As atribuições e competências da Câmara Municipal de Bragança, como dos seus Presidentes, integradas logicamente no quadro mais amplo da legislação aplicável às Câmaras Municipais, variaram significativamente entre 1820-2012, em função da perspetiva descentralizadora ou centralizadora com que os Governos encararam os municípios e do maior ou menor grau de autonomia que a legislação lhe concedeu.
A legislação de 1822, pela primeira vez, concedeu a Presidência da Câmara Municipal ao vereador mais votado, embora mantivesse o juiz de fora para as questões judiciais. Em 1823, na sequência da Vilafrancada, a presidência das câmaras municipais voltou a ser assumida, como era antes de 1822, pelos juízes de fora, nomeados pelo Governo, situação esta que se manteve até à instauração definitiva do liberalismo em Portugal. A legislação de 1832 reatou a doutrina estabelecida em 1822 da eleição do presidente e vereadores das câmaras municipais, mas converteu estas, praticamente, em órgãos consultivos do provedor/administrador do concelho.
Almeida Garrett, em 1854, na Câmara dos Pares do Reino, esclareceu as razões que levaram ao aparecimento do provedor/administrador do concelho. Segundo ele, “a Carta Constitucional, na superabundância do seu espírito liberal, por deferência com o nosso primeiro código político, a Constituição de 1822, por inevitável reação contra os abusos que tanto tinham despopularizado a antiga magistratura mista dos juízes de fora, deu ao vereador mais votado na eleição a presidência das Câmaras Municipais. Os legisladores de 1832, quando nos Açores se viram entalados entre este preceito a que não ousavam desobedecer, e a lei francesa que tinham assentado adotar, não acharam outro meio de sair da dificuldade, e de conciliar, na aparência ao menos, uma coisa com outra, senão a criação fatal dessas magistraturas anfíbias e impotentes para todo o bem, quanto são propensas e poderosas para todo o mal, a que primeiro se chamaram provedores de concelho, depois administradores, e que por todos os modos e métodos se tenta fazer menos obnóxias, sem jamais o conseguir”.
Ou seja, ao permitir a eleição dos Presidentes das Câmaras Municipais, o Governo entendia que nos Municípios devia existir um magistrado da sua confiança que, de certo modo, substituía o juiz de fora do Antigo Regime, zelando pelo cumprimento da legislação em vigor e fiscalizando, de modo formal ou informal, as atividades das Câmaras.
Entre 1834-1927, com maior ou menor autonomia, em função de uma tutela mais apertada ou mais liberal, a verdade é que as Câmaras se mantiveram controladas pelo Governo, através do provedor/administrador do concelho e, noutro plano, do governador civil, sem esquecermos a ameaça de dissolução que sempre pairou sobre elas, não raras vezes concretizada.
Embora a Constituição de 1822 tivesse conferido a governação económica e municipal às Câmaras, o Ato Adicional à Carta Constitucional de 1852 apenas lhes manteve a administração económica dos respetivos Municípios. A organização dos serviços municipais, a aquisição e alienação dos bens imobiliários, as obras públicas e planos de urbanização, a circulação de viaturas, a expropriação de terrenos e bens imóveis, as medidas de fomento, abastecimento público de águas, saneamento, assistência, escolas e cultura, isto é, as competências mais relevantes das Câmaras Municipais, dependiam sempre, em última instância, dos administradores concelhios, o que limitava sobremaneira a autonomia das Câmaras Municipais.
É certo que o decreto n.º 9 956, de 8 de janeiro de 1924, defendia já a extinção das funções dos administradores dos concelhos, mas considerando que tais magistrados não podiam ser extintos de momento, sem que se provesse à sua substituição “em termos mais profícuos e em condições de os libertar das nefastas influências do espírito de fação”, aconselhava a que o poder executivo pudesse atribuir o exercício das suas funções a “quaisquer entidades da sua confiança como agentes locais das vontades do poder central, sem dispêndio para o Município e para o tesouro público”.
Era extinto, assim, o cargo de administrador do concelho, permitindo-se contudo o exercício das suas funções, mediante o consentimento do Governo e de acordo com os governadores civis, sem qualquer tipo de direito a vencimento.
