Versão A:
Em certo tempo um homem destes sítios [povoação da Póvoa, concelho de Miranda do Douro] estava cativo pelos mouros em Argel, e com tanto rigor o tratavam que, apesar de o terem sempre guardado com sentinela à vista, ainda o traziam preso com fortes grilhões de ferro, e à noite era fechado dentro de uma arca para isso apropriada. Em cima da arca dormia o mouro que o guardava.
E, em uma noite que implorava a Nossa Senhora do Naso que o livrasse de tão penoso cativeiro, com tanta fé lhe pediu que nessa mesma noite, de madrugada, apareceu à porta deste templo tal qual estava no cativeiro, isto é, ainda preso com as correntes de ferro, dentro da arca, e o mouro a dormir em cima.
Era Domingo ou dia de festa, e o mouro acordou surpreendido com o repicar dos sinos, e vendo-se em terra estranha e desconhecida, soltou logo o cristão e pediu-lhe que lhe não fizesse mal.
O cristão não era muito inimigo do mouro, apesar de o ter tido por guarda de cativeiro, ainda assim, por castigo, lhe mandou abrir um poço, ao pé do templo. O mouro pôs logo mãos à obra com tanta felicidade, que a pequena fundura deu óptima água, da qual se conserva sempre cheio, tanto de Verão como de Inverno, o que é realmente uma providência para o povo, porque esta parte do planalto é muito falto de água, e alguma que aparece é tirada de cisternas e reservatórios.
Por fim o cristão e mouro, depois de se demorarem aqui alguns dias, desapareceram, deixando os grilhões e a arca de memória à Senhora. E certo é que ainda hoje, nos dias de romaria, ali se acham expostos ao público uns grossos grilhões de ferro, que dizem ser os mesmos da lenda, e a arca desapareceu corrompida com o decorrer dos anos – dizem os habitantes da freguesia.
Versão B:
Junto à aldeia da Póvoa [concelho de Miranda do Douro], a distância de dois quilómetros, no alto de um monte, há um templo dedicado a Nossa Senhora do Naso, de construção antiquíssima, ignorando-se por quem e quando se edificou. (...)
Segundo a lenda, um homem daqui estava cativo em Argel, e, em uma noite que implorava à SS. Virgem que o tirasse do cativeiro, apareceu na madrugada à porta deste templo, ainda preso com os grilhões de ferro, que deixou por memória à Senhora.
Diz também a lenda que este indivíduo se demorou alguns dias neste lugar, durante os quais abriu um poço que, a pequena profundidade, deu óptima água, que corre perenemente, tanto de inverno como de verão, o que é uma providência para o povo, porque a freguesia é muito falta de água, sendo a maior parte da que há de cisternas ou reservatórios mais ou menos rústicos.
Versão C:
Um cristão foi a andar e achou-se na Moirama. Aí meteram-no numa arca e o moço da casa dormia por cima, para aquele não fugir. O cristão pediu do coração à Senhora do Nazo que o resgatasse, que ele lhe faria um poço para dar água para os romeiros. Um dia apareceu em terra cristã a arca com o cristão dentro e o mouro em cima. O mouro, quando ouviu tocar o sino, disse ao cristão:
– Cristianismo, in tua terra há sincernos(25)?
– Sim, muchos y buenos.
– Levanta-te, cristianismo, que em tua terra estemos.
O cristão obrigou o mouro a abrir o poço. Donde se vê que foi o cristão quem fez a promessa e o mouro quem a cumpriu.
Versão D (O cristão, o mouro e a Senhora do Naso):
Noutros tempos nas terras de Miranda os cristãos eram escravos dos mouros.
Havia então um cristão que tinha de trabalhar no duro durante o dia, e à noite era algemado de pés e mãos, e metido dentro de uma arca fechada. E em cima dela dormia um mouro que ali estava de guarda.
O cristão, que tinha muita fé em Nossa Senhora do Naso, passava o tempo a rezar-lhe, implorando que o libertasse daquela escravidão. Até dentro da arca rezava.
Por fim, num certo dia, ao amanhecer, a arca apareceu num lugar diferente daquele onde tinha ficado à noite. E em cima dela lá continuava o mouro, que acordou com o som dos sinos a tocar ali perto. Perguntou então ao cristão para dentro da arca:
– Na tua terra há sinos?
O cristão disse-lhe que sim. Então o mouro, sentindo-se vencido por aquele milagre, libertou-o e disse-lhe:
– Podes mandar-me fazer o que quiseres. O cativo agora sou eu.
Em resposta, o cristão ordenou-lhe que fizesse ali um poço. O mouro pôs-se então a escavar, sempre a escavar, e, como o cristão, nunca mais lhe deu ordens para parar, ele foi sempre escavando. E assim o poço nunca mais teve fim. Há quem fale que o dito poço não tem fundo, e que o mouro ainda lá anda a escavar.
O povo canta ainda hoje a seguinte quadra:
(25) Designação popular arcaica sinónimo de sinos. Relato semelhante, transmitido por Alzira da Conceição Martins, 67 anos, de Uva, Vimioso (2000), usa outra designação: censírios.
Nossa Senhora do Naso,
Olhai o que diz o mundo,
Que tendes na vossa veiga
Um poço que não tem fundo. (26).
(26) Também a Senhora da Orada, em Melgaço, no Minho, é venerada por razões semelhantes. É tradição antiga – diz, a propósito, Leite de Vasconcellos – que, “pela protecção desta Senhora, se livraram muitos cativos que estavam em terras de Mouros, e que, recorrendo à Santíssima Virgem, apareceram às portas deste templo, com os grilhões e cadeias com que estavam presos” (1969: 511).
Fonte – Versão A: PEREIRA, José Manuel Martins, As Terras de Entre Sabor e Douro, Setúbal, J.L. Santos, 1908, pp. 238-239. Fonte – versão B: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 7, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1876, p. 604. Fonte – versão C: VASCONCELLOS, J. Leite – Contos Populares e Lendas, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1969, pp. 734-735. Fonte – versão D: Inf.: Orquídea da Conceição Cubeiro Xavier, 40 anos; rec.: Miranda do Douro, 1999.
do livro A Mitologia dos Mouros de Alexandre Parafita
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