quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Epigrafia romana na região de Bragança - O quadro histórico

O tempo mudou os símbolos da fé, deliu as
inscrições sagradas, e relegou para a penumbra
da arqueologia o que foi vivo e útil.

MIGUEL TORGA (Portugal, 1950)

Antes de entrarmos na apresentação das fontes epigráficas da região de Bragança, e na sua análise, é imprescindível que se gize, em traços necessariamente largos, a moldura histórica que enquadra aquela documentação para que, de forma mais correcta, possa ser entendida e interpretada.
A caracterização da história pré-romana e romana do Nordeste de Portugal não conta com avultados contributos. Para além de pequenas reflexões materializadas em alguns (poucos) artigos, saídos muitas vezes da pena de estudiosos locais, e de referências ou propostas mais ou menos genéricas integradas em obras mais abrangentes que visam a abordagem de espaços mais vastos, o Noroeste peninsular, o Norte de Portugal ou o actual território nacional, apenas se produziu um único trabalho de síntese sobre o povoamento proto-histórico e romano regional. Esta síntese, concluída já no início da década de 90, deve-se ao labor de F. Sande Lemos que, no âmbito da sua dissertação de doutoramento, cartografa e analisa as numerosas referências a sítios arqueológicos que, sobretudo a partir dos finais do século XIX, se tinham vindo a acumular pelo afã entusiástico de notáveis locais, dos quais podemos destacar J. Henriques Pinheiro, Celestino Beça, Albino Lopo e F. M. Alves, Abade de Baçal. Desta forma, as grandes linhas sobre o povoamento proto-histórico e romano do território transmontano oriental decorrem do trabalho fundamental daquele autor, O povoamento romano de Trás-os-Montes Oriental (1993), que serviu de base a outros títulos já publicados (1995, 1996).
A fase pré-romana
Durante a fase pré-romana, o povoamento do território de Trás-os-Montes Oriental teve por base os povoados fortificados. A análise da sua distribuição demonstra uma repartição por contextos geomorfológicos diferenciados que, para além de motivações estratégicodefensivas, parece significar um bom conhecimento territorial e dos recursos naturais disponíveis.
Em termos muito simples, poderemos dizer que a economia destas comunidades era de base agro-silvo-pastoril, verificando-se que os territórios de cada povoado tinham tendência a abranger um conjunto de recursos diferenciados que lhes permitissem a sobrevivência baseada num quadro de autarcia económica (Lemos, 1993, Ia, p. 226-249).
Em termos de implantação, verifica-se que são preferencialmente ocupados relevos em esporão ao longo da rede hidrográfica, mas também as orlas dos planaltos, ou alguns dos seus relevos interiores, e os cumes destacados dos contrafortes montanhosos (Lemos, 1993, Ia, p. 192-224).
A análise da sua distribuição parece, ainda, revelar que as densidades mais elevadas de povoados estão em relação com os índices de pluviosidade e de escoamento no solo, tal como com as características dos próprios solos. A parte setentrional de Trás-os-Montes Oriental, em termos administrativos os concelhos de Vinhais e Bragança, corresponde precisamente ao sector onde se encontra a maior densidade de povoados fortificados proto-históricos, pois aí se conjugam valores elevados de pluviosidade, com bons índices de escoamento e com solos pouco ácidos (Lemos, 1993, Ia, p. 166-170).
Os povoados fortificados da Terra Fria bragançana têm, no geral, dimensões reduzidas, sobretudo se comparadas com as dos povoados da Terra Quente, e estruturas defensivas diversificadas. Muitos dos povoados dispõem de uma única linha de muralha, mas também os há com mais, podendo o circuito amuralhado integrar um torreão; pelo exterior das muralhas é frequente a abertura de fossos que podem associar-se à construção de parapeitos e de barreiras de pedras fincadas, embora estas também possam ter existência desvinculada dos fossos. De qualquer forma, a presença ou ausência de alguns destes elementos defensivos, ou a sua ordem no conjunto da estrutura defensiva dos povoados, parece obedecer a critérios puramente defensivos, sem que nisso se possa vislumbrar qualquer significado mais profundo (Redentor, 2000).
As muralhas são, geralmente, construídas com pedra xistosa ou quartzítica, ou com blocos graníticos irregulares, de acordo com a litologia local, assentes a seco ou com areia e argila. Esta pedra provém de afloramentos próximos ou existentes no próprio local em que se implanta o povoado, mas não raramente a abertura dos fossos defensivos proporciona também matéria-prima para a construção de muralhas, parapeitos, barreiras de pedras fincadas e, supostamente, para a própria arquitectura doméstica.
Dizemos supostamente porque a arquitectura doméstica e a organização interna dos povoados da região é praticamente desconhecida, sobretudo pela falta de escavações arqueológicas.
Trabalhos realizados, na década de 80, no povoado da Cigadonha (Moimenta, Vinhais) (Martins, 1995, p. 79) e uma outra intervenção pontual no mesmo povoado, concretizada por uma equipa da Universidade de Sydney, na década seguinte, mas ainda inédita, constituem, talvez, as únicas investigações que puderam oferecer uma visão, por mais parcelar que seja, dessa arquitectura: em ambas as ocasiões identificaram-se, parcialmente, construções de planta rectangular, que teremos de considerar proto-históricas (Johnson, 1994)1.
A escavação efectuada por A. Esparza Arroyo (1986, p. 210-222) no povoado de As Muradellas (Lubián, Zamora), situado poucos quilómetros mais a norte e também integrado na bacia do rio Tuela, ao qual se associa uma ocupação única datável do século III a.C., pode servir de paralelo, já que aí foram identificadas duas construções de planta rectangular com esquinas arredondadas.
