Na base poente do Cabeço da Velha [em Labiados, concelho de Bragança], junto à margem do rio Contense, sítio chamado Rachas, fica a Pala dos Mouros, também dita Pena Veladeira, sob a qual há uma gruta, a pala no dizer do povo, que pode acobertar um rebanho de quarenta ovelhas (...)
Pelos anos de 1860 foram desencantar a riqueza do Cabeço da Velha uns quantos sonhadores de tesouros, naturais de Baçal e Sacoias, acompanhados de um padre e de uma bruxa (...). Ainda conheci o padre, a bruxa (tia Martinha, de Sacoias) e os homens o tio Vicente e o tio Nicolau, aquele de Sacoias e este empregado na máquina de destilação de vinhos de Baçal.
O padre era natural de Baçal, onde faleceu em 1892, e muitas vezes me contou o caso. Ele lia, lia no Livro de S. Cipriano, o autêntico, um códice antigo, manuscrito, se bem me recordo, pois os modernos, impressos, nada valem, dizia ele, e exorcismava sem cessar (é também condição indispensável), metido dentro de um pentalfa inscrito num círculo que traçou no terreno, do qual não podia sair, sob pena de ficar tudo sem efeito; a bruxa, dentro de um signo Salomão, fazia conjuros e deitava as varinhas do condão e os homens cavavam, cavavam, sem parar e calados.
Tudo corria admiravelmente, indicando que o tesouro estava prestes a sair.
Neste comenos surge na escavação um sapo enorme, colossal (era o diabo, guarda do tesouro), a abrir e fechar a boca, num gesto de os papar a todos. Os homens aterram-se, o padre recua um pouco, saindo do círculo, a bruxa faz o mesmo e de repente a
trincheira esboroa-se, apanhando o Nicolau pelas pernas; o tesouro, uma enorme bola de oiro, maior que a roda de um carro, reginga pela ladeira abaixo, até se esfrangalhar no rio, sentindo-se nitidamente o tilintar do oiro nos fraguedos e lajes das margens, e um medonho tufão arrasta os sonhadores, por cima de carrascos e fraguedos, a muitos metros de distância, deixando-os assaz maltratados e sem poderem regressar a casa no mesmo dia ou só muito tarde.
A bruxa, porém, foi vista logo em Sacoias, sã e escorreita, com a cantarinha debaixo do braço a ir buscar água à fonte. É sempre assim! O tesouro lá está, dizem os da carolice; falta, porém, a coragem precisa para o desencantar.
Fonte: ALVES, Francisco M. – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Porto, vol. IX, 1934, pp. 631-632
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terça-feira, 6 de setembro de 2016
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