é o desejo de alguém que, por exemplo, “gostaria muito de ver o André Rieu”;
- O redundante “pára quieto”, tomou definitivamente o lugar do portuguesíssimo “está quieto!”;
- O “como assim?”, expressão/falsa interrogativa, que fez cair em desuso, no nosso “portunhol”, o “desculpe, mas não ouvi bem/ ” …não percebi a sua pergunta”/… o que quer dizer com isso?!”;
- O “aprendizado da vida”, expressão frequentemente usada pelos rapazes e raparigas da minha idade e mais velhos, no perfil do facebook, para justificarem a ausência de habilitações literárias;
- O “mesmo”, que destronou, sem contemplação, a aceitação “é verdade”/”claro que sim”;
- O tão irritante quanto ridículo “amo-me”, forma verbal conjugada pronominalmente, é usada por pessoas egocêntricas e narcisistas, que, como são carentes de amor e afecto, em compensação, amam-se a elas próprias;
- O “amo demais”, como se o amor tivesse três graus de intensidade: pouco, normal e muito. É a completa vulgarização do Amor, esse sentimento mágico capaz de mudar o mundo: amam – se os filmes, as músicas, o vinho, a comida, as praias e as fotos ”postadas”. Já não se “adora” nem se “gosta”, quando rendidos à beleza e imponência dum carro ou duma casa.
- O tuga sabe de cor e salteado as letras de todo o fanke brasileiro, o género musical mais rasca que alguma vez se produziu no país do carnaval. O tuga, nas discotecas e nos bailes da paróquia, numa extraordinária sintonia entre as peças da engrenagem (em dança colectiva), faz, qual bailarina de palco duma banda rosqueira, a coreografia perfeita do popularucho “Ondi anda, ondi anda, ondi anda essa mulhé”, do duo Calimero & Zé Filipe – informação retirada do dótô Google.
Os exemplos do fascínio que temos pelos brasileiros, demostrado nestas “pequenas coisas”, são tantos, que incomportáveis neste curto espaço de papel. Porque escasseia, apenas uma nota final, em jeito de declaração de interesse, para não ser mal interpretado:
Gosto dos brasileiros e da sua invejável alegria e optimismo, gosto d´os ver no meu país, porque os sinto “gente da minha terra”, como nossos, gosto da sua música, excluindo o fanke, gosto do Chico Buarque, da Fafá de Belém, do Caetano Veloso, do Roberto Carlos, do Jorge Amado, do Machado de Assis, entre muitos outros brilhantes escritores e poetas, gosto da caipirinha, gosto da picanha e da tapioca, etc.
Mas também gosto da verdade, porque ela me liberta.
Aquele lamentável episódio protagonizado pelo presidente (em exercício) do Brasil, quando, no dia anterior às eleições no seu país, questionado por um jornalista português, respondeu não entender o nosso “portunhol”, ainda que muito grave, vou entender a “argolada” como resultado do cansaço, da pressão e do nervosismo de Bolsonaro, justificáveis nestas circunstâncias.
Poderemos imaginar um governante ou político português fazer o mesmo?! Evidentemente que não. Na hipótese (nada provável) de acontecer, eis as consequências: dava logo origem a um incidente diplomático, obrigando o nosso Marcelo, em nome do país, a deslocar-se ao Brasil, para se retratar, num qualquer “perdoa-me” televisivo. Por outro lado, o caso converter-se-ia em matéria combustível para as redes sociais, com muita gente, sem freios, a destilar ódio. E os nossos parlamentares, em uníssono, condenariam “veementemente” a atitude do autor.
Para espanto meu, soube há muito pouco tempo (provavelmente por distração), que as poucas telenovelas produzidas pela TVI e um número residual de filmes made in Portugal, exportados para o Brasil, são ali dobrados, porque a clientela não percebe o português falado pelos irmãos do lado de cá do Atlântico.
Até consigo perceber o “no te entiendo” dos nuestros hermanos, quando falam com o portuguesito, e a conversa não lhes agrada. E é normal que assim seja, porque, ainda que vizinhos, falamos idiomas distintos. Dos nossos irmãos brasileiros, com quem partilhamos a língua, só a arrogância, a soberba e o complexo de superioridade podem explicar essa estranha barreira linguística.
Em boa verdade, os brasileiros (tirando o Cristiano Ronaldo, a fadista Mariza e o Ricardo Araújo Pereira, porque cidadãos do mundo), nunca morreram de amores pelos portugueses. Ao contrário, não só gostamos dos brasileiros, como os endeusamos. É uma relação de amor eterno não correspondido, em que nós, lusos, nos comportamos como a típica mulher portuguesa submissa, que se anula perante o marido, macho latino: um casamento marcado pela traição, humilhada e vítima de violência doméstica, a Maria só tem olhos p´ró Manel, que, não valendo sequer os dum gato, julga ter ali a última bolacha do pacote.
Mesmo assim, esta falta de respeito e consideração não impede a tuga gente de ser voraz e compulsiva consumidora do “produto” brasileiro. Comportando-se como a Maria, sem o mínimo de amor – próprio, o português, ao longo das últimas décadas, deixou-se aculturar por um “irmão” que não reconhece o cordão umbilical ao qual está ligado há mais de 500 anos.