A cronologia dos povoados, bem como a sua origem, são aspectos que não estão suficientemente esclarecidos pela falta de bons indicadores cronológicos; mais uma vez faltam as escavações – exceptuam-se, para a Terra Quente, as sondagens realizadas por M. Höck (1979, 1980) em S. Juzenda e o salvamento efectuado por Sande Lemos (1993, Ia, p. 184-188) no Castelo Velho de Mirandela – e, consequentemente, os dados estratigráficos, pelo que as propostas cronológicas de Sande Lemos repousam, sobretudo, nos dados provenientes de prospecção.
Sande Lemos (1993, Ia, p. 176), analisando os achados de materiais metálicos e cerâmicos datáveis do Bronze Final conhecidos no conjunto de Trás-os-Montes Oriental, admite que a fortificação de alguns povoados possa ter acontecido nesse período, mas, com muita precaução, não correlaciona esta emergência de povoados fortificados com a generalização deste tipo de habitat que virá a caracterizar a Idade do Ferro. Tão-pouco considera poder deduzir-se da presença de materiais calcolíticos em alguns dos povoados com ocupação proto-histórica qualquer continuidade de ocupação, admitindo, como mais provável, ficar tal facto a dever-se a ocupações coincidentes de um mesmo lugar (Lemos, 1993, Ia, p. 163). Quanto à cronologia da generalização dos povoados fortificados proto-históricos, indica (Lemos, 1993, Ia, p. 188-192, 1996, p. 148) que poderá centrar-se por volta dos séculos VI-V a.C., de acordo com datações de 14C obtidas em povoados de Zamora Ocidental3.
Esta possibilidade de aproximação aos conhecimentos já acumulados para o Ocidente da província de Zamora surge pelos paralelismos identificados, sobretudo, no que respeita à arquitectura defensiva de alguns povoados e aos espólios cerâmicos.
As séries cerâmicas conhecidas em Trás-os-Montes são, sem dúvida, mais limitadas que as de Zamora, onde, para além dos materiais de prospecção, se conta com espólios mais latos provenientes de trabalhos de escavação (Esparza, 1995). De qualquer forma, as cerâmicas dos povoados fortificados nordestinos parecem filiar-se no mesmo horizonte cultural que as do outro lado da fronteira, o de Soto de Medinilla. Como elementos mais marcantes destacam-se a tipologia dos bordos e os acabamentos com superfícies externas grosseiras e internas polidas (Lemos, 1996, p. 150).
Os materiais cerâmicos parecem também revelar um certo imobilismo, com a perduração do mesmo tipo de cerâmicas ao longo do milénio, sem que se notem, por exemplo, influências do mundo de Cogotas II ou celtibéricas, que poderiam chegar da Meseta na sua segunda metade.
Não existem, assim, por enquanto, indicadores que permitam estabelecer uma periodização da Idade do Ferro do Nordeste de Portugal; neste aspecto, também a tipologia dos povoados fortificados, já ensaiada por F. Sande Lemos (1993, Ia, p. 192-224), não é de
grande auxílio porque enferma dos mesmos problemas de cronologia.
O reconhecimento de que na distribuição destes povoados fortificados existem áreas de maior densidade de povoamento a par de áreas vazias levou F. Sande Lemos (1993, Ia, p. 241, 1996, p. 151-152) a sugerir que cada pequeno povoado albergaria uma família extensa e que essas aglomerações de povoados estariam unidas por laços linhagísticos4, funcionando as áreas desocupadas como espaços de exploração dos vários povoados pertencentes à mesma linhagem; além disso, esses mesmos espaços poderiam ser o móbil de conflitos entre os vários grupos de povoados que os disputariam para exploração económica, justificando- se, desta forma, o recurso à fortificação e os mecanismos de aliança de que temos eco no célebre Pacto de Astorga, já de cronologia romana (CIL II 2633).
Esta ideia remete-nos directamente para a esfera social, isto é, para a questão de saber qual o substrato étnico que ocuparia a região no I milénio a.C. As fontes clássicas e epigráficas podem permitir-nos associar à Terra Fria o povo Zela, embora a definição dos limites territoriais que ocupava seja um problema mais intrincado. Logo à partida, levanta-se-nos a questão de saber se os traçados das circunscrições administrativas romanas de base, as ciuitates, respeitam escrupulosamente os limites territoriais das etnias que lhes parecem subjazer e, além disso, a própria definição de fronteiras entre ciuitates é, obviamente, uma tarefa espinhosa, como veremos.
É Plínio (Plin., N. H., 19, 10) que refere que o linho dos Zelas – que, não havia muito tempo, se tinha levado para Itália – era de grande qualidade para a confecção de redes de caça e que, simultaneamente, precisa a localização deste povo: ciuitas ea Gallaeciae et oceano propinqua. Numa passagem anterior da sua Naturalis Historia (Plin., N. H., 3, 28), inclui os Zelas entre os 22 povos ástures divididos em augustanos e transmontanos, citando-os conjuntamente com Gigurros, Pésicos e Lancienses.
Apesar de as informações plinianas poderem deixar alguma ambiguidade quanto ao posicionamento geográfico dos Zelas, sobretudo ao referirem a sua proximidade do oceano, é hoje pacífica a sua localização em terras mais interiores, do Nordeste transmontano e Ocidente da província de Zamora (Tranoy, 1981, p. 52; Guerra, 1995, p. 127-128).
