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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Entrevista a João Soeiro da Costa, neto de Artur Mirandela

Da esquerda para a direita: Artur Mirandela, Miguel Torga e Miguel Garcia Fernandes. Em Coimbra.
 Abril de 1960 
Foto: João Soeiro da Costa

O Memórias e Outras Coisas (MOC)…entrevistou João Soeiro da Costa (JC), neto de Artur Augusto das Neves mais conhecido por Artur Mirandela

MOC: Uma das facetas mais conhecidas do seu Avô, Artur Mirandela, tem a ver com os seus ideais republicanos e profundas convicções democráticas. Um dos episódios que se destaca é o relacionado com o acolhimento que o seu Avô deu a uma jovem espanhola vítima da guerra civil em Espanha e que passou a cuidar como se sua filha fosse. Conte-nos.

JC: Meu avô recolheu em sua casa a tal jovem espanhola vitima da guerra civil e perfilhou-a com o mesmo nome de minha mãe. Maria de Lurdes das Neves era pois o nome da sua filha mais velha e da jovem espanhola com a clara intenção de que, se fosse preciso, minha mãe serviria sempre de protecção, com o seu nome, a perguntas mais indiscretas e inconvenientes que por certo apareceriam, questionando a presença da jovem no seio da família. A altura era bem complicada e as atitudes tinham preço elevado mas a determinação de meu avô, a protecção da Dona Antoninha minha querida avó e a compreensão de todos os filhos ajudou a que hoje ainda possa abraçar com amor aquela a quem todos chamamos Patá, minha querida tia.

MOC: Os ideais democráticos e republicanos causaram dissabores ao seu Avô, e por consequência a toda a sua família. Era quase permanentemente vigiado e perseguido pelo anterior regime. Que memórias guarda desses tempos?

JC: As memórias que mais guardo do meu avô são as minhas férias, anos seguidos passados em Matosinhos durante a  minha adolescência. Na rua França Júnior 195, mesmo em frente da antiga esquadra da PSP, vivia o Senhor Mirandela, homem considerado por tudo e todos, na companhia da minha saudosa tia Helena que me aturava as traquinices. Desse tempo guardo tudo pois tudo vivi intensamente. Lembro-me dos discursos em plena rua Brito Capelo, junto ao Joãozinho chapeleiro e da atenção que despertavam as suas palavras em todos os que passavam desde o simples transeunte, às famílias que passeavam juntas e até mesmo aos policias que, cumprimentando-o pareciam entender a sua revolta. É que dizia tudo o que queria sempre com a sua voz cativante e sorriso encantador brindando a todos com a sua inesquecível eloquência. A negativa da sua retórica perante o constante alvo que constituía Salazar, a sua falta de respeito pelo medo e o seu à vontade fazia com que todos se aproximassem e lamentassem o terminar dos largos minutos que findavam normalmente com a ajuda da policia que sempre educada, serena e discretamente fazia dispersar os pequenos ajuntamentos. A policia de Matosinhos de quem recordo todas as atenções e cuidados que tinham para com o meu avô são também um exemplo de que como nesse tempo não se confundiam as coisas e que a politica,  feliz ou infelizmente para todos eles, era matéria para outros servidores do estado.
E lembro-me de mais. Lembro-me das esperas que fazia aos agentes da PIDE no topo das escadas de sua casa e dos sustos que eu apanhava quando, ao acompanhar os acontecimentos da volta a Portugal, chegava mais tarde do que a hora com ele combinada. Lembro-me da PIDE no Porto e das visitas que lhe fazia quando estava atrás das grades. Aí vi companheiros como Cal Brandão, Santos Silva, Ruela e tantos outros que não recordo o nome. Lembro-me de perguntar o que ali faziam e lembro-me de me dizerem que era apenas por falarem. Não compreendi a razão mas sempre compreendi os medos que despertavam certas palavras quando proferidas por certas pessoas. O medo da mudança perante um regime que julgava poder tornar-se eterno. Eu tenho muitas saudades das palavras de meu avô. Mas tenho mais saudades do seu exemplo.

MOC: Apoiante convicto do General Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958, não hesitou em enfrentar o anterior regime. O seu Avô contava-lhe histórias e estórias desses tempos?

JC: Meu avô levava-me para todo o lado mesmo quando ia visitar amigos mais amigos, se é que me faço entender. Levava-me para os cafés de Matosinhos e também para os do Porto. A Vila Nova de Gaia fui uma vez. A primeira e única vez que vi Miguel Torga. 
Contou-me sobre o General Humberto Delgado, quem era e o que representava. Mostrou-me fotografias do general no principal quarto da casa do 195 da França Júnior, perto do Virgílio sapateiro, fazendo a barba junto à janela escancarada acenando, sorrindo e cumprimentando o polícia que o saudava do outro lado da rua. Como vale a pena recordar! E contava-me histórias até altas horas. Sempre com um exemplo, sempre com fundo. 
Tempos de outrora que, como diz Guerra Junqueiro, passou e não volta mais.

