Existem cinco espécies de abutres na Península Ibérica. O mais comum é o grifo (Gyps fulvus), de cor castanha. Outros dois abutres menos abundantes são o branco britango, também conhecido como abutre-do-egito (Neophron percnopterus) e o abutre-preto (Aegypius monachus). Quanto ao abutre- de-Rüppell (Gyps rueppelli), é recém-chegado ao Sul de Espanha e já foi observado em território português. Apenas um destes abutres está ausente de Portugal, o majestoso quebra-ossos.
Juntos, estes abutres são uma equipa de limpeza perfeita, eliminam carcaças de animais mortos da paisagem, previnem o aparecimento de doenças e reciclam nutrientes.
Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons |
No passado, o quebra-ossos tinha uma vasta distribuição: desde as zonas montanhosas da Europa e da Ásia, da Península Ibérica aos Himalaias, até ao continente africano, das montanhas do Atlas, passando pelas terras altas da Etiópia, até às zonas acidentadas do Sul de Africa. (1)
Distúrbios como a perda e simplificação de habitat e a caça e o uso de veneno são a principais razões para o desaparecimento desta espécie de grandes partes da sua distribuição histórica. (2)(3) Os últimos dois exemplares conhecidos em Portugal, diz o conhecimento popular, foram abatidos a tiro pelo Rei D. Carlos no fim do século XIX, no Vale do Guadiana. (4)
Na Europa, a redução do número de indivíduos e a diminuição da área de distribuição da espécie foram dramáticos ao longo do século XX. As últimas populações selvagens resistiram apenas nos Pirinéus e nas ilhas mediterrânicas da Córsega e de Creta.
Desde então, vários projetos ajudaram o quebra-ossos a recuperar territórios antigos. Na Europa, a espécie foi reintroduzida nos Alpes nos anos 70, enquanto que na Península Ibérica um programa de reintrodução tem devolvido nos últimos anos este abutre à cordilheira Bética e aos Picos da Europa. Existem também planos para o regresso da espécie à serra de Gredos. Tudo isto tem-se traduzido na criação de populações no Norte, ao Centro e no Sul da Península Ibérica. (5) Contudo, e apesar da sua recuperação nos últimos anos, esta continua a ser uma das aves mais ameaçadas da Europa.
Em Portugal, existem algumas zonas que podiam albergar populações de quebra-ossos: o Parque Nacional da Peneda Gerês, onde existem boas densidades de cabra montês e de lobos, o que garante boas fontes de alimento, ou potencialmente a Serra da Estrela, com boas zonas para nidificar e uma abundância de presas razoáveis, ou até mesmo os imponentes canhões do Douro Internacional (6). Contudo esta espécie precisa de zonas calmas, com bom habitat e poucas infraestruturas para se estabelecer e prosperar.
O quebra-ossos é um símbolo da natureza selvagem dos Pirenéus (7), o que promoveu o desenvolvimento económico das populações locais, dando visibilidade à região e criando oportunidades para o turismo de natureza. Mas para além dos benefícios económicos que esta ave pode dar, existe um argumento moral e filosófico: os animais têm o direito a existir e se por ação humana desapareceram, então o ser humano tem o dever moral de os restituir. Para além dos motivos económicos, este devia ser um dos principais argumentos para restaurarmos populações de seres vivos que pela ação do ser humano foram perdidas.
Para fazer face aos desafios ambientais, nestes tempos de incerteza, são precisas ideias novas e histórias de esperança. Restaurar as populações de quebra-ossos perdidas há dezenas e mesmo centenas de anos pode ser uma dessas histórias.
Para quando o regresso do quebra-ossos aos céus de Portugal?
Sem comentários:
Enviar um comentário