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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

A Punição e a Graça na Terra Fria Transmontana

Antiga Cadeia da Vila de Outeiro
A zona da Terra Fria Transmontana caracteriza-se pela existência de comunidades concentradas que, durante séculos, tiveram necessidade de encontrar formas de preservação dos laços de solidariedade entre os membros do grupo para que, no confronto com problemas permanentes como a guerra e da paz, a melhoria das condições sociais e sua conjugação com a produção e o comércio, se garantisse a respectiva viabilidade. Nesta região, até à décima quarta centúria não havia qualquer aglomerado que se orgulhasse de possuir o estatuto de cidade. Bragança, ao ser mencionada com o título de cidade num diploma foralengo de D. Sancho I, datado de 1187, figura no número das excepções. Porém, ao brilho instaurador do burgo, de aparência fugaz, seguir-se-ia um período de depressão porque no foral de 1253, passado por D. Afonso III, já se apelidava como a «villam de Bragantia». Ao «antigo estado», só voltaria em 1464, quando D. Afonso V lhe restituíu o título de cidade, certamente, mais com o intuito de demonstrar grande estima pelos titulares da Casa de Bragança do que em reconhecimento de formas de vida caracterizadas por um quotidiano muito afastado daquele que se vivia nos campos. Em todo o caso, na Idade Média, nenhuma cidade era totalmente independente do mundo rural. Por isso, todas sentiam necessidade de controlarem um território mais ou menos vasto que formava o seu termo. 
Desta maneira, ampliavam-se os proventos resultantes das cobranças fiscais e aprimoravam-se os dispositivos fundamentais e complementares da economia. Ao mesmo tempo, dava-se solidez à complexa rede de poderes regionais. Embora em consonância com as decisões emanadas do monarca, alguns mesteres ou pessoas ditas «de qualidade», alcandorados, no plano social, a protagonistas de peso e com tendências oligárquicas, faziam-se eleger para os órgãos do município, trabalhando, simultaneamente, para que os interesses particulares ou de grupo, tivessem ressonância na esfera institucional.
Em Bragança, a partir de certa altura, os homens a quem competia a análise e o deferimento dos assuntos com interesse local e de justiça reuniam-se na casa da Câmara, edifício que, pela teimosa insistência de algumas mentalidades românticas, saudosas da ambiência medieval, passaria a ser designado como Domus Municipalis. Parece, contudo, que uma das finalidades primeiras desta construção tinha em vista a valorização efectiva de uma nascente e a recolha das águas pluviais, cuja importância será desnecessário referir num núcleo populacional amuralhado. Por estes motivos, este edifício integra uma cisterna bem lavrada, com abóbada de cantaria reforçada com três arcos torais, bem configurada e apta a recuperar a precipitação da cobertura exterior. O seu corpo alteia-se um pouco por não ficar totalmente enterrado. Alguns elementos da construção deixam perceber a existência de anexos com coberturas que também descarregavam a água das chuvas para a cisterna. Ainda assim, os seus alçados consentem um plano superior, integralmente ocupado por uma ampla sala de reuniões. A iluminação processa-se, em sucessão contínua, a partir de janelas com arco de volta perfeita, sendo o seu perímetro pentagonal percorrido interiormente por um banco de pedra. Pelos aspectos funcionais não será de estranhar que nos documentos antigos seja apelidada como Cisterna, umas vezes, e como Casa da Câmara, outras vezes. Pelos anos de 1936, sob a tutela da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, este singular espécime da arquitectura civil românica, embora alçado num tempo em que as regras do gótico mostravam a sua pujança, seria reconstruído.
Contudo, deve ter-se em conta que nem todos os concelhos dispunham de recinto acomodado para o solene exercício das funções autárquicas. Quando assim era, tendo presente a renitência e até proibições da igreja em que tais actos se celebrassem no adro ou nos alpendres das entradas dos templos, as reuniões decorriam ao ar livre, à sombra de algum negrilho ou carvalho frondosos ou então, no recato de alguma das torres da fortaleza. Talvez por esta razão e pela simbólica protecção, força e invencibilidade, estes elementos mereceram serem escolhidos para as chancelas de alguns concelhos. Era o caso do antigo escudo de Bragança. Partido, além das tradicionais quinas mostrava igualmente uma austera torre. Seria, pois, por estas qualidades emblemáticas que, em cera e com fitas de seda pendentes, se usavam para selarem a veracidade do conteúdo de manuscritos, lavrados pela mão do escrivão ou de algum tabelião, destinados a circulação restrita, ou, então, no relevo da pedra, se expunham publicamente em sinais e em linguagem que os contemporâneos não tinham dificuldades em descodificar.
