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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 3 de junho de 2018

Pouca-terra, pobre-terra



Abandonada, amaldiçoada por acidentes, a única linha de caminho-de-ferro de Trás-os-Montes sucumbe, agora, a uma barragem. Voltarão os comboios a apitar?
Mirandela, oito da manhã. A primavera pintalgou os caminhos de roxos, rosas e brancos. As ameixeiras, as cerejeiras e os pessegueiros estão histéricos as suas cores vivas cortam a respiração. Nos campos transmontanos, é época de hinos ao rejuvenescimento. No Cachão, de hinos à decadência.
O comboio já não apita a partir desta aldeia, a sul de Mirandela, ao longo de 42 quilómetros acidentados e vertiginosos, até à foz do Tua. As travessas de madeira da linha, os centenários parafusos, os carris, as paredes dos túneis que cortam as vertentes de xisto, as pontes, os escritórios dos chefes de estação, os armazéns nos cais de mercadorias, os relógios dos cais dos passageiros estão podres, enferrujados, desalinhados, a desmoronarem-se, periclitantes, vandalizados, abandonados e partidos. "É um sinal de morte", sintetiza João Pedro Menéres, 62 anos, bisneto de Clemente Menéres que, em 1874, comprou a quinta do Romeu (Mirandela), ali erigiu a base da ainda ativa Sociedade Clemente Menéres, produtora de vinhos, azeite e cortiça, e se bateu pela construção do caminho-de-ferro.
Há 50 anos, o comboio juntou Maria Filomena e Adérito do Nascimento. A casa dos dois está a menos de 100 metros da estação do Cachão, mas foi na vizinha aldeia de Frechas que se conheceram. "Estava lá a aprender costura", conta Maria, 69 anos.
Adérito, 80 anos, era assentador do caminho-de-ferro, mas também desimpedia a via quando os nevões no planalto de Macedo de Cavaleiros barravam os maquinistas.
"Nessa altura, só para ver o comboio passar na estação tínhamos de pagar 10 tostões", lembra Maria, no quintal de casa, onde o alheado Adérito se reconforta ao sol. Em 1974, Maria também começou a trabalhar na CP, como substituta do chefe de estação, reforçando o anémico orçamento da família, que incluía cinco filhos.
A horta que hoje mantêm junto da via é a única razão pela qual ainda caminham pelos carris da Linha do Tua.
"É uma enorme tristeza. Ao eliminar-se uma linha de comboio está a matar-se toda a ideia de abertura, de ligação ao mundo. Durante anos, a gestão foi feita para diminuir o uso do comboio", acusa António Almor Branco, 44 anos, o social-democrata que preside à Câmara Municipal de Mirandela. As automotoras que ainda ligam a cidade ao Cachão o denominado Metro de Superfície de Mirandela, mantidas e exploradas pela autarquia, são tudo o que resta da ligação que, no início do século XX, perfazia 134 quilómetros, desde o Douro até Bragança.
História acidentada
Corria o ano de 1878 quando a discussão sobre a necessidade de se ligar Bragança ao resto do País e do mundo começou. A linha passaria por Mirandela e o percurso junto do Tua era uma inevitabilidade. Seis anos mais tarde, começaram os trabalhos em Mirandela e, em 1887, o percurso até àquela cidade foi inaugurado. O troço até Bragança só seria concluído em 1906.
"O meu bisavô comprou as terras em 1874 e bateu-se, nos jornais, junto dos amigos, em Lisboa e no Porto, para que a linha fosse construída", conta João Pedro Menéres. A partir de 1905, altura em que foi inaugurada a estação do Romeu, a trasfega de mercadorias, das quintas para os mercados, era feita por comboio. "O comboio continuou a ser usado até que os transportes rodoviários passaram a ser mais competitivos", nota João Pedro.
Em 1964, por ação de Camilo de Mendonça, membro da União Nacional e deputado por Bragança, foi construído o Complexo Industrial do Cachão, junto da linha do comboio. A ideia era revolucionar a agricultura em Trás-os-Montes, através de uma rede de pequenas barragens que permitiriam a reconversão das culturas de sequeiro em regadio, a transformação dos produtos no Cachão e o escoamento através do caminho-de-ferro. Em 1974, o projeto entrou no limbo pós-revolucionário de que nunca mais sairia.
O Governo de Cavaco Silva decidiu o fecho da linha entre Mirandela e Bragança, em 1991. Dez anos depois, os comboios foram substituídos por automotoras a diesel que asseguravam a ligação entre a linha do Douro e Mirandela.
O acidente de 2007 acabou com a pretensão de qualquer renovação da linha.
A seis quilómetros da estação do Douro, numa zona acidentada, onde o vale do Tua estreita e os carris avançam encostados à margem inclinada, um desabamento de terras provocou o descarrilamento da automotora, que caiu 50 metros até ao leito do rio. Morreram três dos seis ocupantes e a circulação foi interrompida.