A essa localização aconselham as fontes epigráficas. Por um lado, o célebre pacto de hospitalidade de Astorga (CIL II 2633), comentadíssimo por questões que se prendem com a organização social indígena, e três outras inscrições que também referem os Zelas, encontradas em Astorga (CIL II 2651), León (CIL II 5684) e El Cueto (AE, 1988, 759), comprovam a sua integração entre os Ástures; por outro, a ara dedicada pelo Ordo Zoelarum ao Deus Aernus, encontrada em Castro de Avelãs (Bragança), é o argumento mais importante para a localização deste povo. Com base neste documento tem-se, mesmo, sugerido que a depressão de Bragança possa ter sido a área nuclear dos Zelas (Lemos, 1995, p. 295).
As inscrições de Astorga, León e El Cueto referem-se, obviamente, a indivíduos deslocados no contexto interno do conuentus Asturum (cf. Tranoy, 1986; García, 1996a, p. 177-179). Se T. Montanius Fronto5, civis Z(o)elae e armorum custos estaria em León por força da sua integração nas forças militares, já a presença de Claudia Accula6 na região do Bierzo leonês pode, eventualmente, relacionar-se com o vínculo matrimonial; porém, a razão da presença em Astorga de T. Iulius Valens7 não está esclarecida.
A conquista do território e a integração administrativa
A conquista do território que nos ocupa integra-se no contexto das guerras cântabroástures que, obviamente, se enquadram no quadro mais vasto da submissão do Noroeste, mas, na verdade, não é nosso intuito apresentar em pormenor essas movimentações bélicas, uma vez que se encontram já tratadas com alguma profundidade (Schulten, 1943; Syme, 1970; Tranoy, 1981; Roldán, 1983)8. Não podemos, contudo, deixar de relevar alguns aspectos, nomeadamente de índole cronológica, para que melhor se possa balizar a posterior emergência da cultura epigráfica local.
É pela pena de Floro, Orósio e Díon Cássio que nos chegam os ecos das guerras dirigidas por Roma contra Cântabros e Ástures, o último foco de resistência indígena na Península.
Esta situação de insubmissão revelava-se problemática para a manutenção da estabilidade dos territórios já dominados, pelo que Augusto entende que a conquista deste foco indígena era essencial. Nela se empenha pessoalmente, a partir de 27 a.C., já que, sem dúvida, este empreendimento, se cumulado de sucesso, seria pessoalmente prestigiante e politicamente fortalecedor; claro que o controlo das riquezas, nomeadamente auríferas, destas terras terá também tido um peso importante na motivação destas guerras (Tranoy, 1981, p. 134; Roldán, 1995, p. 225-227).
A primeira referência declarada aos Ástures no contexto das guerras do Noroeste surge apenas em 29 a.C. É neste ano que C. Estatílio Tauro empreende a guerra contra Vaccei, Cântabros e Ástures (Díon Cássio, 51, 20, 5), mas é provável que um conjunto de sucessos bélicos romanos obtidos entre 36 a.C. e 26 a.C. também tivessem relação com a guerra movida na área ásture-cantábrica (Tranoy, 1981, p. 133-134).
Augusto chega à Hispânia no final do ano 27 a.C. e no início do ano seguinte começa a ofensiva militar contra os Cântabros. As forças militares romanas presentes na Península – as legiões I Augusta, II Augusta, IIII Macedonica, V Alaudae, VI Victrix, VIIII Hispana e X Gemina – foram divididas em dois exércitos: um por ele comandado pessoalmente, pelo menos até ao início do Inverno de 26 a.C., altura em que adoece e passa o comando a C. Antístio Veto, e outro dirigido pelo governador da Ulterior, Públio Carísio. A base de operações da campanha de 26 a.C. situava-se em Segisama; daí partiu o exército sob comando de Augusto, dividido em três colunas, tendo conseguido o domínio de Bergida, do Mons Vindius e de Aracilum10 (Tranoy, 1981, p. 138).
Os acontecimentos da conquista das terras ástures desenrolaram-se ainda a partir de 26 a.C., ou já em 25 a.C., sendo a queda do simbólico Mons Medullius, a traição dos Brigaecini e a conquista de Lancia os factos destacados pelas fontes antigas (Floro, 2, 33, 50-58; Orósio, Adv. pag., 6, 21, 6-10; Díon Cássio, 53, 25, 8).
A localização exacta do Mons Medullius continua incógnita, mas parece certo que terá de ser procurada na região montanhosa do Bierzo (Syme, 1970, p. 102; Tranoy, 1981, p. 139).
Mediante esta atribuição geográfica, os diversos autores que se debruçaram sobre o tema da conquista ensaiaram mais de um cenário quanto à ordem e cronologia dos factos (Tranoy, 1981, p. 139-142; Roldán, 1995, p. 228), em função da razoabilidade da estratégia militar.
A imprecisão dos textos antigos não permite decidir com segurança qual a estratégia seguida. Um dos cenários apresentado, seguindo Roldán (1995), pressupõe uma acção bélica romana iniciada pelas planícies do território ásture. Talvez em 25 a.C. as armas romanas tivessem chegado ao território ásture e submetido as planícies do triângulo Astorga-León-Benavente: associar-se-ia a esta fase da campanha de Carísio o domínio das terras zamoranas a ocidente do Esla. A cruzada de P. Carísio teria seguido para o Norte. Com o colaboracionismo dos Brigaecini, o governador da Ulterior teria tomado conhecimento da preparação de um ataque ásture a três acampamentos romanos localizados junto ao rio Astura (Esla) e obtido o triunfo sobre essa coligação de povos. Continuaria depois ao longo deste rio até sitiar e conquistar Lancia. Em seguida, o destino seria o Bierzo, onde se deu o célebre cerco e a tomada do Mons Medullius.
