Todos os que o frequentamos, sabemos parte da história e repetimo-la aos iniciados: era ali o tasco da Senhora Maria Rita a que Clemente Menéres recorreu, a meio da tarde de 18 de Maio de 1874, da primeira vez em que chegou ao Romeu, a cavalo num muar, no reconhecimento de terras com sobreiros que tencionava comprar. Nada havendo disponível para comer, mandou-a preparar bacalhau assado, acompanhado de pão negro de centeio que nunca tinha experimentado. Nos seus apontamentos autobiográficos, 40 Anos de Trás-os-Montes, descreve-nos esses momentos primordiais no Romeu, a conversa com o Padre Pascoal Rodrigues, seu fiel depositário para pagamento e escrita das aquisições de terras, a ida a Mirandela para levantar dinheiro, dois contos de réis. O tasco da Maria Rita foi o seu quartel-general de operações, onde passou a dispor de um quarto em que dormia de arma à cabeceira.
O restaurante Maria Rita abriu ao público em 12 de Maio de 1966. Se tivesse um balcão a servir bebidas, seria um autêntico pub inglês, mas mesmo assim respira-se nesse ambiente cosy, um conforto e vontade de estar, aquela sensação amiga, familiar, que as madeiras e a pedra, as lareiras e o aroma a fumo de sobro nos fazem apreciar, noutro nível, o tal pão de centeio com azeite, o bacalhau, as feijoadas e feijocas, os bifes na caçarola, as sopas secas absolutamente glutonas que no tempo certo vêm com espargos silvestres apanhados nos olivais do Romeu e nas matas do Quadraçal. Houve um lendário pudim de ovos, durante muitos anos, que hoje é lembrado com saudades. A mousse de chocolate é feita com azeite. Toda esta sofisticação, que parece simples e fácil como sempre o parecem as coisas excelentes e de qualidade, resultou da vara de condão com que, nos anos sessenta do século XX, Manuel Menéres tocou as pequenas aldeias e o casario, com visão e missão social. Os lucros do restaurante financiaram o infantário e a creche, do Romeu, e a Conferência de S. Vicente de Paulo, de Mirandela. Nessa altura, foi ressuscitado o nome da senhora e, de certo modo, o tasco do século XIX, assim descrito por Clemente Menéres, passou a ser conhecido por estalagem, após a aquisição das casas e das obras feitas pelo seu filho Manuel Menéres. Durante décadas, o dono da taberna que antecedeu a actual Maria Rita tinha sido o Zé Maria, conhecido por Trá-lá-rá, grande lavrador, cheio de filhos, com duas malhadeiras com que trabalhava à maquia, que se viu forçado a emigrar nos anos cinquenta ou sessenta e antes pôs todos os seus bens na praça.
Antes da chegada de Clemente Menéres, a taberna do Romeu tinha vindo a apagar-se desde que nela deixaram de pairar os bandos do cabralismo e a estrada do fontismo roubara o movimento que atravessava a aldeia. Só alguma diligência mais recoveira aportava ali esporadicamente, se bem que os ranchos, das segadas, das vindimas e da apanha da azeitona, a frequentassem nas épocas de safra.
Ter aparecido Clemente Menéres, tasco adentro, homem com vinte e nove anos a arejar a nota para comprar terras, a pedir de comer e uma cama para dormir, foi para a Senhora Maria Rita o mesmo que chegar mais azeite a uma torcida cuja chama se apagava, já nos seus sessenta: e brilhou no resto da sua vida. A casa devia ser humilde, mas com aprumo, como o são sempre as casas de alfaiate: era o ofício do marido, Francisco Inácio, dez anos mais novo do que ela, sem filhos e já casados há vinte. Ela tinha nascido de mãe de Mirandela e pai do planalto mirandês, refugiara-se no Romeu, gravidez solteira e parto de um filho espúrio (1836) que não lhe sobreviveria, estabelecendo-se por conta própria a vender vitualhas a forasteiros. Enviuvaria aos sessenta e quatro e morreu já com 77, em 1891, resto da vida animada pelo movimento que viu crescer com os ranchos dos tiradores de cortiça e dos “trabalhadores do Menéres” que passaram a frequentar o seu balcão e a dar conversa sobre o mundo fora da pequenina aldeia.