Ano e meio depois, em agosto de 2008, um novo acidente provocou a morte a uma pessoa e ferimentos em 42, das 48 que seguiam a bordo da composição.
O comboio nunca mais circulou a morte anunciada da linha transformou-se num facto consumado.
O táxi-comboio
Quatro euros e 30 cêntimo é quanto custa o "táxi-comboio". É este o preço que Viriato Madureira, 40 anos, cobra aos clientes que saem na estação do Tua (na linha do Douro) e que querem seguir para o Cachão. Aprumado, cabelo impecavelmente penteado, um cigarro no canto da boca, Viriato espera que a unidade proveniente do Porto deixe os passageiros no cais da estação.
"Andaram os antigos a fazer esta linha para os modernos acabarem com ela", resmunga, enquanto espera que a única passageira, "uma empresária de Gondomar", embarque as malas no porta-bagagens. "Venho ver a minha filha, que tem uma criança pequena e com quem passo parte da semana", conta a passageira.
A Táxis Auto-Tuela, de Mirandela, ganhou o concurso da CP para fazer o transporte de passageiros que antes usavam o comboio do Tua.
Viriato, o pai ou o irmão fazem a viagem duas vezes por dia, levando e trazendo passageiros da linha do Douro.
Os utentes podem comprar o bilhete de comboio até Mirandela mas, na estação do Tua, mudam para o táxi de Viriato e, no Cachão, para a automotora que os leva até à cidade. No total, duas horas e quarenta minutos para percorrer cerca de 50 quilómetros.
Maria Alzira Batista, 67 anos, costumava sair da aldeia de Ribeirinha de comboio para ir a Mirandela. "Era uma alegria.
Gostava tanto de ir à cidade, às lojas, comprar enchidos.", relembra a dona do único café da aldeia, o Lucky Luke, onde orgulhosamente se ostentam vários posters do cowboy criado por Maurice De Bevere. "Hoje, já não vou não gosto da viagem no táxi." A estação de Ribeirinha, situada na margem do rio, era também o ponto de partida para os habitantes das aldeias vizinhas de Longra e Barcel. "As pessoas atravessavam o rio de barco e vinham aqui apanhar o comboio", conta Maria Alzira. Hoje, a estação está ocupada por uma família de antigos funcionários da CP. No terreno contíguo, uma horta dá as boas-vindas.
Nos troços junto do apeadeiro, começam a faltar as travessas e os ferrugentos parafusos que prendiam os carris às traves de madeira. Na margem do rio, um bote de madeira ainda é usado para a travessia mas o comboio já não passa por ali.
A barragem
Voltarão os comboios à elegante estação da Brunheda ou a trazer passageiros até São Lourenço, onde umas populares termas de águas sulfúreas continuam a atrair visitantes? Se as contrapartidas negociadas com a EDP se vierem a concretizar, os comboios regressarão a parte da linha. "O plano prevê a manutenção do canal ferroviário entre o Douro e a barragem.
Um funicular levará os passageiros até à albufeira e daí seguem por barco até à Brunheda. O resto da viagem até Mirandela será feita de comboio", explica Freitas da Costa, 61 anos, diretor do projeto hidroelétrico Foz-Tua, uma das novas barragens em construção pela EDP.
Um plano de mobilidade é uma das contrapartidas exigidas à EDP para construir a hidroelétrica na foz do rio, numa zona que obrigará à submersão de parte da linha.
Com uma contribuição de 10 milhões de euros da EDP, falta ainda uma parte substancial dos 35 milhões em que está avaliado o projeto.
Quando estiver concluída, em 2015, a barragem produzirá, num ano médio, cerca de 585 gigawatt-hora, o equivalente a cerca de 1,5 barragens de Castelo de Bode e mais do que a futura barragem do Sabor, também em construção.
Terá uma albufeira de 4,2 quilómetros quadrados, 106 hectómetros cúbicos de água armazenada e custará 310 milhões de euros.
Atualmente, os trabalhos seguem a toda a velocidade. Na margem direita do rio, no concelho de Alijó, estão localizados os dormitórios e os escritórios dos 430 trabalhadores que agora concluem os túneis para se fazer o desvio do rio e as galerias de acesso às futuras condutas de restituição, através das quais a água turbinada regressa ao leito.
Uma imagem de Santa Bárbara está à entrada do túnel onde decorrem escavações.
O nosso guia sai do jipe e inscreve os nossos nomes em folhas, junto do posto de controlo. "É uma regra de segurança.
No caso de um acidente, sabe-se exatamente quem estava dentro do túnel." E a imagem de Santa Bárbara? "Está aqui porque é a padroeira dos mineiros", explica-nos. E pelo Tua, quem vela?

Paulo Chitas

Revista Visão

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