Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Recomeçarei esta crónica partindo de um ano marcante para mim, 1970, que por imperativo de ordem militar me obrigou a deixar o relativo conforto do lar para cumprir com o "dever" de uma vez mais, aspas, aspas "defender a pátria".
Em Agosto deixei Bragança e rumei a Tancos. Num espaço temporal de 24 horas a minha vida mudou radicalmente. A instituição militar desde a primeira hora, foi para mim uma fonte de ensinamentos. Não me interessa discutir aqui conceções filosóficas nem políticas, mas tão só vivências e muito pela rama tentar enquadrá-las no meu entendimento e depois passá-las para letra redonda.
Chegado a 17 de Agosto ao R.C.P. e enquadrado em formatura, sou conduzido para o batismo destinado aos que ousavam querer servir nas fileiras dos "melhores”. A Barbearia onde entrei com cabelo e saí de cabeça lisa como um ovo foi o choque mais marcante de toda a minha vida. Foi o começo de um período de três semanas em que a dúvida de saber se aquilo era real ou um pesadelo não me deixou um momento. Mas, impercetivelmente foi-se insinuando em mim uma ideia nova de ver o mundo, onde a obediência à ordem estabelecida, era um sentimento que desalojou o antigo conceito abstrato de cidadania.
Ficaram em banho-maria os Sartre os Bertrand Russell e outros cujas ideias “civis” se tornaram discutíveis e deram lugar às referências recentemente lidas de Jean Larteguy e de Robin Moore em The Centurians do primeiro e em Green Berets do segundo.
O que se passou nos três anos seguintes foi a constatação de que um país é muito mais do que a soma de todas as localidades e estradas que o compõem, é o somatório do passado, do presente e do futuro, mais o sentido coletivo do seu povo, onde a paisagem e a língua são o cimento que metaforicamente segura esta construção tangível e ao mesmo tempo abstrata.
Havia cerca de 120 000 homens servindo as Forças Armadas e havia 3 frentes de Guerra separadas entre si e do Continente onde estava sedeado o Comando que geria a logística desta tarefa demasiado complexa para que se considerasse realista continuá-la dados os custos em financiá-la e em persistir na ideia indesmentível de que cada soldado português caído em solo africano, causava uma descrença nos líderes políticos e nos comandos militares que seria patetice continuar a apoiar.
Foi longo e marcante o tempo deste desconstruir do Império e recomeçar a edificação do país que continuava em persistente estado de adiamento e longe da concordância com os seus pares da Europa e do resto do Mundo.
Por tudo isto se chegou ao Golpe Militar de 25 de Abril e à consequente retirada de África, com o cortejo dos Retornados, que foram humilhados e regressaram com uma mão atrás e outra à frente, depois de quinhentos anos de permanência constante. Não é minha intenção esmiuçar o tempo e os acontecimentos, tão só referir que a Revolução, derrotados os homens que se propuseram prolongar o PREC, o pouco digno de referência é a aceitação pela C.E.E. da adesão de Portugal no clube dos países "ricos" e desenvolvidos. Historicamente havia um atraso no tempo, da nossa capacidade de acompanharmos o progresso que os outros europeus usufruíam quase simultaneamente e nós precisávamos de uma eternidade para podermos ter os visíveis avanços da ciência. De referir também como muito positivo a criação do S.N.S., a democratização do Ensino e a revogação de leis anacrónicas, como a de considerar os géneros desigualmente, e a supressão de burocracias e abusos de poder nas fronteiras nacionais.
E seguidamente chegou o tempo de agora. É imperativo fazer uma análise, fria, desapaixonada e racional ao estado de direito que governa Portugal. O cidadão comum é pura e simplesmente a entidade que paga as loucuras, a corrupção, a falta de respeito e a impunidade de um certo grupo alargado de políticos, juízes e autarcas que se servem do que é do povo em benefício próprio sem que as polícias e os tribunais façam o seu dever sagrado que todos juraram cumprir. O de acusar, julgar e de condenar os ladrões, os corruptos e todos, mesmo todos, os que se concluiu que não cumprem com as leis da nação só porque alguém lucra com isso e a ganância se sobrepõe à contenção e à probidade.
Temos que restaurar a justiça baseada no senso comum do povo, fazer leis que não diferenciem grupos de cidadãos positivamente, quando o resto da população sofre a mão pesada da justiça, só porque não tem dinheiro para "comprar" alguns agentes do Estado e da Justiça que os ajudam a esconder provas, recorrer de sentenças vezes infindas até que os prazos se esgotam e são libertados do incómodo de terem que dar mais dinheiro e aturarem a "ralé" que serve a justiça e que eles pensam serem seus inferiores na escala social por eles imaginada .
Amanhã escreverei a 3a parte desta crónica.
Londres, 05 de Dezembro 2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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