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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 1 de janeiro de 2023

Esquerda, direita, um, dois

Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Lembro-me como se tivesse sido ontem daquela magnífica festa de há quarenta e cinco anos que, como um bom agoiro que se lê no livro da natureza, se fez anunciar numa bonita manhã de primavera e sol nos espaços exteriores do liceu. Quase toda a malta da minha geração a acolheu de braços abertos com o idealismo, a ingenuidade, a ignorância que todos os dezoito anos costumam autorizar. A nossa perceção das coisas da política era fraquinha, para não dizer nula, e nem liberdade nem democracia nos diziam grande coisa: uns meses antes um ministro do salazar tinha sido lá recebido com discursos bajuladores e as honras do costume.
Era o que se passava com o povo em geral. Mas as festas, todas elas, são pausas saborosas no fim de longos dias de rotinas extenuantes; momentos em que os quadris se aliviam do peso desta linha produção que é a vida; intervalos em que uma ordem instituída relaxa a sua lei, ou se afasta para uma outra ordem instituir uma outra lei. Por acréscimo, aquela prometia paz a um país em guerra, pão a uma terra de fome inveterada, saúde a um povo abandonado às suas dores e moléstias, educação a uma população que não sabia ler. Se juntarmos ainda o brinde da liberdade e da democracia, compreendem-se bem os espasmos em que tudo aquilo deu.
Devia ter sido interessante para um observador vindo de fora assistir ao corrupio de ideias que flutuavam no ar por essa altura e ao frenesi de gente acotovelando-se para as apanhar. Posto que o nosso forte nunca foi pensar, aderíamos às coisas por todo o tipo de razões egocêntricas e inconscientes, isto é, mais ou menos com a mesma racionalidade com que antes tínhamos decidido ser do sporting, da académica ou da sanjoanense. Nem preciso de ir muito longe: a minha colagem imediata às esquerdas não tinha por trás nenhum conhecimento amadurecido (nem por amadurecer) do ser humano e da vida em comunidade. Simplesmente, as promessas generosas da revolução eram música para os meus ouvidos de desfavorecido.
Éramos brutos, tal como hoje, e não era difícil convencerem-nos fosse do que fosse. Porque tudo nos era servido como num self-service doses de fast food prontas a comer, comíamos do que nos punham à frente. E depois, as ideias da moda tinham o aval de filósofos, intelectuais, políticos, tudo gente de gabarito que pensava por nós. Apenas um exemplo: passámos quase todos a ser ateus empedernidos, mas, curiosamente, engolíamos com avidez o catecismo de uma nova fé, à qual não faltavam profetas, escrituras, promessas de salvação, messias, apóstolos, mártires, papas, missas, romarias. O fervor da crença chegava mesmo a proporcionar visões, individuais e coletivas.
Se não, vejamos. Uma das primeiras coisas de que nos persuadiram foi que as ideias políticas se repartem por dois grandes campos que mutuamente se excluem e combatem, esquerda e direita. Acoplado a isso, era evidente para nós que arrastados nessa luta se digladiavam também povo e burguesia, operários e patrões, pobres e ricos, explorados e exploradores. Simplista como todos os esquemas, mas tão eficaz que se mantém a funcionar e ainda nos empolga. Curioso é que os segundos termos destes pares foram rapidamente diabolizados. Ser de direita não era ser alguém que pudesse ter ideias válidas e defender modelos de sociedade. Concentrada no adjetivo fáxísta, então em voga, a categoria não só desqualificava qualquer um como tinha mesmo caráter insultuoso. Em resumo, à pobreza do pensamento maniqueísta direita-esquerda acrescentava-se a indigência do pensamento único.
Com o tempo ficámos amarrados à ideia como barcos a um cais, e tomámo-la por tão real como um pau ou uma pedra. Também é verdade que ela vai funcionando dentro do jogo democrático, ao fazer dialogar pontos de vista antagónicos e complementares de cuja síntese se constrói a vida em sociedade. Mas fraturar a vida política (e portanto as nossas mentes) em duas partes é tão arbitrário como fraturá-las em quatro ou oito, não passa de uma convenção como qualquer outra.
Direita e esquerda existem dentro de nós como duas tendências que dialogam entre si e a natureza nunca se teria lembrado de apartar: razão e coração. Cada uma delas devia ser um miradouro para contemplar o panorama antes de avançar, não uma moradia de cuja janela se olha a mesmíssima paisagem durante a vida inteira.

(Nordeste - jun. 2019)

Manuel Eduardo Pires
. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.

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