segunda-feira, 25 de março de 2019

LXIV Curso de Paraquedismo

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Não tenho a certeza do dia exato em que a nossa ER 3/70 jurou bandeiras. 
Sei que foi em finais de Novembro/70. Chovia copiosamente, mas não foi por isso que a cerimónia perdeu brilho e significado. Recordo que a fórmula foi diferente da até ali usada. Foi a ER3/70 a que primeiro usou a redação que começava assim: Juro, servir a Pátria e as suas instituições, no respeito pela hierarquia e na obediência aos chefes,... .Terminada a cerimónia que mesmo com chuva foi digna de encómios, fomos para o Almoço como era tradição quee também foi excelente pois os cozinheiros capricharam e fizeram Almoço à Catatua que alguns comeram com avidez.

De tarde fomos todos começar o LXIV Curso de Paraquedismo cujo diretor como na ER foi o Capitão Pára Terras Marques coadjuvado pelo Tenente Pára Gaspar.
O Natal estava perto e o Curso devia terminar antes das férias do fim de Ano. Assim aconteceu e todos os que passaram por este ou outro sabem como é duro mas eu posso testemunhar a dureza deste e de todos os Cursos ministrados no RCP mas tudo era dentro de medidas que se coadunavam com a nossa capacidade física que entretanto a Recruta havia potenciado para níveis acima da média militar portuguesa. Nunca assisti ou participei em coisas de que hoje como dantes se fala acerca de outras tropas também elas de Elite. 
O capacete nº 1 era um Aspirante Miliciano e que eu me recorde havia também alguns Cabos Milicianos que depois fizeram o IC1/71 juntamente connosco sendo eles chefes de Secção e os Aspirantes Comandantes de Pelotão, supervisionado pelos Veteranos Sargentos Para-quedistas que eram o esteio de toda a Organização das Tropas Paraquedistas. 
No que respeitava a dureza tínhamos como instrutor das sessões de “Toros o 1º Sarg. Machado, que era uma força da Natureza. 
Ao fim da primeira sessão e dado que o meu colega Daniel, A Tonta, se cortava” sempre que lhe dava na gana e consequentemente, eu, que estava logo atrás aguentava com o que ele folgava, concluí que, se havia superado aquela com certeza não deixaria de aguentar todas as outras que viriam a seguir. 
A Tonta, era um brincalhão mas quando chegámos à camarata os outros camaradas ameaçaram-no, meio a sério, meio a brincar e ele depois disso já se cortava menos. E o 64º CP foi prosseguindo até que uma manhã estando o Curso formado para apresentação, naquele tempo não mudava a hora, às 08:30 era ainda quase de noite, logo que o Capitão Terras Marques subiu para a peanha divisou um civil dentro do Campo de Instrução. Deu ordem ao Cabo Prates para o fazer regressar à estrada. Recusou o civil e insistiu que estava ali para ver um Primo que se chamava Daniel. O Cabo trouxe o homem e depois de um pequeno inquérito ao visitante o nosso Capitão mandou o Primo do homem dar um passo em frente. Eu já sabia quem ele era, pois reconheci-o logo, mas não imaginava quem fosse o Primo. Avança o Daniel,A Tonta". -Sou eu meu Capitão!
Eu não sabia se rir se chorar! O homem era um civil algo diminuído intelectualmente mas de uma resiliência de fazer inveja à tropa em parada. Ele tinha vindo a pé, sozinho desde Bragança para ver o Primo. Era este tipo conhecido por Laribau, que era corruptela de Dorival, nome muito popular no Brasil, onde a família tinha fortuna. Sabia ler e escrever e também era respeitado pela sua habilidade em jogos de azar, especializado em Batota e Lerpa era um vagabundo à moda antiga, embora filho de famílias abastadas de lavradores transmontanos escolheu a sorte de caminheiro e embora recebesse algumas coisas de comer, só aceitava coisa limpa e nunca dinheiro. Gostava de ser independente à sua maneira. O Capitão Terras Marques depois de se inteirar do essencial despachou o Curso para Instrução, dando ordem à,Tonta, para seguir com o Curso e ao Laribau mandou-o para o Refeitório comer qualquer coisa pois a fartura era pouca. Aproveitou e enalteceu as qualidades de pisteiro do Laribau bem assim como o seu elevado sentido de fraternidade dispensado ao Primo. 
A Primeira aula era Kalisténica e foi o que me safou senão a, Tonta, nesse dia nem no Toro tocava a não ser para o levantar e colocar de novo no chão. 
Dias depois uma outra surpresa aconteceu, mas desta vez desagradável e ainda hoje para mim incompreensível. Um candidato nosso camarada e também oriundo de Trás-os-Montes, Vinhais, rapaz forte como um Roble frondoso e do qual não esperávamos tal decisão, resolveu recusar-se a saltar da torre. Bem insistiu o Sargento e até o Tenente Gaspar, mas nada o demoveu! Mandaram-no depois subir ao topo da Torre de Saltos, deram-lhe uma manta e passou a noite ao fresco que foi a forma de demonstrar aos outros que com a tropa não se brinca. Para o alargado grupo de transmontanos que cursava o 64º CP foi um desgosto e um embaraço. Ser eliminado por ferimentos ou até doença era aceitável mas por recusa ainda hoje não compreendo. Não era fraqueza de corpo, penso que tivesse sido mal de amores. Tenho uma foto que é de todas a que mais estimo e é do grupo de candidatos que se preparavam para o voo de adaptação a efetuar no JU-52.

Está o avião como pano de fundo e na ponta flanqueando a Patrulha está o HOMEM que nos fez Paraquedistas e marcou indelevelmente as nossas mentes para o sermos SEMPRE, o mais completo de todos os Sargentos Paraquedistas o naquele tempo, 2o Sargento Para-quedista SERRANO ROSA, que Deus guarde! Em traços largos dou-vos hoje uma imagem baça do LXIV Curso de Para-quedismo que terminou a 8/12/1970. 
Um abraço para todos os camaradas e um gesto respeitoso para todos os graduados envolvidos particularmente ao nosso Capitão Terras Marques, Tenente Gaspar & ao Sargento Ramos Rosa pelo muito que nos ensinou. Também aos restantes Sargentos e Cabos que nos acompanharam e que ostentavam o crachá do B I. (Instrução dura combate fácil) 1a Companhia de Alunos



Bragança 12 de Março de 2019 
A. O. dos Santos. 1o Cabo Pára 490/70.
(Bombadas)

P.S. Ao Manuel Mota lembro que todos os Juramentos de Bandeira tinham Rancho Melhorado. Q.N.P.V.S.C.


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