O sol ergueu-se mais alto, embora ainda fraco, iluminando a praça de Bragança com uma claridade tímida. A neve derretia lentamente, pingos de água formavam pequenos riachos nos paralelepípedos. O silêncio da véspera transformou-se em murmúrios, agora curiosos e esperançosos.
Afonso caminhava entre as pessoas, cumprimentando rostos marcados pelo frio e pelo cansaço. Cada aperto de mão, cada gesto de gratidão parecia dissolver os anos de medo e desconfiança que pesavam sobre a cidade. Lídia seguia-o de perto, carregando os documentos antigos que, finalmente, eram compreendidos e respeitados.
- Precisamos reconstruir, disse Afonso, enquanto olhava para o horizonte além das muralhas. Não apenas as casas, mas a confiança. As ruas, os mercados, a memória de Bragança. Cada pedra, cada história, será preservada.
Baltasar concordou, encostando-se levemente ao seu bordão. - E não só reconstruir o que foi perdido, mas aprender com o que aconteceu. Que nenhum segredo volte a sufocar a verdade.
As crianças, que na manhã anterior tinham espiado o acontecimento com olhos arregalados, agora corriam pela praça, traçando caminhos sobre a neve derretida, como se desenhassem mapas de um futuro livre de fantasmas. Alguns adultos juntavam-se a elas, rindo pela primeira vez em muito tempo, sentindo o peso do passado desvanecer.
No alto das muralhas, Afonso avistou o antigo portão da cidade. O aço, corroído pelo tempo, ainda mantinha a sua imponência, mas precisava de reparação. Era ali que começaria a verdadeira obra, abrir novamente Bragança para o mundo, mas sem esquecer o que a própria cidade havia enfrentado.
- Hoje, não celebramos apenas a inocência de um homem, disse ele, virando-se para a multidão reunida novamente. - Celebramos a coragem de toda uma cidade. A coragem de enfrentar a mentira, de erguer-se mesmo quando o frio é mais forte do que a esperança.
As pessoas responderam com aplausos, e alguns improvisaram pequenas tochas de madeira para iluminar a praça agora despertada. O vento soprava suave, carregando consigo o aroma da neve derretida e da madeira queimada.
E naquele instante, Bragança pareceu respirar de novo, como se tivesse recuperado a alma perdida entre os séculos. O inverno ainda não tinha acabado, mas, dentro da cidade, havia calor suficiente para um recomeço.
Nos dias que se seguiram, Bragança despertou para uma rotina diferente. O eco das botas sobre o paralelepípedo já não trazia apenas o frio cortante do inverno, trazia o som da esperança. Mas reconstruir a cidade não seria tarefa simples. As casas danificadas pelo tempo e pelo abandono precisavam de mãos firmes, e nem todos os habitantes compartilhavam a mesma fé no futuro.
Lídia percorreu as ruas do mercado com cadernos e mapas antigos, registando quais seriam as edificações a serem reconstruídas em primeiro lugar. As lojas e oficinas que antes estavam fechadas, há anos, agora voltavam a abrir as suas portas. Os artesãos limpavam as ferramentas enferrujadas, preparando-se para retomar o seu ofício.
No entanto, nem todos os rostos refletiam alegria. Algumas famílias antigas, temerosas de mudanças, murmuravam contra as decisões de Afonso. O medo de que a verdade revelada pudesse desestabilizar alianças históricas ainda pairava no ar. Baltasar, sempre atento, aproximava-se desses grupos com paciência:
- O passado já passou. Mas só podemos avançar se não deixarmos que ele nos paralise.
Enquanto isso, crianças transformavam os destroços em brincadeiras improvisadas, esquecendo, por momentos, os fantasmas das muralhas. Entre elas, estava o Miguel, filho de um ferreiro, que imaginava castelos e cavaleiros, como se a história contada pelo Guardião se repetisse em cada pedra caída.
Uma manhã, porém, um aviso chegou das bordas da cidade. Alguns trabalhadores relataram estranhos sinais nas florestas próximas. Árvores cortadas de maneira deliberada, rastos de animais assustados, e, em silêncio, sombras que se moviam entre a neblina.
- Não podemos ignorar isso, disse Afonso, reunindo Lídia e Baltasar. - Bragança está-se a reerguer, mas o mundo lá fora ainda guarda perigos. Precisamos proteger a cidade antes que o medo volte a instalar-se.
Baltasar apoiou-se no bordão, os olhos firmes.
- Então, que os primeiros passos do nosso recomeço incluam vigilância. Que cada rua reconstruída seja também um símbolo de resistência.
E assim, enquanto o povo varria os escombros e reconstruía telhados, muros e memórias, uma nova força consolidava-se nas ruas. Bragança não seria apenas uma cidade que superou a mentira, seria uma cidade que aprendera a proteger-se e a reinventar-se, consciente de que cada pedra, cada gesto, carregava a responsabilidade de preservar a verdade.
O inverno continuava rigoroso, mas dentro das muralhas havia calor suficiente para desafiar o frio e os espectros do passado. E, no horizonte, além das montanhas e das florestas, algo silencioso observava. Algo que ainda iria testar a coragem de Bragança.

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