É possível admitir um outro cenário de estratégia e apresentá-lo em pé de igualdade com o anterior, como fez A. Tranoy (1981, p. 139-142). Nesta versão, a ordem dos acontecimentos altera-se. A ofensiva de P. Carísio ter-se-ia iniciado a partir do Minho, em 26 a.C., e o cerco do Mons Medullius teria sido o primeiro importante acontecimento de guerra; só no ano seguinte se teria dado a vitória sobre a cidade de Lancia, facilitada pela traição dos Brigaecini relativamente aos povos ástures que se empenhavam em lutar com afinco contra as forças romanas. A intervenção pronta de P. Carísio neste contexto teria ditado a derrota dos ástures coligados, impedindo-os de seguir o caminho das montanhas do Norte, pelo que terão sido obrigados a concentrar-se em Lancia, a cidade que também acabaria por sucumbir às suas mãos.
Admitindo-se qualquer um dos dois cenários, o certo é que a região estaria relativamente sob controlo no final de 25 a.C., mas não completamente submetida, como provam as rebeliões que se noticiam para os anos 24, 22 e 19 a.C. Em 24 a.C., há notícia (Díon Cássio, 53, 29, 1) de um levantamento de cântabros com repercussão no território ásture; em 22 a.C., novos levantamentos são referenciados (Díon Cássio, 54, 5, 1-4), mas, desta vez, o sentido da revolta é inverso e, como resultado, uma parte dos Ástures e outra dos Cântabros foi reduzida à escravidão (Tranoy, 1981, p. 143); finalmente, em 19 a.C., surge outra manifestação de rebeldia (Díon Cássio, 54, 11, 2-5), que parece ter ficado circunscrita à Cantábria.
Uma derradeira e tardia revolta terá acontecido já por volta dos anos 50 ou 60 d.C. (CIL XI 395; Tranoy, 1981, p. 143).
Por entre a escassez de dados sobre estes episódios de guerra, naturalmente não se vislumbra qualquer referência concreta ao domínio dos Zelas ou ao seu comportamento durante os afrontamentos com Roma. A Arqueologia também nada revela. Os acontecimentos bélicos com maior proximidade ao seu território parecem situar-se no ano 25 a.C., pelo que não será despiciendo pensar que tenha sido por volta desta data que ocorreu a sua entrada na ordem romana.
Após 19 a.C., conseguido o domínio da totalidade do espaço peninsular, Roma terá de voltar as suas atenções para a integração político-administrativa dos povos submetidos, readaptando o quadro administrativo já reformulado por Augusto em 27 a.C. (Tranoy, 1981, p. 137). Desta forma, todo o Noroeste foi integrado na província da Lusitânia como consequência lógica do avanço para a Calécia e a Astúria a partir de duas rotas distintas: a atlântica, por onde progrediu D. Júnio Bruto na sua incursão até ao Lethes, e a interior, aberta por Metelo no contexto da guerra sertoriana e que se tornará na posterior Rota da Prata. A Cantábria, por seu lado, ficou, desde logo, integrada na Citerior (Roldán, 1995, p. 238).
Esta organização não era, porém, a mais interessante do ponto de vista da necessidade de manutenção de um controlo militar apertado sobre as regiões recentemente conquistadas porque dissociava as forças militares de ocupação. Por isso, a Calécia e a Astúria acabarão, poucos anos depois, supostamente entre 16 e 13 a.C. (Tranoy, 1981, p. 146; Roldán, 1995, p. 238), por integrar a Província Citerior, ao mesmo tempo que se reduziam os efectivos militares estacionados, ficando sob o comando militar do governo de Tarraco.
Mais tarde, os territórios peninsulares virão a ser reorganizados no seio do quadro provincial através da sua repartição por conuentus. A data da criação destas circunscrições não é consensual. No trabalho clássico de E. Albertini (1923, p. 54) sobre a divisão administrativa romana peninsular foi atribuída a Cláudio a criação dos conuentus, embora haja hoje propostas que a consideram mais recente, atribuível a Vespasiano (Étienne, 1958, p. 185-189; Tranoy, 1981, p. 153), e outras que a consideram anterior, da época augustana (Sancho, 1981, p. 16; Dopico, 1986). Movendo-se entre estas duas últimas posições mais extremas, há quem adopte uma posição mais apaziguadora (Lomas, 1989, p. 212; Roldán, 1995, p. 241), admitindo que a criação conventual terá ocorrido no tempo de Augusto, mas considerando que esta medida apenas estaria cristalizada passadas algumas décadas, na época flávia.
O território dos Zelas, mais tarde constituído em ciuitas, viria a ficar, naturalmente, integrado no conuentus Asturum. Não vamos entrar na discussão dos limites gerais do conuentus11, mas a sua delimitação meridional será referida por ser coincidente com os limites da ciuitas Zoelarum, na qual, pelo menos parcialmente, se inscreve a nossa área de trabalho.
Residem nas fontes clássicas e nos textos epigráficos os principais argumentos para que se possam desenhar os mapas paleo-etnológicos e político-administrativos, os quais terão de, obrigatoriamente, ser equacionados à luz de outros elementos de análise, nomeadamente arqueológicos, ecológicos e geográficos.
Como já tivemos oportunidade de referir, alguns achados epigráficos, mormente o da ara dedicada ao Deus Aernus pelo Ordo Zoelarum, têm contribuído para considerar a depressão de Bragança o âmago do território zela; neste contexto, a Torre Velha de Castro de Avelãs seria o seu centro religioso (Tranoy, 1981, p. 52) ou político-administrativo (Alarcão, 1988b, p. 57). Os trabalhos arqueológicos levados a cabo, em finais do século passado, na Torre Velha não são, porém, muito esclarecedores do papel desempenhado por este sítio durante a época romana (Pinheiro, 1895), mas tudo leva a crer que se situaria aí a sede da ciuitas dos Zoelae (Alarcão, 1988b, p. 57; Le Roux, 1992, p. 180; Lemos, 1993, Ia, p. 386-389). Considerando a depressão de Bragança território zela, o limite do conuentus Asturum terá de passar necessariamente mais a Ocidente.
