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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Mensageiro de Bragança – um jornal ao serviço de Deus, da Pátria e da Região

Em 25 de novembro de 1939, o bispo de Bragança, D. Abílio Augusto Vaz das Neves, anunciava ao clero o lançamento do jornal Mensageiro de Bragança para o primeiro de janeiro do ano seguinte, o que veio efetivamente a acontecer.
Primeira página do 1.º número do Mensageiro de Bragança, de 1.1.1940

Um bom jornal será sempre uma fonte imprescindível para o estudo da época em que se publica. O Mensageiro de Bragança, o jornal com maior longevidade no Distrito de Bragança é de consulta imprescindível para o conhecimento da realidade social, política, cultural e religiosa de Bragança, desde as suas origens até ao presente. Façamos, assim, a análise dos seus exemplares nos anos compreendidos entre 1940 e 1974.
O primeiro diretor do Mensageiro de Bragança foi, curiosamente, o cónego Manuel Nunes Formigão, natural de Tomar, e que se formou em Teologia e Direito Canónico na Universidade Gregoriana de Roma. O cónego Formigão foi conhecido como uma espécie de “apóstolo de Fátima”, tendo sido um dos primeiros sacerdotes a investigar, por incumbência superior, logo em julho de 1917, a autenticidade das chamadas “aparições de Fátima”.
Mais tarde, pôs de pé o jornal Voz de Fátima, tendo colaborado ainda com vários outros jornais regionais e nacionais. Em 1940, já com 57 anos, sendo professor e diretor espiritual do Seminário da Diocese de Bragança, tornou-se o primeiro diretor do Mensageiro de Bragança, tendo exercido essas funções até 1946. Durante esse período, teve como redatores principais o cónego Manuel Cardoso, entre 1940 e 1945, e o padre Artur Reino, de 1945 a 1946. O primeiro estreara-se nas lides jornalísticas quando ainda era aluno do liceu, num jornal académico daquele estabelecimento oficial do ensino secundário.

Entre 1958 e 1962, assumiu a direção deste jornal o padre Francisco Videira Pires, que era já seu colaborador regular, mesmo depois de ter ido para Lisboa desempenhar funções jornalísticas na Emissora Nacional e na RTP.
O padre Videira Pires, mais do que jornalista, era um ideólogo do regime político de então, tendo ganho alguma relevância a nível nacional pelo espírito combativo dos seus textos a favor do Estado Novo, nomeadamente da integridade territorial nacional, entendida como abrangendo as colónias. Tal posição, suportada em dez artigos subordinados ao título “África – Terra Nossa”, fez com que fosse concedido o prémio António Enes, instituído pelo SNI – Secretariado Nacional de Informação.
Refira-se ainda que, entre 1969 e 1970, embora a direção formal do jornal fosse da responsabilidade de Francisco João, o seu verdadeiro responsável era Manuel Sampaio, que veio a assumir formalmente a direção do mesmo a partir de 1970.
O Mensageiro de Bragança começou como quinzenário, mas, após algumas oscilações na sua periodicidade, a partir de 1950 passou definitivamente a semanário.
No passado, era uma prática comum, pelo menos entre os jornais regionais, aparecer no cabeçalho, junto do título, uma divisa sintetizadora da filosofia editorial de cada jornal. O Mensageiro de Bragança afirmava-se como jornal “católico regionalista”. No entanto, nalguns períodos mais marcados ideologicamente, a essas duas dimensões idiossincráticas do jornal, acresceu uma outra mais afirmativa da sua fidelidade ao regime: “ao serviço de Deus, o Mensageiro defende os interesses da Pátria e da Região”. Esta trilogia não anda muito longe da trilogia salazarista “Deus, Pátria e Família”, sendo que no lugar da Família aparece a Região.
Uma leitura de todas as edições do Mensageiro de Bragança saídas no período que vai de 1940 a 1968 permite-nos construir uma matriz ideológica do jornal, e que julgamos plasmar através dos seguintes critérios: características de forma e de estilo jornalístico, conteúdo editorial e informativo, e colaboradores.
Ao ler os primeiros números do Mensageiro e comparando-os com os atuais critérios de paginação, fica-nos a impressão de que se tratava de um arranjo mal feito. No entanto, comparando a sua paginação de então com a paginação de outros jornais da época, percebe-se que o Mensageiro não ficava nada a dever a esses outros jornais. Em todo o caso, os textos eram, por norma, bastante extensos e com poucas imagens, o que até se compreende, dadas as difíceis e rudimentares condições técnicas de então.
Quanto ao estilo jornalístico, sabemos que os jornais se distinguem entre si por critérios diversos, tendo em conta sobretudo o seu conteúdo editorial e informativo, mas também o estilo posto na redação das notícias e, principalmente, das reportagens.
Em termos de estilo informativo, o Mensageiro de Bragança, no período em análise, enfermava de uma pecha que se poderia aceitar naqueles anos, mas que nos dias de hoje não faria qualquer sentido. Na verdade, era frequente reproduzir, literalmente e na totalidade, alguns textos oficiais, nomeadamente os emanados da Cúria Diocesana ou do Episcopado Português.
Duas outras características de nota residiam no facto de, por um lado, confundir muitas vezes opinião com informação, e de, por outro, apresentar reportagens longas, fastidiosas, preguiçosas e “enchouriçadas”, isto é, baseadas nos vários discursos oficiais dos intervenientes nos eventos reportados.

