– exclamou o coelho todo zangado – “
[in Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol]
O coelho de Alice, os coelhos ternurentos dos contos e lendas granjearam um enorme capital de simpatia que leva miúdos e graúdos a não suportarem a ideia de os coelhos verdadeiros serem considerados praga em determinados territórios dada a sua proliferação, e também, quer bravos ou domésticos proporcionarem a elaboração de substanciosos pratos.
Símbolo da fecundidade, os latinos chamavam-lhe cunículus, de onde precede o termo connil que os designava até ao século XV, acabando por se impor a palavra coelho ou láparo (lapparo) de origem ibero-românica.
Apício no De Re Coquinaria não o esquece, de resto foram os romanos os primeiros a apreciarem e exaltarem o valor culinário dos coelhos, tendo-os disseminado pelas ilhas mediterrânicas. Os tratados medievais também não o ignoram, na Alemanha está associado aos pratos da Páscoa, podendo-se afirmar sem receio de desmentido que a sua criação em Portugal principiou há séculos, topónimos o confirmam, por exemplo: Coelhadas, Coelhal, Coelheira, Coelheiras, Coelheiro, Coelheiros, Coelho, Coelhos, Coelhosa, e Coelhoso (esta última localidade no concelho de Bragança). Na sociedade medieval e moderna os coelhos domésticos originaram uma respeitável diversidade de pratos, as peles dada a intensa procura proporcionavam receitas bem úteis às economias caseiras.
Todas raças do coelho doméstico derivam do coelho bravo bem mais saboroso, chegaram à Península Ibérica por volta de 1100 a.C., vindos de África, assim o testemunham vestígios encontrados em escavações arqueológicas.
A carne do coelho bravo rija e menos gordurenta resulta eficazmente enquanto assada, grelhada ou salteada, a do coelho manso é mais apta para canjas, guisados, estufados, assados no forno, cozida ao vapor, frita e componente de pratos de arroz, massas, empadas, pastelões, pastéis, patés e terrinas. As cozinheiras na ânsia de concederem ao coelho doméstico um certo sabor a monte, introduzem pequenas quantidades de carqueja na preparação da branda carne, não desdenhando de a incluírem na confecção dos pratos. A idade do coelho é factor a ter em conta quando se cozinha, os jovens devem ser objecto de cozeduras rápidas, já os velhos reservam-se para guisados em cozeduras lentas, devendo previamente serem objecto de marinadas onde os líquidos a empregar – vinho e vinagre – sejam de qualidade. A carne do coelho aceita agradavelmente o alecrim, o alho, o orégão, a pimenta, o tomilho e a salsa, o mesmo em relação à mostarda, toucinho, e as alcaparras em molho. Nas terrinas (preparados quase à base de carnes misturadas) liga bem com sangue de porco.
O coelho de tamanho médio deve ser cortado em seis pedaços: as duas patas da frente, as duas coxas, o corpo cortado em dois. O fígado assado ligeiramente é excelente sozinho, ou na companhia de saladas, picado entra na composição de molhos variados.
A composição do quadro alimentar das comunidades bragançanas tinha no coelho sólido aliado, dada a abundância de caça e a criação doméstica. Actualmente escasseia o coelho bravo, mas não faltam coelhos resultantes da produção industrial à altura de abastecerem os mercados de maior densidade populacional.
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.
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