Tranoy (1981, p. 159-160) propõe o traçado desse limite, entre a serra da Segundera, a norte, e o rio Douro, a sul, pelas serras da Coroa, da Nogueira e de Bornes até à confluência do Sabor com aquele rio; o limite oriental, em território zamorano e transmontano, correria pelo curso do Esla12 (Tranoy, 1981, p. 156-157) e, a partir da sua confluência com o Douro, pelo curso deste até à foz do Sabor.
Jorge de Alarcão (1988b, p. 57) viria a contestar o limite meridional proposto, ao considerar que o território da ciuitas dos Zelas não chegaria ao Douro. Propôs que fosse limitado pelos contrafortes setentrionais das serras de Bornes e de Mogadouro até ao Douro internacional, sendo este rio o seu limite oriental e o Tuela o ocidental; a serra de Montesinho constituiria a fronteira setentrional da ciuitas. Nesta linha, a depressão da Vilariça seria já território dos Banienses, integrado na província da Lusitânia (Alarcão, 1988b, p. 34-35).
Recentemente, F. S. Lemos (1993, Ib, p. 482-485) revê as propostas anteriores, entrando em linha de conta com as matrizes do povoamento romano e com os dados ecológicos, e propõe limites ligeiramente mais dilatados para a ciuitas Zoelarum. Considera recortar-se, a norte, pelas serras da Segundera e da Culebra; a oriente, pelo trecho final do rio Esla e rio Douro, a jusante da foz do primeiro e até cerca de Mazouco; a sul, pela serra de Bornes e da Navalheira; e, a ocidente, pelos contrafortes ocidentais da serra da Nogueira, por um troço do rio Rabaçal e pelo planalto da Lomba, encaixado entre os rios Mente e Rabaçal.
De acordo com estas propostas, e admitindo que a serra de Bornes e da Navalheira constituem o limite meridional da ciuitas Zoelarum, fica claro que a nossa área de trabalho tem, na sua quase totalidade, correspondência com o sector ocidental desta circunscrição político-administrativa13.
O povoamento
O impacto da romanização na anterior rede de povoamento proto-histórico terá sido profundo. A maioria dos povoados fortificados foi abandonada, e essa realidade está bem documentada no território ocupado pelos Zelas (Lemos, 1993, Ib, p. 396-404). O povoamento baseado no povoado fortificado, quando não continuado no contexto da ocupação romana, foi substituído por uma rede hierarquizada de habitats em que se incluem uici, mansiones, aldeias, uillae, casais e povoados mineiros (Lemos, 1993, Ib, p. 382-426). Atribui-se a causa desta mudança a um leque diversificado de factores de ordem, essencialmente, económica14.
Um aspecto importante para o nosso trabalho é o que se prende com a relação espacial entre as necrópoles e os sítios habitados, já que a grande maioria do material epigráfico que compulsamos é de âmbito funerário. Analisando os contextos de achado das epígrafes funerárias, F. Sande Lemos (1993, Ib, p. 426-430) caracteriza as necrópoles da Terra Fria bragançana pela continuidade aos povoados, sem elementos separadores aparentes, isto é, sem uma situação geomorfológica diferenciada ou um posicionamento no lado oposto de linhas de água próximas dos habitats. Aduz os exemplos dos achados epigráficos de Grijó de Parada, do Sagrado de Donai, da Devesa de Vila Nova e do Lombeiro Branco de Meixedo como reveladores dessa proximidade existente entre os espaços doméstico e funerário, mas considera também algumas excepções, nos casos de Castro de Avelãs, Coelhoso, Sacoias e da Terronha de Pinhovelo, nas quais é possível vislumbrar uma separação entre aqueles âmbitos espaciais. Não existem, porém, dados que permitam a caracterização das necrópoles, nem dos rituais funerários.
Na análise que faz dos achados monetários e de cerâmicas de importação, constata que os primeiros parecem indicar um impacto romanizador já bem marcado no período júliocláudio, enquanto que as cerâmicas de terra sigillata apenas parecem surgir, de forma mais abundante, na segunda metade do século I, com as produções hispânicas do Alto Ebro.
Perante estes dados, o autor (Lemos, 1993, Ib, p. 382) admite uma romanização precoce da região transmontana oriental, considerando que os indicadores numismáticos são um índice fiável e que a ausência de cerâmicas importadas mais antigas, nomeadamente de terra sigillata itálica, se deve ao funcionamento incipiente dos mercados15.
O território de Trás-os-Montes Oriental foi atravessado por um eixo viário principal: a via XVII do Itinerário de Antonino, que ligava duas capitais conventuais – Bracara Augusta e Asturica Augusta. A cartografia dos achados de miliários sugere que entre Aquae Flaviae e Castro de Avelãs tenham existido dois itinerários distintos, tendo sido principal o meridional (Tranoy, 1981, p. 214; Alarcão, 1988b, p. 97-98; Lemos, 1993, Ib, p. 281). Na Terra Fria bragançana, o conjunto da via teria uma orientação predominante este-oeste, exceptuando os troços a poente das serras da Coroa e Nogueira que tomariam a orientação nordestesudoeste.
Quanto aos seus traçados, remetemos para as páginas da obra de Sande Lemos (1993, Ib, p. 283-305), nas quais se apresentam propostas de reconstituição que, pela metodologia utilizada, nos parecem equilibradas16.