Quanto ao primeiro aspeto, relativo à confusão entre opinião e informação, damos apenas dois exemplos.

Quanto ao caráter “enchouriçado” e preguiçoso da maior parte das reportagens, o mesmo está bem patente no facto de as mesmas se limitarem a reproduzir na íntegra os discursos das autoridades intervenientes, não requerendo qualquer esforço de escrita, nem exigindo tão-pouco a presença do jornalista no local do evento. Por outro lado, abusa-se dos textos, mais académicos que jornalísticos, sobre temas ou figuras específicos. É o caso, por exemplo, das sete páginas dedicadas a D. Abílio Augusto Vaz das Neves, numa edição em que o jornal tinha dez páginas, ou de uma outra sobre Trindade Coelho, a quem são dedicadas seis páginas numa edição que também tinha dez páginas no total.
Como é óbvio, não podemos escrutinar os critérios de edição jornalística neste período com os mesmos critérios dos dias de hoje. Teremos de ter sempre em conta a formação dos seus responsáveis, os seus recursos humanos e técnicos, bem como os seus propósitos e a sua disponibilidade. O nosso objetivo ao descrever estas características do Mensageiro de então não é fazer juízos de valor, mas tão-só apresentar factos.
Quanto ao conteúdo – o elemento mais importante de qualquer jornal e aquele que basicamente o caracteriza –, importa distinguir o conteúdo editorial do conteúdo informativo, ainda que um e outro andem associados.
Por conteúdo editorial entendemos a filosofia orientadora do jornal, subjacente à seleção dos textos e reportagens e definidora da sua natureza ideológica, em termos políticos, morais e religiosos.
Se quisermos resumir em linhas esquemáticas o conteúdo editorial do Mensageiro de Bragança no período que vai de 1940 a 1968, podemos fazê-lo nos seguintes termos: o combate aos inimigos da Igreja e do regime, à maçonaria e ao comunismo; defesa das posições mais conservadoras da Igreja; defesa intransigente do regime político vigente, personificado na figura de Salazar.
Por razões óbvias, seria impossível apresentar aqui todos os textos de ataque à maçonaria e ao comunismo.

Apresentamos apenas alguns, como elucidativos da linha editorial seguida.

Apesar de não pretendermos entrar em juízos de valor, não será necessário um grande esforço para perceber que o texto apresentado constitui um exemplo de uma visão radical, intolerante e preconceituosa em relação aos inimigos da Igreja. O jornal defende uma linha editorial que assenta no poder instituído e, por isso, anatematiza qualquer potencial adversário da ordem estabelecida.
Se a maçonaria era considerada um grande adversário, o comunismo era sem dúvida o maior de todos. São mais de 30 os textos relacionados com o comunismo, publicados no Mensageiro de Bragança durante o período que estamos a analisar.