Onde estes e outros sinais podiam estar patentes era nos pelourinhos, elementos que simbolizavam a capacidade dos poderes concelhios definirem estratégias de controlo social e, ao mesmo tempo, com a cadeia e a forca, marcavam o principal espaço punitivo. Para o estudo de matérias relacionadas com a punição e com a graça, uma sentença de D. João II relativa a um diferendo entre o concelho de Bragança e os moradores de Vale de Prados, então sujeitos à jurisdição desta urbe, assume particular importância. De facto, o reconhecimento da personalidade jurídica desta unidade concelhia, era acompanhado de licença para a construção do tronco, isto é, da cadeia, e o levantamento da forca e da picota.
Cadeira do Juiz - Outeiro
Tempos houve em que se gastou muita tinta para se fundamentarem usos distintos para os pelourinhos e picotas. Tais considerações são actualmente desprovidas de sentido. Alexandre Herculano, ao equiparar a realidade funcional dos artefactos que ambos os termos designavam, deu forma a um padrão linguístico de generalizada aceitação e que teria confirmação na publicação relativamente recente do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.
Tempos houve em que se gastou muita tinta para se fundamentarem usos distintos para os pelourinhos e picotas. Tais considerações são actualmente desprovidas de sentido. Alexandre Herculano, ao equiparar a realidade funcional dos artefactos que ambos os termos designavam, deu forma a um padrão linguístico de generalizada aceitação e que teria confirmação na publicação relativamente recente do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.
Mostrava-se desta maneira que, depois da execução da sentença e de terminarem os ajuntamentos que suscitava, o corpo do condenado podia continuar alguns dias em exposição pública. Era uma mensagem clara em termos de ordem social e uma proclamação do exercício do poder. Contudo, no nosso país, os indicadores disponíveis e fidedignos permitem concluir que as tensões que precediam a aplicação da pena capital nunca turvaram excessivamente o ambiente dos aglomerados populacionais. A cadeia e o degredo amiúde salvavam a vida aos acusados de crimes merecedores da ira regis.
Mas nos concelhos, particularmente os do interior, para onde constantemente se incentivavam correntes de novos povoadores, alguns com curriculum de vida negativo, os mecanismos da punição e o direito municipal deviam ser céleres na defesa da coesão interna das comunidades existentes. Como indicadores exteriores e universais da existência de poderes, os pelourinhos transmontanos transformar-se-iam no símbolo da capacidade jurisdicional e da autonomia dos concelhos. Ao contrário da forca, os pelourinhos implantavam-se sempre no casco urbano, de preferência em terreiros desafogados e defronte da casa da Câmara.
No essencial, uma coluna pétrea, assente numa plataforma com um número de variável de degraus, e os elementos do coroamento configuram fisicamente estes símbolos do municipalismo antigo. O facto de que os inúmeros exemplares conhecidos em todo o país se relacionem entre si através de um certo ar de família não significa que, sob o ponto de vista formal, a sua execução tenha sido ditada por um modelo único. Para além da diversidade no programa decorativo, nem sempre presente ou muito vivo, também devemos assinalar a importância que a presença de um fuste liso, poligonal ou espiralado pode representar por sintetizar o carácter mutante e complexo do tempo histórico. Outros indicadores morfológicos como a presença das gaiolas e esferas armilares de pendor manuelino, ajudam ao esforço de sistematização dos pelourinhos. Esta tipologia de remates não gozou de grande fortuna no vasto território que parece ter sido influenciado pelo espécime da cidade de Bragança. Os remates dos pelourinhos que seguiam o esquema bragançano, orientavam-se segundo um esquema em cruz grega em que os braços definem um plano transversal à prumada da coluna. Por vezes, como sucede em Bragança, os topos destes elementos cruciformes podem ilustrar um reportório figurativo antropomórfico mas que não enjeita o recurso à representação animal ou da flora. Algumas chancelas tiradas da heráldica, reais, concelhias e de particulares, também tinham os seus adeptos e mostravam-se adequadas à decoração dos blocos que, com heterogeneidade formal, coroavam as picotas. 
