A nossa relação com o trabalho não anda longe da que mantemos com o pecado original que o primeiro livro da Bíblia carregou com tons de tragédia irremediável, renovada a cada geração chegada a este mundo para se confrontar com um horizonte de má sorte de que só se libertará para além da dor, depois de muito suor e lágrimas.
Quando a pobre Eva e o seu Adão foram expulsos do jardim das delícias ficaram a saber que a sua vida dependeria do esforço quotidiano, gastando e massacrando o corpo para redimir a alma.
Assim se foi entendendo o trabalho durante milénios, dando-lhe estatuto de pena complementar, sacrificial, mesmo degradante, que deveria encarar-se com a resignação que só a esperança na eternidade poderia suportar.
Mas, ao arrepio do texto, alguns foram encontrando penas mais leves, quando não verdadeiras graças, que os tornaram eleitos, libertando-os para a suavidade e o remanso de novíssimos paraísos.
Assim se construíram sociedades em que as minorias que controlavam as gestão da força impuseram a milhões não somente a própria subsistência, mas também a produção de excedentes para seu proveito. Daí a convicção, que prevalece, de que ter é a condição para ser realmente livre, digno, respeitável, poderoso e temido.
Desta forma a condenação primordial tornou-se produtora das condições que a perpetuaram na história da humanidade. Foram tempos longos de sociedades que consolidaram a opressão, a desigualdade e a exploração desenfreada, modelo que nos habituámos a designar esclavagista e veio até à porta das construções frágeis que são as democracias modernas.
Nalguns momentos marcantes do percurso histórico houve notícia de episódios dignificantes, como terá sido o caso de Spartacus, quase no fim da república romana, a liderar uma revolta de escravos ou, já em pleno império, quando Jesus de Nazaré terá feito vibrantes proclamações de equidade. Muito mais tarde, no trágico século XIV, sabemos de revoltas em nome da justiça e da igualdade, mas só no século XIX se deram os primeiros passos no entendimento do trabalho com um contributo inalienável de cada um e de todos para a construção de uma sociedade verdadeiramente humana.
Desde então foi deixando de ser encarado como uma condenação para se tornar numa virtude redentora, um acto fundamental de solidariedade, condição para se possam construir sociedades realmente democráticas.
Só nesse ontem, um mesmo agora da longa viagem do homem no tempo, se puseram em prática direitos que se celebram hoje, neste primeiro dia de Maio, apesar de continuarmos a conviver com a manutenção de autêntica escravatura, de servidão e de exploração inqualificável em várias latitudes e longitudes do planeta.
Na realidade, a natureza humana não muda da noite para o dia. Por isso a construção do mundo não tem conhecido rompantes de renovação irreversíveis, donde se poderá concluir que a civilização é tarefa hercúlea, provavelmente infindável, que requer o empenhamento e a boa fé de todos, para que se possa esperar um futuro de dignidade.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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