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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O medo do futuro

José Vítor Malheiros
Na fatídica noite de 12 de Julho passado, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras foi obrigado a ceder perante as pressões do Eurogrupo e a aceitar uma reforçada dose de austeridade porque não possuía mandato do povo grego para abandonar o euro e essa seria a consequência inevitável caso desse um murro na mesa e dissesse “não” às condições humilhantes do resgate. Esta é, em grandes linhas, a narrativa oficial do Syriza.

De facto, um murro na mesa não levaria necessariamente à saída do euro e, noutras circunstâncias, poderia até forçar os “parceiros” do Eurogrupo a ceder e a conceder condições dignas de financiamento à Grécia e mesmo uma renegociação da dívida mas, como estes sabiam que a saída do euro era uma carta que Tsipras não podia ou não queria jogar, a eventual ameça de default e de Grexit por parte de Atenas não possuía a suficiente credibilidade para servir de instrumento de pressão.

Assim, Tsipras perdeu as negociações porque o povo grego, através das suas organizações políticas e das sondagens realizadas, disse e reiterou sempre esmagadoramente que não queria saír do euro; porque nunca pediu um mandato claro ao povo grego para sair do euro caso essa opção se impusesse, o que deu a sensação a muito eleitores que a opção de facto não existia; e porque avaliou mal as suas forças e os seus aliados no confronto com os credores em geral e com a Alemanha em particular.

É verdade que Tsipras também não tinha mandato do povo grego para aceitar o terceiro “resgate”, mas aqui foi possível defender que as ténues possibilidades de investimento abertas pelos novos empréstimos poderiam suavizar a prazo a austeridade e, assim, ir de encontro ao desejo expresso do povo grego no referendo de 5 de Julho, onde a austeridade foi recusada por uma expressiva maioria de mais de 61%.

De facto, o referendo, nos termos em que foi convocado e realizado, e apesar de ter sido, como foi, um grito de dignidade do povo grego contra uma verdadeira ocupação, ao não conter explicitamente um mandato que permitisse a Tsipras dar o famoso murro na mesa, colocou-o num dilema irresolúvel, impedido de sair do euro e de aceitar mais austeridade. Por que razão, entre estes dois termos inaceitáveis, Tsipras escolheu ceder ao Eurogrupo? Aparentemente, por ter considerado que o status quo (leia-se: continuação da austeridade) seria mais facilmente aceite pelos gregos que a escolha de um caminho nunca antes navegado, ainda que ele próprio, repetidamente, tenha afirmado não acreditar na eficácia do novo acordo.

A recente demissão de Tsipras, e a consequente convocação de eleições, faria sentido se o primeiro-ministro grego pretendesse com isso não só renovar e fortalecer a sua legitimidade política (como quer) mas clarificar o mandato que lhe é conferido pelo povo. Faria sentido, em particular, se o Syriza de Tsipras tentasse obter nas próximas eleições um claro mandato que lhe permitisse romper com o Eurogrupo e sair do euro caso reconhecesse essa necessidade. Estranhamente, porém, Tsipras parece apenas querer (teremos de esperar pelo novo programa eleitoral do Syriza para o confirmar) confirmar a sua legitimidade para levar a cabo o programa de austeridade, eventualmente de braço dado com algum dos chamados partidos “pró-europeus” da direita grega, como o “socialista” PASOK, a Nova Democracia ou o To Potami. Note-se que na Grécia e, crescentemente, no resto do mundo, “pró-europeu” quer dizer “pró-austeridade”, agora que a União Europeia foi totalmente capturada pelos interesses e pelas organizações neoliberais.

Como sabemos, não falta quem considere que Tsipras traiu o povo grego e o seu mandato à frente do Syriza, que conheceu há dias a sua primeira cisão em massa, com a saída de 25 deputados que formaram o partido Unidade Popular, liderado por Panagiotis Lafazanis. No entanto, o que me parece mais relevante na caminhada de Tsipras é como ela ilustra a crescente dificuldade que os líderes políticos actuais — mesmo os de esquerda, mesmo os anti-sistema —têm em mobilizar os cidadãos para causas difíceis e até, simplesmente, em falar a dura linguagem da verdade.

A verdade, para a Grécia como para Portugal, é que nos esperam anos de enormes dificuldades e sofrimento, quer prossigamos com a austeridade que nos transforma em eternas vacas leiteiras dos contribuintes alemães quer combatamos essa política neo-colonialista e decidamos correr o risco de inventar e construir o nosso futuro. Pelo meu lado, não tenho dúvidas na opção.

Houve uma altura onde a política era outro nome para a construção do nosso futuro colectivo, um empreendimento nobre e galvanizador, onde não faltavam enormes escolhos e cujo caminho era feito de imprevistos e de derrotas mas por onde nos impelia um sonho de dignidade e justiça. Tsipras pareceu num dado momento poder ser um desses líderes políticos mas, aparentemente, não pode ou não o sabe fazer.

Hoje, quase todos os políticos prometem um mundo cor-de-rosa a quem os eleger e ninguém tem a coragem de prometer sangue, suor e lágrimas mesmo quando esse é o caminho que devemos trilhar. Porque é ele que nos devolve a dignidade e nos permite ser livres e felizes.

Será que o povo deixou de ter a capacidade de ouvir as verdades e quer mesmo ser embalado em mentiras e promessas vãs mesmo quando as reconhece como tais?

Será que o povo deixou de ter a capacidade de sonhar um futuro diferente e melhor e apenas lhes podemos propor um regresso ao passado ou a continuação do presente para não os angustiar com as escolhas da liberdade? Será que a maioria dos cidadãos prefere mesmo a segurança da escravatura à incerteza da liberdade? Será que o mundo que os cidadãos sonham para os seus filhos é feito apenas de telenovelas e de centros comerciais?

(José Vítor Malheiros, in Público, 25/08/2015)

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