Clemente Menéres, num périplo à procura de sobreiros, de diligência, barca, cavalo, macho e burro, partira do Porto para a Régua, a Pesqueira, a Foz Coa, à Vilariça, a Bemlhevai, subindo pela Burga, descendo ao Quadraçal pelo Vale da Sinada e chegando, finalmente, ao Romeu, ao fim de quatro dias, a meio da tarde. Feliz, por ter encontrado a mancha de sobreiros que pretendia. Desmontou e perguntou o que poderia comer, à Senhora Maria Rita. Estamos a meses de comemorarmos cento e cinquenta anos passados sobre esse dia de Maio de 1874, o que é significativo para um lugar recôndito como o Romeu. Hoje, com muito mais do que bacalhau com centeio, no Maria Rita!
O restaurante Maria Rita abriu ao público em 12 de Maio de 1966. Se tivesse um balcão a servir bebidas, seria um autêntico pub inglês, mas mesmo assim respira-se nesse ambiente cosy, um conforto e vontade de estar, aquela sensação amiga, familiar, que as madeiras e a pedra, as lareiras e o aroma a fumo de sobro nos fazem apreciar, noutro nível, o tal pão de centeio com azeite, o bacalhau, as feijoadas e feijocas, os bifes na caçarola, as sopas secas absolutamente glutonas que no tempo certo vêm com espargos silvestres apanhados nos olivais do Romeu e nas matas do Quadraçal. Houve um lendário pudim de ovos, durante muitos anos, que hoje é lembrado com saudades. A mousse de chocolate é feita com azeite. Toda esta sofisticação, que parece simples e fácil como sempre o parecem as coisas excelentes e de qualidade, resultou da vara de condão com que, nos anos sessenta do século XX, Manuel Menéres tocou as pequenas aldeias e o casario, com visão e missão social. Os lucros do restaurante financiaram o infantário e a creche, do Romeu, e a Conferência de S. Vicente de Paulo, de Mirandela. Nessa altura, foi ressuscitado o nome da senhora e, de certo modo, o tasco do século XIX, assim descrito por Clemente Menéres, passou a ser conhecido por estalagem, após a aquisição das casas e das obras feitas pelo seu filho Manuel Menéres. Durante décadas, o dono da taberna que antecedeu a actual Maria Rita tinha sido o Zé Maria, conhecido por Trá-lá-rá, grande lavrador, cheio de filhos, com duas malhadeiras com que trabalhava à maquia, que se viu forçado a emigrar nos anos cinquenta ou sessenta e antes pôs todos os seus bens na praça.
Antes da chegada de Clemente Menéres, a taberna do Romeu tinha vindo a apagar-se desde que nela deixaram de pairar os bandos do cabralismo e a estrada do fontismo roubara o movimento que atravessava a aldeia. Só alguma diligência mais recoveira aportava ali esporadicamente, se bem que os ranchos, das segadas, das vindimas e da apanha da azeitona, a frequentassem nas épocas de safra.
Ter aparecido Clemente Menéres, tasco adentro, homem com vinte e nove anos a arejar a nota para comprar terras, a pedir de comer e uma cama para dormir, foi para a Senhora Maria Rita o mesmo que chegar mais azeite a uma torcida cuja chama se apagava, já nos seus sessenta: e brilhou no resto da sua vida. A casa devia ser humilde, mas com aprumo, como o são sempre as casas de alfaiate: era o ofício do marido, Francisco Inácio, dez anos mais novo do que ela, sem filhos e já casados há vinte. Ela tinha nascido de mãe de Mirandela e pai do planalto mirandês, refugiara-se no Romeu, gravidez solteira e parto de um filho espúrio (1836) que não lhe sobreviveria, estabelecendo-se por conta própria a vender vitualhas a forasteiros. Enviuvaria aos sessenta e quatro e morreu já com 77, em 1891, resto da vida animada pelo movimento que viu crescer com os ranchos dos tiradores de cortiça e dos “trabalhadores do Menéres” que passaram a frequentar o seu balcão e a dar conversa sobre o mundo fora da pequenina aldeia.
Clemente Menéres, num périplo à procura de sobreiros, de diligência, barca, cavalo, macho e burro, partira do Porto para a Régua, a Pesqueira, a Foz Coa, à Vilariça, a Bemlhevai, subindo pela Burga, descendo ao Quadraçal pelo Vale da Sinada e chegando, finalmente, ao Romeu, ao fim de quatro dias, a meio da tarde. Feliz, por ter encontrado a mancha de sobreiros que pretendia. Desmontou e perguntou o que poderia comer, à Senhora Maria Rita. Estamos a meses de comemorarmos cento e cinquenta anos passados sobre esse dia de Maio de 1874, o que é significativo para um lugar recôndito como o Romeu. Hoje, com muito mais do que bacalhau com centeio, no Maria Rita!
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