MOC: Durante a guerra civil de Espanha, o seu Avô acolheu centenas de refugiados espanhóis. Durante a II guerra mundial foi um dos mais importantes colaboradores dos aliados. Esta maneira do seu Avô estar na vida causou transtornos à família?

JC: Os transtornos causados à família foram absorvidos na sua quase totalidade pelo próprio Artur Mirandela. De costas largas e francas lutou sempre que pode e granjeou amigos onde menos se esperava. Até dos inimigos ganhou admiração. Enfrentou o infortúnio com bravura e foi um valente até ao fim dos seus dias. Viveu em Matosinhos a sua segunda vida. Soube aproveitá-la fazendo o que sabia e foi diferente até ao fim dos seus dias.

MOC: Uma das facetas do seu Avô, de que se fala menos, prende-se com a escrita. Privou e foi amigo de Miguel Torga.

JC: Meu avô nunca teve pretensões. Sabia que não era um escritor. Pôs em dois pequenos livros as suas histórias mas era melhor a contá-las. Bem melhor. Penso que as escreveu quando se apercebeu que já não as contava bem e poucos já as ouviam como dantes. A relação e admiração por Torga sempre o marcou. Só me lembro do médico e escritor naquele almoço em Gaia. Nunca mais o vi.

MOC: Quem e como era, no seio da família, o seu Avô Artur Leal da Neves?

JC: Meu avô era o exemplo. Eu fui, dos netos aquele que com ele mais conviveu. A saudade do meu avô e dos tempos que passámos juntos marcou-me a vida inteira. Dizem que só morremos duas vezes. A primeira quando o coração deixa de bater. A segunda quando deixam de se lembrar de nós. O meu avô, graças à sua terra, aos seus amigos, a si Henrique Martins e na parte que me cabe, jamais morrerá.

MOC: Bragança e os Bragançanos, orgulham-se de tão ilustre conterrâneo. Pensa que falta fazer alguma coisa para perpetuar a memória do seu Avô, Artur Mirandela?

JC: Bragança tem-no honrado mas a nós parece sempre que nunca fazemos o suficiente. Tal como o amigo Henrique Martins, gente aparece sempre donde menos se espera, contando história, relembrando nomes, mantendo vivas lendas que são a história da nossa história. Depois há os que, como eu, lêem e consultam os "blogues" da sua terra com saudade da mesma. E encontram exemplos. Obrigado. 

Acho que Artur Mirandela diria algo assim - A cidade nada me deve e eu devo-lhe tudo o que sou, até a minha memória.
Lembro aqui a minha querida avó Antónia, meus tios Manuel, Olímpio e Leonel, minhas tias Ester, Sofia, Helena e Patá para além de minha querida mãe Maria de Lurdes. Todos, à sua maneira, souberam fazer respeitar o nome do pai e meu avô.

MOC: Quem é João Soeiro da Costa, neto de Artur Mirandela?

JC: Nasci em Bragança em 24 de Dezembro de 1946. Sou filho de João Soeiro da Costa e de Maria de Lurdes das Neves filha mais velha de Artur Mirandela. Fiz o liceu no Colégio Militar e enveredei pela carreira das armas. Completei o curso de Aeronáutica da Academia Militar, formei-me e especializei-me em aviões de caça e fui para a guerra em Moçambique no começo de 1972 tendo regressado em 1975. Estive na BA1 em Sintra, nas Lajes e no Montijo. Em 1980, retirei-me das forças armadas como major piloto-aviador e entrei na TAP onde estive até 2006. Saí então para a reforma por ter completado 60 anos. Em 2007, beneficiando do alargamento para 65 anos do limite de idade para aviadores e convidado a voar na EuroAtlantic, voltei a fazer o que gostava. Reformei-me em definitivo em 27 de Junho de 2010.

Obs*O Memórias e Outras Coisa agradece, penhoradamente, a pronta disponibilidade do amigo João Soeiro da Costa em conceder esta entrevista que irá, de modo indubitável, enriquecer o conhecimento que os Bragançanos têm sobre o ilustre filho da terra, Artur Mirandela.

Muito Obrigado meu estimado amigo João Costa.


Henrique Martins
4 de abril de 2017

1 comentário:

  1. Caro Sr. João Soeiro da Costa, sou investigadora na Escola Superior de Educação de Bragança e pretendo entrar em contacto com o senhor para conversarmos sobre o seu avô. Aguardo a sua mensagem. Lídia Santos

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