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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O cristão, o mouro e a Senhora do Naso - Lenda do Concelho de Miranda do Douro

Versão A:
Em certo tempo um homem destes sítios [povoação da Póvoa, concelho de Miranda do Douro] estava cativo pelos mouros em Argel, e com tanto rigor o tratavam que, apesar de o terem sempre guardado com sentinela à vista, ainda o traziam preso com fortes grilhões de ferro, e à noite era fechado dentro de uma arca para isso apropriada. Em cima da arca dormia o mouro que o guardava.
E, em uma noite que implorava a Nossa Senhora do Naso que o livrasse de tão penoso cativeiro, com tanta fé lhe pediu que nessa mesma noite, de madrugada, apareceu à porta deste templo tal qual estava no cativeiro, isto é, ainda preso com as correntes de ferro, dentro da arca, e o mouro a dormir em cima.
Era Domingo ou dia de festa, e o mouro acordou surpreendido com o repicar dos sinos, e vendo-se em terra estranha e desconhecida, soltou logo o cristão e pediu-lhe que lhe não fizesse mal.
O cristão não era muito inimigo do mouro, apesar de o ter tido por guarda de cativeiro, ainda assim, por castigo, lhe mandou abrir um poço, ao pé do templo. O mouro pôs logo mãos à obra com tanta felicidade, que a pequena fundura deu óptima água, da qual se conserva sempre cheio, tanto de Verão como de Inverno, o que é realmente uma providência para o povo, porque esta parte do planalto é muito falto de água, e alguma que aparece é tirada de cisternas e reservatórios.
Por fim o cristão e mouro, depois de se demorarem aqui alguns dias, desapareceram, deixando os grilhões e a arca de memória à Senhora. E certo é que ainda hoje, nos dias de romaria, ali se acham expostos ao público uns grossos grilhões de ferro, que dizem ser os mesmos da lenda, e a arca desapareceu corrompida com o decorrer dos anos – dizem os habitantes da freguesia.

Versão B:
Junto à aldeia da Póvoa [concelho de Miranda do Douro], a distância de dois quilómetros, no alto de um monte, há um templo dedicado a Nossa Senhora do Naso, de construção antiquíssima, ignorando-se por quem e quando se edificou. (...)
Segundo a lenda, um homem daqui estava cativo em Argel, e, em uma noite que implorava à SS. Virgem que o tirasse do cativeiro, apareceu na madrugada à porta deste templo, ainda preso com os grilhões de ferro, que deixou por memória à Senhora.
Diz também a lenda que este indivíduo se demorou alguns dias neste lugar, durante os quais abriu um poço que, a pequena profundidade, deu óptima água, que corre perenemente, tanto de inverno como de verão, o que é uma providência para o povo, porque a freguesia é muito falta de água, sendo a maior parte da que há de cisternas ou reservatórios mais ou menos rústicos.

Versão C:
Um cristão foi a andar e achou-se na Moirama. Aí meteram-no numa arca e o moço da casa dormia por cima, para aquele não fugir. O cristão pediu do coração à Senhora do Nazo que o resgatasse, que ele lhe faria um poço para dar água para os romeiros. Um dia apareceu em terra cristã a arca com o cristão dentro e o mouro em cima. O mouro, quando ouviu tocar o sino, disse ao cristão:
– Cristianismo, in tua terra há sincernos(25)?
– Sim, muchos y buenos.
– Levanta-te, cristianismo, que em tua terra estemos.
O cristão obrigou o mouro a abrir o poço. Donde se vê que foi o cristão quem fez a promessa e o mouro quem a cumpriu.

Versão D (O cristão, o mouro e a Senhora do Naso):
Noutros tempos nas terras de Miranda os cristãos eram escravos dos mouros.
Havia então um cristão que tinha de trabalhar no duro durante o dia, e à noite era algemado de pés e mãos, e metido dentro de uma arca fechada. E em cima dela dormia um mouro que ali estava de guarda.
O cristão, que tinha muita fé em Nossa Senhora do Naso, passava o tempo a rezar-lhe, implorando que o libertasse daquela escravidão. Até dentro da arca rezava.
Por fim, num certo dia, ao amanhecer, a arca apareceu num lugar diferente daquele onde tinha ficado à noite. E em cima dela lá continuava o mouro, que acordou com o som dos sinos a tocar ali perto. Perguntou então ao cristão para dentro da arca:
– Na tua terra há sinos?
O cristão disse-lhe que sim. Então o mouro, sentindo-se vencido por aquele milagre, libertou-o e disse-lhe:
– Podes mandar-me fazer o que quiseres. O cativo agora sou eu.
Em resposta, o cristão ordenou-lhe que fizesse ali um poço. O mouro pôs-se então a escavar, sempre a escavar, e, como o cristão, nunca mais lhe deu ordens para parar, ele foi sempre escavando. E assim o poço nunca mais teve fim. Há quem fale que o dito poço não tem fundo, e que o mouro ainda lá anda a escavar.
O povo canta ainda hoje a seguinte quadra:

(25) Designação popular arcaica sinónimo de sinos. Relato semelhante, transmitido por Alzira da Conceição Martins, 67 anos, de Uva, Vimioso (2000), usa outra designação: censírios.

Nossa Senhora do Naso,
Olhai o que diz o mundo,
Que tendes na vossa veiga
Um poço que não tem fundo. (26).

(26) Também a Senhora da Orada, em Melgaço, no Minho, é venerada por razões semelhantes. É tradição antiga – diz, a propósito, Leite de Vasconcellos – que, “pela protecção desta Senhora, se livraram muitos cativos que estavam em terras de Mouros, e que, recorrendo à Santíssima Virgem, apareceram às portas deste templo, com os grilhões e cadeias com que estavam presos” (1969: 511).

Fonte – Versão A: PEREIRA, José Manuel Martins, As Terras de Entre Sabor e Douro, Setúbal, J.L. Santos, 1908, pp. 238-239. Fonte – versão B: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 7, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1876, p. 604. Fonte – versão C: VASCONCELLOS, J. Leite – Contos Populares e Lendas, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1969, pp. 734-735. Fonte – versão D: Inf.: Orquídea da Conceição Cubeiro Xavier, 40 anos; rec.: Miranda do Douro, 1999.

do livro A Mitologia dos Mouros de Alexandre Parafita

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