Pascoal Melo Freire |
O último quartel do século XVIII é fértil em discussões e propostas dirigidas à reforma do Estado, à modernização dos Códigos e Legislação pública, à económica, à civil, à eclesiástica, à da administração.
São em grande parte propostas inspiradas nos debates em França que antecedem a Revolução de 1789, mas também nas reformas setecentistas dos Estados Europeus mais progressivos e nas próprias reformas da jovem América Independente.
Retém-se para Portugal dois contributos para esta discussão, propostos nesta conjuntura e muito próximos entre si, vindos de duas personalidades muito influentes na Política e Administração Mariana, ambos do círculo ilustrado do Governo. Uma decorre do texto de O Novo Código do Direito Público de Portugal redigido por Pascoal Melo Freire, Professor de Direito Pátrio da Universidade de Coimbra, em obediência à ordem de D. Maria I (de 1778) para dar nova redacção e propor a reforma do Livro 2 das Ordenações; outra é o conjunto das propostas do Diplomata e Estadista, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, dirigidas a diversas matérias da Política e Administração Pública, designadamente as dirigidas à nova organização da estrutura dos poderes do Estado e da Administração Pública (1787-1788).
Em ambos os autores se apresentam projectos directamente dirigidas à reforma da administração com destaque para o desenvolvimento que nelas tomam as matérias da administração civil e local dos povos.
Em Pascoal de Melo Freire essas questões são sobretudo abordadas nas matérias respeitantes à Polícia que são sem dúvida matéria central de Direito Público tocante ao governo civil dos povos.
De entre as diversas instâncias que nela devem intervir – ministros da justiça, e sobretudo os oficiais e ministros da Polícia (agora criados) –, releva ele um particular papel para os ministros da igreja, os párocos, a quem cabe em especial vigiar «a polícia sagrada e externa da religião»; «a disciplina dos costumes… com ordem de proceder a autoridade que constar de seus regimentos e (…) ordenações»; Em colaboração com os professores devem «promover a boa educação… porque dela dependem os costumes; «a eles cabe examinar nas principais obrigações do homem, do cidadão e do cristão (em colaboração com os professores ou outros da ordem da polícia), sobretudo os que houverem de casar. Isto é, a Educação, a Moral, a Cidadania, a Política em que se deve fundar a Sociedade, é tarefa entregue aos párocos e ministros eclesiásticos. Trata-se pois de uma acentuação do papel dos párocos na vida social e civil publica e administrativa, que decorre do tradicional papel que a Monarquia lhes confere na construção da Sociedade e que se insere completamente no quadro do reforço da Monarquia, sob o signo do Despotismo de que ele é claramente um teorizador e construtor.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho que quer modernizar profundamente a administração pública portuguesa a exemplo do que se vai fazendo nos países ilustrados europeus e na América, propõe um programa revolucionário para a organização da Administração Pública Portuguesa, onde a simplificação, a racionalidade, a hierarquia eram as linhas de força.
Na sua proposta, a organização e representação política da Nação realizar-se-ia em três níveis, enquadrada por três conselhos, a saber, os conselhos paroquiais, os conselhos provinciais, o conselho nacional, activamente articulados entre si.
Interessa aqui fixar a singularidade dos Conselhos paroquiais que tocam à matéria do poder local. Na definição do estadista, a eles cabe a representação das classes políticas (proprietários, negociantes e artistas) e nos seus três pequenos Congressos – para os negócios políticos, para as questões de caridade e para as questões de polícia – responder aos modernos desafios da administração, felicidade e bem estar público. Ao Congresso para as questões de caridade, assiste o cura, o pároco da aldeia, que deve ocupar-se de tudo o que toca ao culto público. E o Congresso substituir-se-á às confrarias existentes.
É patente o carácter revolucionário da proposta, que antecipa claramente a realização de figurinos do Liberalismo. De salientar nele, por um lado, a secundarização do lugar e papel dos municípios na estruturação da representação civil da Nação e estruturação do Estado, hierárquico e centralizado. E em correlação com ele a pré-figuração do poder e das instituições distritais e de província, nos Conselhos Provinciais. O Liberalismo é claramente herdeiro da proposta, na diminuição da ordem municipal, que repartirá com a Administração do concelho e articulará e tutelará pelas instituições criadas para o governo do Distrito. O outro plano é o reforço da instituição de base, os Conselhos paroquiais. Pela primeira vez se fez uma proposta de extensão e organização do poder civil do Estado no quadro local à margem do Município, com uma dimensão inesperada. Os poderes do pároco – e por ele a ordem paroquial – confinase aos aspectos exteriores da acção da Igreja, onde o Estado entende dever intervir.
Em ambas as propostas é patente claramente, por um lado, a valorização e supremacia da ordem civil no enquadramento e desenvolvimento social, designadamente das questões de Polícia, para o qual deve contribuir activamente o elemento eclesiástico e paroquial, devendo integrar a sua acção nas estruturas civis da administração do território; por outro lado a valorização do quadro local-paroquial para o alargamento das tarefas da Administração Pública. Em D. Rodrigo os concelhos não integram sequer este plano hierárquico de representação dos povos e organização dos poderes, expressão, sem dúvida, das desconfianças relativamente a este plano da governação, ainda que para ele, propusesse reformas.
Está pois, pela pena e proposta destas duas representativas figuras do Poder e Ilustração dos finais do Antigo Regime, claramente firmado um novo e mais alargado poder civil e ordem pública na paróquia, onde a acção dos párocos e eclesiásticos vai integrada. O salto para a instituição do figurino da Junta de Paróquia que o Liberalismo criará é agora tão só de natureza organizativa, porque os princípios e as bases, estão definidas. A Revolução criaria as bases materiais que tal proposta se concretizasse.
Memórias Paroquiais 1758
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