Foste-me embora é o título do meu oitavo livro, editado no passado mês de dezembro, em tempo natalício. É um livro intimista, de memórias, de saudade, de múltiplas perdas afetivas, humanas e materiais. Em jeito de sinopse justifico, em contracapa, a razão de ser deste livro: “Quando perdemos, ficamos sem chão. Mas é preciso falar das coisas, partilhar o sofrimento, amaciar a vida. É preciso ser solidário com aqueles que silenciosamente ainda dizem: - Foste-me embora! É preciso olhar, é preciso ver para além do horizonte da saudade. É preciso. O silêncio mata.
Por isso, aqui ficam estas breves palavras, textos dispersos, tão presentes, como a presença dos que partiram, aqui ficam e partilhamos, solidários, com todos os que perderam alguém na longa noite da partida. E nunca nos esquecemos!
Temos que falar das coisas, serenamente e este é o recado que humildemente deixo a todos aqueles que dolorosamente encostaram a porta e continuam à espera”.
Por isso, este livro foi publicado sem grande divulgação, sem festivos lançamentos, pois é um livro de partidas, de perdas. Contudo, não pude deixar de o escrever como um sinal de preito aos que nos deixaram e de testemunho da precariedade da nossa condição humana.
É uma perda infinda e indescritível quando um filho parte, a meio da noite e para sempre. Também neste livro relembro grandes amigos e grandes vultos da nossa terra e que recentemente se foram embora, silenciosamente, deixando o vazio das grandes ausências, como foi o caso, entre outros, do Padre Telmo Afonso, do Amadeu Ferreira e do Luís Vaz.
Outras perdas pessoais e familiares emergem das páginas deste livro, como gratidão pelo dom da vida.
Também não podia deixar passar em claro, neste “Foste-me embora”, sinais evidentes de outros abandonos, do delapidar do nosso património, da morte anunciada das nossas aldeias, do capitular da nossa cultura regional em detrimento duma avassaladora cultura de massas, da desumanização a que assistimos impávidos e serenos.
Embora simbolicamente, não pude deixar de ir despedir-me da ponte de Remondes, como quem se despede de um amigo, das águas fugidias do Sabor, dos remansos e da viagem sem pressa para os lados de Mogadouro. A velha ponte ficou submersa na barragem que domesticou o Sabor. Um longo funeral se segue, de oliveiras, amendoeiras, vinhas, do buxo, das fragas altaneiras, perdemos as memórias e ficará, somente, um lençol azul, sem passado e não sabemos se com futuro.
E aqui faz todo o sentido recordar o carismático texto do humanista John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
E enquanto escrevia este texto soube, dolorosamente, que Mário Soares se foi embora, ao entardecer. E aqui não há adjetivos para classificar esta enorme perda do homem que corajosamente deu sentido à dignidade humana e ao valor inigualável da liberdade.
Parece que foi ontem que Mário Soares esteve entre nós, na “presidência aberta”. Parece que ainda ouvimos o bispo de Bragança e Miranda, Dom António Rafael, “malhar” em Mário Soares, nas suas infindas homilias, para mais tarde o receber, em seus braços episcopais, com o epíteto de presidente da Catedral.
Ficamos mais pobres, Portugal fica mais pobre sem Mário Soares. Fica a obra e a mensagem ímpar que é possível viver numa sociedade sem repressões, que é possível viver em igualdade, liberdade e fraternidade.
Fernando Calado
in:jornalnordeste.com
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(Henrique Martins)
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terça-feira, 10 de janeiro de 2017
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