No respeitante à sua cronologia, Lemos (1993, Ib, p. 309-313) admite duas hipóteses: a criação simultânea dos dois itinerários no contexto da organização militar e administrativa do Noroeste; ou um processo faseado, em que o itinerário setentrional seria mais antigo, aberto durante a época augustana por razões eminentemente estratégico-militares17, e o itinerário meridional mais recente, da época flaviana, criado, já num quadro de paz e prosperidade, por razões económicas.
O mesmo autor (Lemos, 1993, Ib, p. 314-326) propõe, ainda, um conjunto de vias secundárias com uma orientação predominante norte-sul que entroncavam na via XVII: uma sulcava o planalto mirandês, outra servia o planalto de Argozelo-Outeiro e uma terceira seguia pelo vale da Vilariça-vale do Tua. Apenas a que passava pelo planalto de Argozelo-Outeiro contenderia com a nossa área de trabalho, já que se admite que entroncava com a via XVII em Babe.
A organização social indígena
A organização social do povo zela aparece-nos reflectida no pacto de hospitalidade gravado na célebre Tabula de Astorga18 (CIL II 2633) já tantas vezes analisado, comentado e discutido (Schulten, 1962; Caro, 1970; Albertos, 1975; Lomas, 1975; Tranoy, 1981; Santos, 1985; Diego, 1986; González, 1986, 1993). O texto é o seguinte19:

M(arco) Licinio Crasso L(ucio) Calpurnio Pisone co(n)s(ulibus) IIII K(alendas) Maias.
Gentilitas Desoncorum ex gente Zoelarum
5 et gentilitas Tridiauorum ex gente idem
Zoelarum hospitium uetustum antiquom
renouauerunt, eique omnes alis alium in fidem
clientelamquesuam suorumque liberorum posterorumque receperunt.
Egerunt
10Arausa Blecaeni et Turaius Clouti, Docius Elaesi,
Magilo Clouti, Bodecius Burrali, Elaesus Clutami,
per Abienum Pentili magistratum Zoelarum.
Actum Curunda.
Glabrione et Homullo co(n)s(sulibus), V idus Iulias.
15 Idem gentilitas Desoncorum et gentilitas
Tridiauorum in eandem clientelam eadem
foedera receperunt, ex gente Auolgigorum
Sempronium Perpetuum Orniacum et ex gente
Visaligorum Antonium Arquium et ex gente
20Cabruagenigorum Flauium Frontonem Zoelas.
Egerunt
L(ucius) Domitius Silo et L(ucius) Flauius Seuerus.
Asturicae.

Detectam-se duas partes bem diferenciadas: a primeira respeita à renovação de um antigo pacto de hospitalidade (e clientela) entre duas gentilitates zelas – a dos Desoncos e a dos Tridiavos – realizada, em Curunda, no ano 27 d.C., por intermédio de um magistratus Zoelarum; a segunda, datada de 152 d.C., representa o alargamento do pacto a três indivíduos particulares pertencentes a outras unidades organizativas21, gentes. Enquanto que na primeira parte aparecem, claramente, duas categorias distintas de unidades organizativas, a gens (os Zelas) e as gentilitates (os Desoncos e os Tridiavos), na segunda os dois termos já parecem confundir-se porque estas gentilitates estabelecem pacto com três indivíduos pertencentes a três gentes.
Esta aparente confusão tem dado azo a interpretações diferentes porque enquanto alguns autores (Hübner, 1869, p. 366; Schulten, 1962, p. 117; Albertos, 1975, p. 39; Lomas, 1975, p. 54) fazem equivaler o termos gens e gentilitas da segunda parte do texto, outros consideram continuar a existir uma diferenciação conceptual (Santos, 1985; González, 1986, 1993). Sem ser nosso objectivo discutir o assunto, será imprescindível que para uma caracterização da organização social dos Zelas o refiramos, fazendo-nos eco das interpretações que julgamos mais defensáveis; neste sentido, acompanharemos, sobretudo, as reflexões de M. Cruz González (1993).
Na primeira parte do documento, duas gentilitates que integram uma mesma gens estabelecem entre si a renovação de um pacto, uetustum antiquom, sendo essa gens que intervém, em Curunda22, na legalização do acordo, por intermédio do seu magistratus.
Considerando a existência de um magistratus Zoelarum e de um hipotético lugar central, no qual se renova o pacto, González (1993, p. 156) defende que esta gens Zoelarum seria uma comunidade política com, pelo menos, uma instituição com esse carácter – visível nesse mesmo magistrado – em cujo interior existiriam unidades menores, as referidas gentilitates.
Para esta autora (González, 1993, p. 159-160), as gentilitates não teriam natureza política e os laços que uniam os seus membros seriam mais estreitos do que aqueles que cimentariam todos os Zelas, devendo estar ligados por vínculos de parentesco fictício, considerando- se descendentes de um antepassado comum afastado no tempo, para além de outros de natureza territorial23. Seriam, desta forma, unidades mais amplas do que os grupos que se baseiam em relações de parentesco real, consanguíneo, que têm expressão nos genitivos de plural ou cognationes, como se entende, actualmente, poderem designar-se (cf. Pereira, 1993, p. 111; González, 1993, p. 157-158). A necessidade de firmar este pacto teria surgido da vontade de assegurar determinadas solidariedades que só desta forma se conseguiriam porque, eventualmente, existiriam fenómenos de fragmentação, dispersão do habitat, hierarquia e complexidade no seio da gens Zoelarum (González, 1993, p. 160).
