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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

As Histórias do Tio Jacinto - parte II

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

(Uma história passada num Alentejo bem distante no tempo! Como o Manel das Ovelhas, moçoilo bem apessoado, ganadeiro de ofício, deu provas da sua valentia e assim conheceu e se apaixonou pela Chica do Brejo.)

… Continuação


Assim foi que pelos dias d’alumiada, já depois da hora do maior calor e numa tarde de céu cavado, o Ti Chumiço foi direito ao filho com a seguinte ordenança:
- A ver se t’avias ó cagarilhas, qu’hoje há balharico.
- Quer o mê pai que eu vá dançar nestes trambelhos? Atão nã se dá conta das minhas aflições? Tou lá eu capaz de tamanha façanha?! – Inquiriu o Manel, de cara posta.
- Por isso mêmo. – O Ti Chumiço rematou a lamúria - Endreta-te e agarra nos quatro arrátes, que se faz tarde.
Contrariado, mas obediente ao pai, o Manel lá foi para o baile que corria junto ao campo da bola.
E estas são coisas que nem Deus adivinha, porque foi nesse dia que ele arranjou áspera confusão que lhe valeu uma reviravolta na sua vida, tão achegada a malquereres.
Acabado de plantar os pés no bailarico e logo o Manel deu de caras, ali num ajunto de pessoas, com a Chica do Brejo. A linda Chica, que morava lá para os lados da Serra da Guarita, ali bem à sua frente, toda ‘empapoilada’! Moça vistosa e de modos agradáveis. Aos rapazes até se lhe lavavam os olhos quando a viam nos bailes, tal era a sua boniteza. Grande pedaço de tempo ficou ele, de soslaio, a admirá-la.
Eis senão quando, batendo com os olhos no Justino Estarola, o Manel deu fé de uma deslavada cena. O mariola, muito senhor dos seus botões, alvorado em parvo, a mandar as suas patouchadas à Chica do Brejo. Ela corada, incomodada com tal afrontamento e audácia que o outro fingia não perceber, alheio da sua descompostura.
- Olha nã querem lá ver o garganêro com as suas dezidelas parvas? Às tantas nã sabe ler! Haveras de pensar que todo o mato é orégão, seu sarnoso? - Grunhiu o Manel ao Justino, de peito empertigado.
Ao que respondeu o outro, com ligeireza, por entre sonora gargalhada:
- Nã me querem ver este agora? Tal tá a cachamorra! Tá visto que se a inveja fosse ‘tinha’ toda a gente era careca.
O Manel ainda se encrespou mais…
- Tu põe-te fino, ó Estino… Dou-te um estrompasso nesse focinho c’a ficas com a fronha toda esbolemada e vais daqui de esgalharêta, farsolo!
- És manilha pr’a isso! - Provocou o Justino.
Juntou-se logo o povo, aos dois que ali faziam uma grande estouraria.
O Manel, espadaúdo, maltês como um alarve e mal tomado com a ousadia do confronto, não se fez rogado e pespegou-lhe duas briosas galhetas.
Tal não foi o brilharete feito que o Justino Estarola caiu de pantanas no chão. Esbandalhado e não tendo mais remissão, abalou a correr desembestado, com cara d’asno.
Riu o Manel, muito orgulhoso da sua valentia.
- Ora munto bem fêto, nã viesse meter o bodelho onde nã era chamado! Veio p’lo burro e voltou p’la albarda!
Mostrou-se a Chica do Brejo, a modes que assarapantada.
- Ai! Que até se me deu um escalafrio, Sr. Manele! Grande surraço me pregou!
- As minhas desculpas, menina Chica. É qu’eu, quando vi o Estino assim a faltar-lhe ó respêto, eu fiquei que n’em sequ’é uma bala me passava!!! Tinha que dar-le uma abênçoa no caçoiro! Mas havera mesmo era de lhe ter dado um enxugo. - Adiantou-se logo, embasocado, o Manel.
Ficaram depois calados sem ter o que dizer, mas com os olhos de esguelha um no outro.
O cair da tarde tinha esfriado e a Chica, aproveitando-se da coisa e encolhendo o xaile nos ombros, com muita graciosidade largou um espirrinho atrofiado:
- Jesus Marizéi, menina Chica! – Abençoou o Manel de imediato e logo aproveitou a deixa para a conversa - A menina, por certo nã s’enterou, mas hê-de dezer-lho eu: o Estino Estarola nã tem tacto nenhum, nasceu ralo, o coitado! Aquele alganaiso nem uns bornicos sabe estrapolar. E anda sempre por aí de ventas no ar c’as moças da aldeia. Além disso, nã é home com préstimo pr’o futuro. Nunca coalha vintém, aquilo é chapa batida chapa lembida.
- Ai Sr. Manele, que d’homes desses até tenho rescunho! Home qu’é home, pr’a mim, tem que ser de bravura e de boa cabeça e nã andar pr’aí com imposturices. Saiba o Sr. Manele que eu sou chita que nã debóta!
E aproximando-se do ouvido do Manel, rematou baixinho, num riso nervoso:
- E sabe doutra cousa que lhe conto? Também sou solta de pé e perna…
O Manel, tirando educadamente o chapéu da cabeça, avançou:
- Pois olhe menina Chica, eu cá sou lá de trás das estevas e nã tenho letras… Mas ouça o que lhe digo: vou brigar por si.
E a Chica, embosiada, muito corada…
- Ó Sr. Manele, veja lá não esteja pr’aí de mangação comigo… Ora agora é que vocemessê me partiu! O Sr. Manele diz que nã conhece letra do tamanho dum burro, mas odepois, mais parece um poeta!
E foi assim, pela hora do lusco-fusco, enquanto o Tónho Gaitinhas tocava a moda desses tempos que, sem dizer palavra e com muito jeito, o Manel das Ovelhas, pegou na mão da Chica do Brejo e os dois, nos olhos um do outro, tiveram aquela dança só para eles.
Agora sim, pensava o Ti Chumiço, seremoniando: “O mê Manele tá capaz doutra!”.


Paula Freire
- Psicologia de formação, fotografia e arte de coração. Com o pensamento no papel, segue as palavras de Alberto Caeiro, 'a espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias'.

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