De todas as observações iconográficas perscrutadas pelos meus olhos referentes ao Senhor São Pedro a mais vibrante é a da imagem colocada no altar principal da Igrejinha de Lagarelhos. Já o escrevi e volto a escrever. Sim, formidáveis pintores, escultores, gravadores, estatuários e artistas de igual talante têm-se dedicado a oferecer-nos obras de pasmar sobre o chaveiro, que não porteiro, do Céu. Basta pensar em Grão-Vasco, Carravaggio, El Greco, recordo-me da figura de Pedro em mosaico, sem esquecer toda a emanação do significado do seu nome, pedra, rocha, na monumental Basílica de Roma.
Pois bem, o São Pedro de espessa cabeleira e barba canosas, envergando túnica azul, segurando as chaves, morador no modesto templo da aldeia outrora bem composta de viúvas de vivos (a lacra da emigração na origem), agora de viúvas de mortos (a esperança de vida é diferente), recobre as referências citadas que não as esquecendo padecem de não serem de Lagarelhos. Estou a repetir-me, dirá o leitor. Diz e tem razão.
A razoabilidade no referente a afectos (dixit Professor Marcelo) é cercada, comprimida, em forte amplexo emocional resultante dos dias felizes, despreocupados, de gritante júbilo só esmorecido ao pronunciar a palavra Mãe a dirigir-me à minha saudosa Avó materna. O fragmento da perda surgia e surge inesperadamente a lembrar quão importante é fruir a felicidade do momento, a festa em louvor do Apóstolo despido de honrarias consubstanciada em missa cantada, recitação e primeiras comunhões, procissão, farta e forte refeição agora chamada almoço, bailação até as mães quererem, representava borbulhantes horas da dita felicidade. Horas de felicidade! Essas são minhas. Nem o insaciável fisco consegue retirar-mas.
A dinâmica própria da pontada feliz expressa-se no dia 29 de Junho, aguçada irrompe dias antes a impulsionar textos não em sentido figurado, sim escorados no duplo sentir a enfrentar o esquecimento quantas vezes apaziguador de angústias, desgostos, tramas e pesadelos de olhos bem abertos.
Ora, ao evocar Pedro, pedra perene, o Orago da minha aldeia, a nossa aldeia é sempre a melhor, trago à crista da onda, o Santo, o qual antes de pescar almas pescava peixes (autêntico armador), figura no altar-mor, em patamar secundário revejo o Santo Estevão. O Santo Estevão recamado de cerejas e ginjas era levado na procissão sob os ombros dos «garotos», tocavam os gaiteiros, cantavam esganiçadas as mulheres, roucos os homens ao ritmo do Padre Aurélio.
A festa profana decorria na faceira, depois dos gaiteiros vieram as grafonolas, as rebuçadeiras vendiam guloseimas, os jogos tradicionais ressuscitam bravatas e gabarolices de forças, a estupidez dos despiques dos amorios levava a vislumbres cobiçosos, a suspiros incompreendidos, a olhares gélidos das mães e avós sentinelas.
Este passado «passou», o povo está reduzido a um punhado de residentes, o carácter de novidade seria dizerem-me do regresso efectivo de descendentes dos que partiram há dezenas de anos. Como? Para fazer o quê? Estas interrogações aguçam o delírio de utopistas conhecedores do triste fim das utopias, a retoma populacional no Nordeste não é passível de construção fácil, rápida, do pé para a mão. Tenho insistido na necessidade de pensarmos o futuro daqui a quarenta anos, de olhar à nossa volta, sugiro um passeio até Sória, a leitura sobre o fim de cidades e nações, quanto mais pequenos aglomerados populacionais.
A imigração/emigração desertificou o Nordeste, o seu poder dos votos é fraco, os decisores do litoral concedem-nos a graça de sermos pitorescos, de empregarmos o bô de espanto, de consumirmos toneladas de inveja, de enxotarmos os filhos da terra, não esqueçamos: Santos da terra não fazem milagres.
Tenhamos esperança. Festejemos as Santas e os Santos. Não esqueçam; o São Pedro é o primeiro dos Apóstolos, primeiro Bispo de Roma. Padroeiro de Lagarelhos.
Os de São Pedro de Alcântara, São Pedro da Cadeira, de São Pedro da Cova, São Pedro da Marinha, São Pedro de Moel, São Pedro de Rates, São Pedro dos Serracenos, São Pedro do Sul, de São Pedro Velho, entre muitos outros façam o favor de desculpar, só que no tocante a políticos as agências de rating a Lagarelhos concedem três AAA. Percebem a diferença?
Armando Fernandes
in:jornalnordeste.com
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terça-feira, 21 de junho de 2016
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