Mais recentemente, J. Alarcão (1999, p. 140) propôs, em alternativa, que as gentilitates pudessem corresponder a unidades ou comunidades territoriais constituídas por várias cognationes, mostrando-se céptico quanto à possibilidade de avaliação de uma possível comunhão relativamente à crença da existência de um antepassado comum.
Em 152 d.C., intervindo as duas gentilitates anteriores e três indivíduos particulares, este pacto é alargado, sendo tal acto realizado em Asturica Augusta. Como demonstrou J. Santos (1985, p. 7-8), esta segunda parte do pacto reflecte a perduração de unidades organizativas indígenas no quadro da praxis político-administrativa romana, já com o processo de romanização avançado, após a concessão do Ius Latii a toda a Hispânia, e a implantação do esquema político-administrativo romano que tem por base a ciuitas; por este motivo, a ampliação do pacto acaba por ser realizada, mediante dois legati, representantes do poder romano, na capital conventual, a qual simboliza um patamar político-administrativo superior e, por isso, adequado, pela sua neutralidade, em face da presença de indivíduos e gentilitates pertencentes a duas ciuitates/populi, a dos Zelas e a dos Orniacos. Os indivíduos que são recebidos in eandem clientelam eandem foedera pelas gentilitates dos Desoncos e dos Tridiavos, além de referirem a ciuitas/populus a que pertencem, afirmam ser membros de diferentes gentes (a dos Avolgigos, a dos Visáligos e a dos Cabruagénigos)24.
González (1993, p. 164) defende que a realidade a que aludem estas gentes não terá correspondência com as gentilitates e, ao contrário da gens Zoelarum que se refere na primeira parte do pacto, estas não terão um conteúdo político; seriam, na sua interpretação, grupos mais amplos que as gentilitates, formados por aqueles que se consideram descendentes de um antepassado comum, ainda que os laços de parentesco suposto fossem mais alargados que os que caracterizariam aquelas outras unidades organizativas. Estas gentes, cujos nomes vão surgindo na epigrafia ásture, poderiam constituir a base dos populi referidos por Plínio na sua Naturalis Historia, pelo que a autora não deixa de apontar a possibilidade de algumas das gentes documentadas na epigrafia poderem fazer referência a algum dos povos ástures cujo nome ainda se desconhece – dos 22 povos aludidos por Plínio, apenas se encontram identificados 12.
Nos casos em que se faz referência à gens e, simultaneamente, à ciuitas seria legítimo pensar que a preponderância dos vínculos seria de natureza étnica, mas fica por esclarecer se outras gentes ástures teriam sido comunidades políticas na fase pré-romana, como o foi a gens Zoelarum (González, 1993, p. 165).
Da comparação entre este pacto e outros realizados, mais ou menos contemporaneamente, na área indo-europeia peninsular e no resto do Império, resulta a ideia de diferença, pois enquanto todos os outros, com a excepção da Tessera de Montealegre (cf. Pereira, 1993), parecem estabelecer-se entre um ou mais indivíduos e determinadas comunidades, nas duas partes deste pacto entram em cena gentilitates (González, 1993, p. 156, 161-162).
Do documento sobressai a ideia de que o esquema político-administrativo romano não estava ainda presente nos inícios do século I d.C., devendo a sua implantação ter ocorrido entre as duas datas aí referidas, baseando-se o poder romano na realidade preexistente – a gens Zoelarum assumia-se, pelo menos no início do século I (27 d.C.), como comunidade política.
Além deste aspecto, parece não haver suficientes pontos de apoio para sustentar para os Ástures, com base na referência a gentilitates e gentes, a ideia de uma sociedade gentilícia piramidal – apenas no caso da gens Zoelarum temos a informação de que era integrada por duas gentilitates (González, 1993, p. 166). Alarcão (1999, p. 142) chega, mesmo, a sugerir que genitivos de plural, gentilitates e gentes não teriam sob o domínio romano qualquer papel, a não ser como conjuntos exógamos e como grupos de nojo.
As questões em aberto são muitas e encontram-se em permanente revisão; naturalmente, as certezas escasseiam.
NOTAS
1 Não foram exumados quaisquer materiais a que se possa atribuir uma cronologia da época romana.
2 Os materiais datáveis do Bronze Final que têm como proveniência a Terra Fria bragançana resumem-se ao conjunto de Valbom (Deilão), provável “esconderijo de fundidor” constituído por um machado de talão e seis braceletes decoradas, ao machado do Castelo de Rebordãos e a algumas cerâmicas carenadas e de decoração brunida da Lorga de Dine.
3 Acerca das datações radiocarbónicas obtidas nos povoados zamoranos e das problemáticas que encerram, pode ver-se Esparza (1995, p. 108).
4 Mantemos esta terminologia por ser a empregue pelo autor; porém, foi já debatida a sua presumível impropriedade (González, 1986,
p. 110, 1993).
5 CIL II 5684: D . M . S / T MONTANI
O / FRONTONI . AR . / CVS . CIVI . ZELAE
/ AN . LIII . STP . XXVI / T . MONT
—–
ANIVS /
MATERNVS / PATRONO . OPT / CVRATOR . F . F . L / M . POSVIT . S . T . T . L.
6 AE, 1988, 759: D . M / CL . ACCVLA / ZOELA . ANN/O XL . H . S . E. / CL . SERGIVS / CONIVGI . P.
7 CIL II 2651: PAEDATVRA / T . I. VALENTIS / ZOELAE.
8 Apontamos apenas alguns títulos que nos parecem marcantes; poder-se-á apreciar uma lista bibliográfica exaustiva sobre o assunto em Roldán (1995).
9 Os investigadores que têm tratado as guerras cântabro-ástures parecem concordar no facto de debaixo da designação de Cantábria se incluir um território bastante mais amplo e de aí se integrarem várias etnias que só aparecem nomeadas quando o contacto directo com o exército romano proporciona um melhor conhecimento (Roldán, 1995, p. 225).