Por estas razões, o exemplar de Bragança, no seguimento dos ensinamentos e da taxionomia ensaida por Luís Chaves, é apontada como o cabeça de série dos pelourinhos pertencentes ao tipo bragançano.
Abrangendo algumas terras do Sul do actual Distrito de Bragança, o modelo foi plasmado nos pelourinhos de Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro, Azinhoso, Bemposta, Chacim, Vale de Prados-o-Grande, Pinhovelo, Torre de D. Chama, Lamas de Orelhão, Frechas e Mirandela. Já na zona da Terra Fria, propriamente dita, as linhas orientadoras dos exemplares de Vimioso, Outeiro, Frieira, Vinhais e Vilar Seco de Lomba pautaram-se pelo figurino que o de Bragança ostentava.
Como já dissemos, os pelourinhos não se destinavam ao cumprimento de funções patibulares. Existindo testemunhos que apontam as amputações entre o rol de castigos passíveis de serem cometidos nos pelourinhos, tudo indica que as penas de flagelação bem como a exposição dos autores de qualquer infracção à censura pedagógica ou ao escárnio público devem ter sido as mais comuns. A Câmara de Sanceriz dispunha mesmo de uma espécie de freio que aplicava às mulheres maldizentes. No mesmo sentido, compreende-se a presença de argolas, no fuste ou nos braços, sendo que estes serviam também como suporte para a aplicação de hastes de ferro.
Foral de Outeiro - 1514
A publicitação de editais, mormente quando os conteúdos tratavam matérias de interesse concelhio, era outras das funções que, com frequência, os pelourinhos desempenhavam.
Nem sempre foram bem amados pelo que sofreram os efeitos das vicissitudes políticas, principalmente a partir dos sucessos relacionados com a consolidação do liberalismo. O de Miranda do Douro, de acordo com as palavras do padre Francisco Manuel Alves, seria destruído em Janeiro de 1859 porque a edilidade decidiu alterar a sua implantação. 
No ano seguinte, de acordo com o mesmo estudioso, o de Bragança seria deslocado para a posição actual. Deslocado para o espaço da igreja seria também o de Ervedosa. Os de Faílde e Carocedo, vilas que antes formavam um único concelho, seriam mutilados, ficando a dever-se a sua salvação ao interesse do Coronel Albino Lopo. Actualmente, em Paçó de Vinhais também se ergue o pelourinho. Depois de restaurado.
Mas em 1932, o seu capitel servia de batente à porta de uma loja de bois. Seria o clamor do padre Francisco Manuel Alves que o salvou. Depois de ter caído, levantou-se novamente o pelourinho de Rebordãos. No entanto, é possível que o seu capitel tenha sido colocado em posição diversa da original. Ocorrência semelhante sucedeu com o de Sanceriz, levantado por volta de 1930, depois de ter caído. Com base quadrangular e fuste cilíndrico, em resultado da reconstrução, passaria a ter um peso de lagar a servir de base. A mó de um moinho seria reaproveitada como plataforma do espécime de Vila Franca de Lampaças. Aceitando-se a veracidade do desenho que o padre Francisco Manuel Alves divulgou do pelourinho de Vilar Seco de Lomba, facilmente se conclui que a sua configuração actual resultou de intervenção pouco respeitadora do carácter do monumento. Mas assim mesmo não perdurou já que, recentemente, foi demolido para ser substituído por versão moderna.
Em Vinhais, o erudito padre Firmino Martins, então a presidir à edilidade local, em colaboração com o arquitecto Baltasar de Castro, salvou o pelourinho que tinha sido demolido entre os anos 1870 e 1880.

texto in:rotaterrafria.com 

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