Um casal de idosos anda há mais de 10 anos em guerra aberta com a Águas de Trás-os-Montes e Alto Douro, que entretanto se fundiu com outros sistemas municipais para criar a Águas do Norte, e a Agência Portuguesa do Ambiente por causa do efluente da Estação de Tratamento de Águas Residuais de Torre de Moncorvo (ETAR) que segundo Emília Santos e Luciano Cruz lhe tem destruído uma quinta naquela vila.
Também os vizinhos da quinta do lado se queixam dos mesmos problemas. As águas residuais da ETAR aumentaram o causal de uma ribeira, que agora transborda por vários pontos e encharca os campos a jusante. Seja inverno ou verão há sempre água. "Tiro a água de um lado mas depois aparece noutro. A quinta tinha antigamente uma linha de água, agora tem três. Está tudo estragado, eu nem durmo a pensar nisto", conta Luciano. Os dois casais avançaram com ações conjuntas para tribunal.
Emília e Luciano, antigos emigrantes em França, são proprietários da quinta da Água d'Alta, na Estrada do Rego da Barca, há 38 anos. Os outrora verdejantes e produtivos campos de olival estão transformados num charco. "O coração da quinta, que era esta canada, está morto", lamenta Luciano, que está a menos de um mês de completar 88 anos. Até à data conta 97 oliveiras que secaram, outras estão afetadas, o mesmo sucedeu às figueiras, de nove restam três. Onde chegaram a colher seis mil quilogramas de azeitona agora pouco colhem. Na horta onde plantavam legumes deixaram de o fazer porque na maior parte do terrenos não é possível trabalhar pois pessoas e máquinas ficam enterradas. A terra parece um pantanal. Tem trabalhado incansavelmente para escoar a água por um rego improvisado, também para poderem construírem uma passagem de cimento na estrada de acesso à residência, mas os esforços são infrutíferos porque a água está por todo o lado. "Colhíamos aqui tudo, mas agora já não. Nem apanhamos a azeitona de algumas oliveiras porque não se podia entrar na terra com tanta água", afirma Maria Emília.
A ETAR foi construída pela câmara, no entanto desde 2003 que passou a ser responsabilidade da ATMAD, através de contrato celebrado com a autarquia com vista à cedência de infraestruturas.
Em 2004, os lesados expuseram o problema ao anterior presidente da câmara, Aires Ferreira, com o objetivo de pedir ajuda para o resolver. O ex-autarca, entretanto falecido, mandou fazer um levantamento dos prejuízos, que em agosto de 2009 enviou para ATMAD. Nada foi feito.
Os dois casais avançaram, então, com uma medida cautelar (sob a forma de ação popular administrativa) contra a Águas de Trás os Montes e Alto Douro e Agência Portuguesa do Ambiente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF). Dá-se conta que as descargas de água feita na ETAR desde Julho de 2004 vem causando estragos avultados nos terrenos cultivados pelos quatro requerentes, nas árvores, em virtude de não estarem devidamente confinadas à conduta para onde são lançadas, transbordado para os ditos terrenos, causando um impacto fortemente negativo.
As águas residuais deviam ser lançadas na Ribeira dos Chibos sem transbordar para os prédios e sem implicar infiltrações naqueles terrenos, mas como transbordam correm ao lado. "Causando a morte de oliveiras e figueiras por fito-toxidade e encharcamento, a contaminação de uma mina de onde o produtor (Luciano) retirava água para rega e para consumo", alegam dos queixosos.
Todavia, em 2015 o TAF considerou o pedido improcedente. Dando como factos não provados que as descargas de águas residuais da ETAR desde julho de 2004 vem causado avultados estragos nos terrenos cultivados pelos autores e nas respectivas árvores de fruto, em virtude de não estarem devidamente confinados às condutas para onde são lançadas, transbordando para os ditos terrenos. "A evidência é negada, mas os danos são visíveis quer faça chuva ou sol e há testemunhas que o corroboram", explicou Castanheira Barros, o advogado dos dois casais.
Os queixosos interpuseram recurso da decisão do TAF para o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), cujo acórdão foi na linha do tribunal de Mirandela e considerou "que não ficou demonstrada qualquer relação direta de causa-efeito entre a atuação das entidades recorridas e os danos patrimoniais sofridos pelos recorrentes", uma vez que "não lograram demonstrar que tenha sido o funcionamento da ETAR a determinar o encharcamento dos terrenos, nem que o efluente tenha poluído os seus terrenos".
O TCAN admite que existem danos e que estes terão resultado do encharcamento, ainda assim considera que "não ficou demonstrado que o mesmo tenha tido origem no funcionamento da ETAR", e que a Águas do Norte "realiza frequentes análises à qualidade do efluente e que o mesmo pode ser utilizado na agricultura". Emília e Luciano não entendem a decisão e só sabem que têm uma parte da quinta estragada, admitem, no entanto, que se no início, o efluente apresentava dejetos e cheiro nauseabundo, esses aspectos melhoraram, mas Castanheira Barros garante que na propriedade do outro casal "a água estagnada continua a ter muito mau cheiro".
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