[in A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queiroz]
Na Idade-Média enquanto os pobres gemem de fome, Hugo von Trimberg no poema Der Renner, escrito por volta dos finais do século XIV, é bem explícito no tocante a tal desgraça: “há camponês que ficará grisalho e velho, sem nunca ter comido manjar branco ou figos, belugas (peixes da família do esturjão) e amêndoas”. Na época surge Taillevent a reformar a cozinha da classe rica, uma das receitas que dá a conhecer é a da «cretonnée de ervilhas» dito de outra forma um “puré de ervilhas, envolvendo galinha e ligado com ovos”. Para desgosto de Gonçalo que não gostava da D. Casimira (uma matronaça bojuda), ela preparava frango com ervilhas a recordar o célebre cozinheiro francês.
A corte francesa do rei Sol continuou a preferir pratos onde a ervilha brilhava e acariciava os palatos na categoria de guarnição de carnes, ligada a outros legumes, em saladas, sopas e purés. O cozinheiro da Casa Real portuguesa Lucas Rigaud influenciado pela escola francesa, no Arte de Cozinha, inscreveu nove receitas de ervilhas, uma apropriada à quaresma, intitulada sopa de puriga de ervilhas para dias de jejum. Puriga, de purificação, expurgação, o jejum quaresmal tinha o objectivo de purificar o corpo e alma.
Todos os receituários da cozinha burguesa do século dezanove incluem receitas de ervilhas, o de Paulo Plantier tece considerações técnicas a fim de evitar que fiquem duras por excesso de fogo, afiança serem mais saudáveis na forma de puré e apresenta uma receita de ervilhas com açúcar.
Os tratados e manuais relacionados com a domesticação das plantas asseguram que a ervilha nasceu na Ásia, na Tailândia foram encontradas sementes de ervilha numa estação arqueológica datadas de 7000 a.C., da espécie Leguminosae-Papilionoidese, considerada a aristocrata da família. Chegou à China no século VII, aí deram-lhe o nome de hu tou, o legume estrangeiro. Em diversos tipos de ervilha só se aproveitam as sementes, noutros aproveita-se a vagem, as duas classes permitem vários preparados culinários, mas numa coisa todos os trabalhos dedicados à ervilha são unânimes: as ervilhas devem ser rotundas, brilhantes e rijas, e a vagem robusta, lisa, sem manchas e não farinhentas. A ervilha torta tão apreciada no Nordeste transmontano apresenta-se numa vagem branda, frágil, aconselhando-se a ser cozinhada inteira ao al dente (ou seja: firme quando é mordida no acto de consumição). Rica em fibras, vitaminas, fósforo, glícidos e potássio, de enorme valor energético (351 calorias por 100 gramas), podem-se conservar vários meses desde que longe da humidade. Os chefes ajuízam a não conservação das vagens por mais de doze horas, as nossas matriarcas cozinheiras defendiam o mesmo por um saber adquirido ao longo dos tempos. Apesar de não lhes faltar talento, por todas as razões não podiam confeccionar as ervilhas dentro do cânone da cozinha de grandes recursos, mas sabiam e deixaram-nos receitas a fazerem prova da engenhosa maneira como as incluíram nas refeições retirando delas todos os proveitos possíveis.
Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.
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