Por: Maria dos Reis Gomes
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
Tive a sorte de passar algumas férias de verão na aldeia dos meus avós. Estávamos em plenos anos cinquenta.
Os dias voavam de tão ocupada que eu andava quer com o transporte de púcaros com água desde a fonte à casa dos avós – havia sempre um cântaro maior para encher - a modelação de pequenas peças de barro com o “lodo” que se acumulava junto à fonte, a rega – por vezes falhada – das leiras da pequena cortinha nos momentos que a água era distribuída, a observação atenta do carreiro das formigas, a boneca que se fazia de trapos e enchia com farelo, o ovo que se estrelava com casca e tudo… e a conversa com uma pequena pereira que o vento modelou com um tronco inclinado, onde eu me sentava e para quem falava já que não tinha outros ouvintes.
As crianças com idade próxima da minha estavam ocupadas com as tarefas domésticas e os mais velhos estavam demasiado envolvidos com a azáfama que a estação do ano exigia. Assim se sucediam os longos dias de estio.
Era o tempo das ceifas. O dia começava cedo para os ceifeiros. Depois de “matarem o bicho” com um pequeno almoço bem abundante que os donos da casa aprimoravam, partiam os ceifeiros e as ceifeiras para os campos de centeio situados em lugares inóspitos com trilhos de difícil acesso mas que a força braçal tinha transformado em lugares de cultivo de centeio, o cereal que à época se semeava nos terrenos pobres de “ baldio” e ajudava a aumentar o magro pecúlio de quem ali vivia.
É neste cenário que surgem “as sopas de cavalo cansado” que terminavam o almoço dos ceifeiros composto por petiscos caseiros de primeira escolha e guardados para estas ocasiões. Nesta zona os ceifeiros eram amigos e conhecidos, não ganhavam a jeira, faziam um trabalho de interajuda - hoje por mim, amanhã por ti –.
Houve um dia em que as sopas não chegaram ao seu destino. Com os meus seis anos e muito entusiasmada acompanhava a minha tia no transporte do almoço. Numa lancheira levava as benditas “sopas”. O caminho, bem afastado da aldeia era agreste e sinuoso. Aquilino Ribeiro chamou a sítios como este - “Terras do Demo”.
Sem conhecer o terreno e cheia de calor tropecei e caí, eu e as sopas… Nesse dia o descanso “pós almoço” dos ceifeiros terá sido menos risonho. O néctar dos deuses tinha sido “bebido” pela terra seca.
O episódio foi recontado vezes sem conta com a graça que lhe quiseram atribuir mas na minha memória ficou a conversa dos “ Baldios” e quando na escola primária se falou na “Lei das Sesmarias” no reinado de D. Fernando, estabeleci o paralelismo.
Com outros olhos voltei ao tema. Uma lei de 1375 e outra de 1929. Ambas se destinavam a repovoar e apostar na agricultura depois de crises de fome, de peste ou guerra.
Muito se escreveu acerca do assunto fazendo análises políticas e teses de mestrado sobretudo no que concerne à última lei.
Para mim ficou tão só o essencial de uma vida rural difícil mas genuína e o fruir da força telúrica que estas terras emanam.
Os dias voavam de tão ocupada que eu andava quer com o transporte de púcaros com água desde a fonte à casa dos avós – havia sempre um cântaro maior para encher - a modelação de pequenas peças de barro com o “lodo” que se acumulava junto à fonte, a rega – por vezes falhada – das leiras da pequena cortinha nos momentos que a água era distribuída, a observação atenta do carreiro das formigas, a boneca que se fazia de trapos e enchia com farelo, o ovo que se estrelava com casca e tudo… e a conversa com uma pequena pereira que o vento modelou com um tronco inclinado, onde eu me sentava e para quem falava já que não tinha outros ouvintes.
As crianças com idade próxima da minha estavam ocupadas com as tarefas domésticas e os mais velhos estavam demasiado envolvidos com a azáfama que a estação do ano exigia. Assim se sucediam os longos dias de estio.
Era o tempo das ceifas. O dia começava cedo para os ceifeiros. Depois de “matarem o bicho” com um pequeno almoço bem abundante que os donos da casa aprimoravam, partiam os ceifeiros e as ceifeiras para os campos de centeio situados em lugares inóspitos com trilhos de difícil acesso mas que a força braçal tinha transformado em lugares de cultivo de centeio, o cereal que à época se semeava nos terrenos pobres de “ baldio” e ajudava a aumentar o magro pecúlio de quem ali vivia.
É neste cenário que surgem “as sopas de cavalo cansado” que terminavam o almoço dos ceifeiros composto por petiscos caseiros de primeira escolha e guardados para estas ocasiões. Nesta zona os ceifeiros eram amigos e conhecidos, não ganhavam a jeira, faziam um trabalho de interajuda - hoje por mim, amanhã por ti –.
Houve um dia em que as sopas não chegaram ao seu destino. Com os meus seis anos e muito entusiasmada acompanhava a minha tia no transporte do almoço. Numa lancheira levava as benditas “sopas”. O caminho, bem afastado da aldeia era agreste e sinuoso. Aquilino Ribeiro chamou a sítios como este - “Terras do Demo”.
Sem conhecer o terreno e cheia de calor tropecei e caí, eu e as sopas… Nesse dia o descanso “pós almoço” dos ceifeiros terá sido menos risonho. O néctar dos deuses tinha sido “bebido” pela terra seca.
O episódio foi recontado vezes sem conta com a graça que lhe quiseram atribuir mas na minha memória ficou a conversa dos “ Baldios” e quando na escola primária se falou na “Lei das Sesmarias” no reinado de D. Fernando, estabeleci o paralelismo.
Com outros olhos voltei ao tema. Uma lei de 1375 e outra de 1929. Ambas se destinavam a repovoar e apostar na agricultura depois de crises de fome, de peste ou guerra.
Muito se escreveu acerca do assunto fazendo análises políticas e teses de mestrado sobretudo no que concerne à última lei.
Para mim ficou tão só o essencial de uma vida rural difícil mas genuína e o fruir da força telúrica que estas terras emanam.
Fevereiro – 2022
Maria dos Reis
Maria dos Reis
Estudou na Escola do Magistério Primário em Bragança, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira em Lisboa e na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação no Porto, onde reside.
Sempre focada no ensino e na aprendizagem de crianças com NEE (Necessidades Educativas Específicas) leccionou no CEE (Centro de Educação Especial em Bragança). Já no Porto integrou o Departamento de Educação Especial da DREN trabalhando numa perspetiva de “ escola para todos, com todos na escola). Deu aulas na ESE Jean Piaget e ESE Paula Frassinetti no Porto.
A escola, a educação e a qualidade destas realidades, são os mundos que me fazem gravitar. Acredito que, tal como afirmou Epicteto “ Só a educação liberta”. Os meus escritos procuram reflectir esta ideia filosófica.
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