O decreto n.º 14 812, de 31 de dezembro de 1927, extinguiu os serviços das administrações dos concelhos, mantendo-os porém nos que fossem sede de distrito, como era o caso de Bragança. A sua extinção definitiva foi regulada pelo Código Administrativo de 1936, continuando todavia estes magistrados a exercer as funções policiais que competiam ao Presidente da Câmara até 31 de dezembro de 1937.
Assim, com o Estado Novo (1926-1974), os administradores concelhios desapareceram, mas apenas porque o Governo passou a nomear os Presidentes das Comissões Administrativas numa primeira fase, e os Presidentes das Câmaras numa segunda fase, os quais eram da sua inteira confiança, podendo livremente exonerá-los sempre que assim o entendesse.
Com efeito, o Estado Novo reduziu fortemente a autonomia das Câmaras Municipais, invertendo uma certa tendência descentralizadora que se fez sentir durante a Primeira República, e intervindo concretamente nos assuntos municipais: entre 1926 e 1937, período das Comissões Administrativas nomeadas pelo Governo, a quem competia decidir os assuntos municipais, as Câmaras não tiveram a mais pequena autonomia; com o Código Administrativo de 1936-1940, as atribuições dos Municípios passaram a constar de uma “lista taxativa”, negando-se assim àqueles a possibilidade de “prosseguirem todos os interesses comuns, próprios e específicos” da sua população.
Efetivamente, os vereadores das Câmaras careciam de um verdadeiro cunho representativo, uma vez que não eram livre e diretamente eleitos pela população do Município; e a escassez de meios financeiros anulou a possibilidade da “emergência de um poder genuíno local”, já que “boa parte das obras públicas, mesmo as de reduzida dimensão financeira, com a incidência nos espaços geográficos municipais durante o Estado Novo, concretizou-se no âmbito dos Fundos de Melhoramentos Rurais, do Fundo de Desemprego ou através das comparticipações do Estado”.
O Presidente da Câmara passou a constituir um órgão simultaneamente municipal e governamental, tendo competência “para manifestar uma vontade direta e imediatamente imputável à autarquia, e representando o Governo, de quem dependia”. Na verdade, era um magistrado administrativo, o que contribuiu “para o apagamento da autonomia da administração autárquica e da representatividade daquele que mais emblematicamente a exercia” – assim se compreendendo que o Presidente da Câmara não fosse eleito. A acumulação destas duas funções e a latitude e importância das suas atribuições conforme à tradição dos juízes de fora do Antigo Regime conferiram às Câmaras Municipais um cunho demasiadamente “presidencialista”, logo denunciado durante o Estado Novo, mas que permaneceu intacto até 1974.
Só a partir de 1976, na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, é que as Câmaras Municipais em Portugal, democraticamente eleitas através de um vasto corpo eleitoral formado no quadro do sufrágio universal, passaram a constituir uma emanação autêntica, genuína, da vontade dos habitantes dos Municípios, e a disporem de uma ampla autonomia, nomeadamente, autonomia patrimonial e financeira, autonomia regulamentar, autonomia administrativa e autonomia organizatória.
Esta autonomia, contudo, de índole administrativa, como Alves Correia bem escreveu, desenvolve-se no quadro de um Estado unitário, razão pela qual a atividade e gestão dos seus órgãos estão sujeitos à intervenção do Estado, que mantém a tutela administrativa para verificar o cumprimento da lei.
Em conclusão, podemos dizer que, sob o ponto de vista do território, o Concelho de Bragança, na Época Contemporânea, não mais recuperou a extensão que deteve no Antigo Regime. De qualquer modo, ao presente, o Município atinge uma dimensão largamente superior à maior parte dos municípios portugueses.
Quanto à organização do poder municipal em Bragança, os juízes de fora, após 1834, deram lugar ao Presidente da Câmara, embora o Governo, através da figura do administrador concelhio, continuasse a acompanhar e a fiscalizar a atividade da Câmara de Bragança – figura que aí, como em todos os municípios, foi extinta apenas com o Estado Novo, uma vez que, a partir de 1926, os Presidentes da Câmara passaram a ser nomeados pelo Governo.
Só após a restauração da Democracia em Portugal, em 25 de Abril de 1974, é que a Câmara Municipal de Bragança passou a ter uma autêntica representatividade e legitimidade, alicerçada no sufrágio universal dos seus munícipes, embora, como dissemos, a sua ação esteja sob a intervenção do Estado, no cumprimento da Constituição e das leis da República.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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