10 Consultar TIR, K-29 e TIR, K-30 para as questões relacionadas com a identificação dos topónimos associados a estas operações militares.
11 Relativamente aos limites da divisão conventual do Noroeste peninsular, pode consultar-se a obra de Tranoy (1981, p. 153-162).
12 No Norte da Província de Zamora, o limite do conuentus Asturum tanto poderia seguir pelo curso do Esla como pelo do Cea (Tranoy, 1981, p. 156-157).
13 Não ignoramos a recente opinião de J. Alarcão (1995-1996, p. 29) que vai no sentido de a parte mais oriental do Nordeste transmontano poder constituir uma ciuitas – por agora inominada – diferente da Zoelarum, mas é difícil avaliar a sua proposta porque não aduz qualquer argumento justificativo para o seu raciocínio.
14 F. Sande Lemos (1995, p. 302-303) refere, como principais, os seguintes: a criação de uma rede viária hierarquizada; o surto de mineração; a introdução da policultura, a generalização de utensilagem de ferro e o aproveitamento dos solos planálticos e de origem coluvionar; e a difusão da moeda – admitindo, ainda, um aumento demográfico.
15 Consideramos, no entanto, que será necessário usar de alguma prudência neste aspecto e multiplicar os indicadores cronológicos, sobretudo os estratigraficamente contextualizados, para que possamos decidir de forma mais confortável acerca do significado do quadro apresentado.
16 As suas propostas resultam do cruzamento de fontes epigráficas com os dados arqueológicos e outros relativos às obras de arte, arti culado com o exame atento da paisagem, nomeadamente da rede de caminhos, e com o trabalho de campo.
17 Acerca da importância militar e possível cronologia da ligação entre Braga e Astorga, pode ver-se J. Santos (1985, p. 63).
18 A designada Tabula de Astorga é uma placa de bronze (32/20 cm) rematada em frontão triangular e sem decoração, que terá aparecido na região de Astorga, ainda antes dos meados do século XVII, actualmente depositada no Museu de Berlim (Diego, 1986, p. 239-241, n.0 318).
19 “No consulado de Marco Licínio Crasso e Lúcio Calpúrnio Pisão (27 d.C.), a 28 de Abril, a gentilitas dos Desoncos, da gens dos Zelas, e a gentilitas dos Tridiavos, da mesma gens dos Zelas, renovaram um pacto de hospitalidade muito antigo e todos eles se receberam mutuamente sob a sua protecção e clientela e a de seus filhos e descendentes. Levaram-no a cabo Arausa, (filho) de Bleceno, e Turaio, (filho) de Clúcio, Dócio, (filho) de Eleso, Magilão, (filho) de Clúcio, Bodécio, (filho) de Burrálio, Eleso, (filho) de Clutamo, por meio de Abieno, (filho) de Pentilo, magistrado dos Zelas. Feito em Curunda.
No consulado de Glabrião e Hómulo (152 d.C.), a 11 de Julho, a mesma gentilitas dos Desoncos e a gentilitas dos Tridiavos receberam na mesma clientela e nos mesmos pactos, da gens dos Avolgigos, Semprónio Perpétuo, Orniaco, e, da gens dos Visáligos, António Árquio e, da gens dos Cabruagénigos, Flávio Frontão, (ambos) Zelas. Realizaram-no Lúcio Domício Silão e Lúcio Flávio Severo. Em Asturica (Astorga)”.
20 A gravação do texto foi efectuada num só momento, o da data mais recente: ao fazer-se a renovação do pacto em 152 d.C. deve ter-se copiado o pacto mais antigo (primeira parte da inscrição, referente ao ano 27 d.C.).
21 Pela sua neutralidade, seguimos a nomenclatura proposta por M. Cruz González Rodríguez (1986).
22 A localização deste aglomerado populacional dos Zelas continua desconhecida (TIR, K-29, p. 50).
23 Cf. com a interpretação de F. Sande Lemos (1996, p. 151-152).
24 J. Santos (1985, p. 10-13) apresentou um modelo explicativo para a formação destas gentes. Na sua perspectiva, esta mutação social poderia ter a ver com o facto de algumas árvores genealógicas terem ficado de tal maneira densas que uma ou mais gentilitates acabaram por se separar, formando um ou vários grupos à parte que, por reprodução do modelo organizativo a que pertenciam, passaram para o primeiro plano político-administrativo e ocuparam um território concreto, isto é, apareceram como novas gentes; porém, quando os Romanos impuseram a sua estrutura administrativa baseada em ciuitates, estes tiveram de se basear na realidade social em presença e agruparam sob a mesma unidade político-administrativa, a ciuitas Zoelarum, todas as unidades organizativas que tinham em comum o ser Zelas, mesmo as que se haviam desprendido da gens original. A rigidez deste tipo de esquemas motivou, no entanto, a crítica de González (1993, p. 163, n. 80) que, sucintamente, esclarece: intentar descubrir cómo estas gentes se constituyen como tal y su posible origen zoela nos parece prácticamente imposible.

Armando Redentor
in:TRABALHOS DE ARQUEOLOGIA; 24
COORDENAÇÃO EDITORIAL
António Marques de Faria
TRADUÇÃO DO RESUMO
Katina Lillios
DESIGN GRÁFICO
www.tvmdesigners.pt
PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO
Facsimile, Lda
TIRAGEM
500 exemplares
Depósito Legal
158769/00
ISSN 0871-2581
ISBN 972-8662-06-8
Instituto Português de Arqueologia
LISBOA


2002

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