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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Ciclo do Porco IV - A Matança

A matança podia acontecer ainda em Novembro como refere o rifão: no dia de S. Martinho, mata o teu porco, barra o teu vinho e corta relações com o teu vizinho. É claro que este ditado só era válido quando havia maus vizinhos. Em Novembro, com o tempo já frio, evitavam-se mais despesas com o reco e tinha-se carne fresca e enchidos. Por isso o ditado, «no dia de Santo André (30 de Novembro), agarra o porco pelo pé. Se te disser cué, cué, mata-o, que tempo já é».
Se o porco ainda não estivesse bem cebado a matança podia acontecer perto do Natal ou mesmo até Fevereiro. Depois deste mês já era considerado tempo fraco para curar as carnes, já que a temperatura subia.
A matança em Novembro estavam as mulheres mais libertas para lavarem as tripas e fazerem o fumeiro, já que em Dezembro e Janeiro eram os meses da apanha, e havia alheiras e chicha para as merendas (jantares de seco ou sem garfo – almoços para os urbanos). Na apanha, acendia-se uma fogueira no olival, para se irem aquecendo as mãos e os pés e assar-se umas alheiras, carne entremeada ou carne gorda, que, com pão e vinho, completavam a refeição.
Depois de cebar o reco marcava-se a matança para um domingo ou outro dia. Se fosse um dia de trabalho o reco era desassossegado com a luz do candeeiro a pitróleo e das estrelas e sob os pés um frígido manto branco.
Antes da matança, o grupo, que eram quase sempre cinco ou seis, desenjuava-se à luz da candêa, em volta da mesa da cozinha, com um copito ou dois de aguardente, figos secos e pão, porque o trabalho era certo e tinha de se fazer com rapidez. A conversa discorria do tamanho da ceba e de outras da aldeia ou das vizinhas e vinha sempre a comparação com a corpulência de anos anteriores.
Começava um curto e aflito bailado da guita com a lançada para o bicho enfiar nela o focinho. Mas os grunhidos de pânico do animal indicavam que ele já tinha percebido a gravidade do momento, esgueirando-se pelos quatro cantos do curral ou da loije. Até que a destreza de manejar a guita, ou a sorte, ou algum dos mais destemidos lhe agarrava as orelhas e os demais imobilizavam-no deixando-o ir encostar ao banco tosco de matar o reco.
Era só tombá-lo para cima do banco da matança. Este composto por uma tábua de prancha com cerca de sete centímetros de grossura e os pés toscos e robustos. A dona da casa chegava-se à frente com o alguidar, com vinagre e cebola picada, que ia receber o sangue da ceba.
A faca de matar o reco tinha uma folha de respeito e só era utilizada para este efeito, indo uns dias antes à pedra de afiar para ficar como uma lanceta da ponta à base da lâmina. Um bom matador de porcos tinha de ter uma boa faca.
A faca entrava na parte inferior do pescoço, antes das espadas, com uma estucada, rumo ao coração, traçando uma bissectriz de quarenta e cinco graus. Se o sangue jorrava pouco, acto imediato a folha da faca, em forma de lança, saía do corpo e entrava ligeiramente mais voltada para o lombo do porco. O jorro era absoluto como se abrisse a rolha ao pipo.
- Olha que tacho trouxe! Não vai caber o sangue todo porque o reco é valente!
Mas, pouco depois, os grunhidos lancinantes iam diminuindo de intensidade até se apagarem e o sangue estancava, bastante antes de atingir o rebordo, mesmo com a cusma provocada pela força do esguichar.
A dona da casa continuava a mexer com a mão para o sangue não tralhar e lá se iam as chouriças doces ou uma travessa de sangue cozido. Se o sangue ainda continuava a escorrer com um fio mais fraco para o alguidar, continuava a mexer, para se misturar bem com o vinagre, e devia-se continuar a segurar bem o porco.
Por vezes, os homens deixavam-no e acto contínuo o porco levantava-se e fugia com as últimas forças de querer escapar à morte. Vivia-se uma cena insólita e macabra do reco a fugir quase morto, até que era apanhado. Estas cenas eram motivo de chacota ou zombaria do resto da aldeia sobre os protagonistas ao saber do macabro.
Se a morte não queria levar o porco poderia querer marcar alguém. Às vezes, diziam que aquela casa do lavrador era «da má morte». Outras, conjecturavam que o bicho tinha «alma do Diabo» e nada de bom poderia acontecer. Havia quem sugerisse, que o melhor era chamar o padre para benzer as carnes e evitarem-se males maiores.
O nosso pai que era excelente matador, nunca foi muito de crendices, e achava que era culpa dos burranazes que o largaram sem esperarem que ele o tivesse considerado morto. Só se largava quando se não ouvia resfolgar baixinho e o animal, já com a morte no bandulho, ainda lutava pela vida.
Gif de porquinhosCom o corpo do animal ainda quente, acendia-se uma fogueira com palha e pegava no fachucos de palha colmeira e facas para raspar o reco. Este trabalho e seguintes ficarão para uma próxima lavoura de letras.

Por: Jorge Lage

in:jornal.netbila.net

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