Senão, vejamos:
A partir de 1975, fomos “invadidos” pelas telenovelas da TV Globo, que, diga-se, tinham muita qualidade. Milhares de portugueses (nos quais me incluo) seguiam, diariamente, com entusiasmo, a Gabriela, a Escrava Isaura, o Casarão e mais umas tantas que se lhe seguiram. Que eu tenha conhecimento, de norte a sul do país, de Lisboa a São Joanico, passando por Gebelim e Curral das Freiras, não houve ninguém que tenha precisado do prof. doutor Google para entender o linguajar de Terras de Vera Cruz!
As nossas televisões, sem excepção, injectaram-nos uma dose cavalar de eleições brasileiras. Acompanharam fastidiosamente, com batalhões de jornalistas, durante um mês, ao minuto, o antes, o durante e o pós acto eleitoral, oferecendo um produto que a maioria de nós dispensava e no qual não estava interessado. Em situação inversa, independentemente da eleição em causa, Portugal, quando vai a votos. merece pouco mais do que uma nota de roda pé, por parte da “midia” do país irmão.
Mais de 60 por cento da música brasileira ouvida actualmente em Portugal é pimba. Entra-se num qualquer bar ou café, e só se ouve o irritante e enjoativo fanke brasileiro.
Os vídeos do Tik Tok, inundados de material brasileiro, onde pontifica a parvoíce, o ridículo e sensacionalismo, são ávida e entusiasticamente consumidos pelos tugas.
Nos “feices” e nos “instas” não há portuguesa que, no seu perfil, dispense um pensamento ou reflexão/ frase feita, no linguajar de Carlos Drummond de Andrade, do género “Aí vem a vida e te vira do avesso só para provar que felicidade vem de dentro pra fora”/ “Mesmo que as pessoas sejam más com você, você continua brilhando, continua sendo gentil, feliz e rindo de tudo, porque um dia a vida vai compensar”.
Os portugueses, por influência das novelas e, mais recentemente, das redes sociais, baptizam as filhas com: Cátias, Vanessas, Jéssicas , Soraias, Yaras, Zeneides, Jaciaras, Cleydes e outros que tais.
Enriquecemos o vocabulário com:
- “Nem tou aí”. Ouvi o Paulinho das feiras sair-se com esta, em plena Casa da Democracia, enquanto governante;
- O “eu queria tanto ver”, é o desejo de alguém que, por exemplo, “gostaria muito de ver o André Rieu”;
- O redundante “pára quieto”, tomou definitivamente o lugar do portuguesíssimo “está quieto!”;
- O “como assim?”, expressão/falsa interrogativa, que fez cair em desuso, no nosso “portunhol”, o “desculpe, mas não ouvi bem/ ” …não percebi a sua pergunta”/… o que quer dizer com isso?!”;
- O “aprendizado da vida”, expressão frequentemente usada pelos rapazes e raparigas da minha idade e mais velhos, no perfil do facebook, para justificarem a ausência de habilitações literárias;
- O “mesmo”, que destronou, sem contemplação, a aceitação “é verdade”/”claro que sim”;
- O tão irritante quanto ridículo “amo-me”, forma verbal conjugada pronominalmente, é usada por pessoas egocêntricas e narcisistas, que, como são carentes de amor e afecto, em compensação, amam-se a elas próprias;
- O “amo demais”, como se o amor tivesse três graus de intensidade: pouco, normal e muito. É a completa vulgarização do Amor, esse sentimento mágico capaz de mudar o mundo: amam – se os filmes, as músicas, o vinho, a comida, as praias e as fotos ”postadas”. Já não se “adora” nem se “gosta”, quando rendidos à beleza e imponência dum carro ou duma casa.
- O tuga sabe de cor e salteado as letras de todo o fanke brasileiro, o género musical mais rasca que alguma vez se produziu no país do carnaval. O tuga, nas discotecas e nos bailes da paróquia, numa extraordinária sintonia entre as peças da engrenagem (em dança colectiva), faz, qual bailarina de palco duma banda rosqueira, a coreografia perfeita do popularucho “Ondi anda, ondi anda, ondi anda essa mulhé”, do duo Calimero & Zé Filipe – informação retirada do dótô Google.
Os exemplos do fascínio que temos pelos brasileiros, demostrado nestas “pequenas coisas”, são tantos, que incomportáveis neste curto espaço de papel. Porque escasseia, apenas uma nota final, em jeito de declaração de interesse, para não ser mal interpretado:
Gosto dos brasileiros e da sua invejável alegria e optimismo, gosto d´os ver no meu país, porque os sinto “gente da minha terra”, como nossos, gosto da sua música, excluindo o fanke, gosto do Chico Buarque, da Fafá de Belém, do Caetano Veloso, do Roberto Carlos, do Jorge Amado, do Machado de Assis, entre muitos outros brilhantes escritores e poetas, gosto da caipirinha, gosto da picanha e da tapioca, etc.
Mas também gosto da verdade, porque ela me liberta.
António Pires
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