Não se pode analisar e avaliar os quadros representativos de uma época à luz dos quadros representativos de outra época. Investigar o conteúdo editorial de um jornal como o Mensageiro de Bragança, entre 1940 e 1974, implica ter em conta também os conteúdos representativos daquele período. Neste quadro, é fácil constatar que, presentemente, os critérios de avaliação política, religiosa e moral não são exatamente os mesmos que predominaram nas décadas que temos em análise. Por isso, aqui e ali, surgem alguns textos que poderão parecer ridículos à luz dos critérios dos nossos dias, mesmo sabendo que eram a expressão de uma forma de entender a religião à luz de uma certa visão conservadora da própria Igreja Católica, sobretudo antes do Concílio Vaticano II.
É o caso, por exemplo, da “provisão” do então bispo da Diocese, D. Abílio Vaz das Neves, que proíbe o uso da concertina nos atos litúrgicos, mesmo fora das igrejas, quando nos nossos dias são frequentes os atos litúrgicos acompanhados por instrumentos musicais tradicionais para lá dos habituais órgãos.

Antes do 25 de Abril de 1974, a Ditadura, além de controlar com mão de ferro toda a comunicação social, tinha ainda uma palavra decisiva no processo de nomeação dos futuros bispos. Esse facto propiciava naturalmente a promoção dos sacerdotes fiéis ao regime ou dos que, pelo menos, não fossem incómodos para o mesmo, apesar de nem sempre essas expectativas se concretizarem.
Em todo o caso, é por demais evidente que o episcopado português, depois do período de alguma conflitualidade com o poder político da Primeira República, encontrou no Estado Novo um aliado importante, não obstante um ou outro arrufo que nunca pôs em causa a cumplicidade recíproca ao longo de todo o consulado de Salazar.
Esse contexto refletiu-se também no conteúdo editorial do Mensageiro de Bragança, que se mostrou um acérrimo defensor de todas as principais bandeiras do regime e do seu principal responsável, António de Oliveira Salazar. São tantos os textos do Mensageiro de Bragança que fazem a apologia do Estado Novo e de Salazar, que esse tema só por si daria um estudo interessante. Por causa das limitações deste espaço, compilamos apenas alguns dos títulos apresentados: “A vida antes de Salazar”; “Salazar, o estadista mais inteligente do nosso tempo” (1948); “O Estadista mais inteligente do Mundo” (1952); “Salazar e Angola”; “Salazar e Adriano Moreira”;” Salazar e o Ultramar”; “Homenagem para Salazar”; “A gratidão das mulheres portuguesas a Salazar”; “Pátria agradecida a Salazar”; “Palavras oportunas” (comentário a um discurso de Salazar em 1956); “Um notável discurso do senhor doutor Oliveira Salazar“ (1957); título, à largura de toda a 1.ª página, “Diante desta lição, eu entendo mesmo que não se devem chorar os mortos. Melhor: nós havemos de chorar os mortos se os vivos os não merecerem”, e em subtítulo “Disse, verdadeiramente emocionado, o Senhor Presidente do Conselho, referindo-se aos sacrifícios que a Missão Civilizadora impõe aos Portugueses, ao terminar a sua magistral «Declaração sobre Política Ultramarina Portuguesa” (1963); “Salazar” (na passagem do seu aniversário, em 1957) e “Um quarto de século ao serviço do renascimento pátrio” (1953).

Para lá de Salazar, o próprio regime mereceu louvores entusiásticos em diversas ocasiões, várias vezes em grandes parangonas. Por outro lado, os valores estruturantes da matriz ideológica do regime são, também, diversas vezes assumidos e defendidos pelo jornal, como se pode ver pelos textos que se seguem.
Sob o ponto de vista do conteúdo informativo, podemos distinguir a reportagem, sobretudo a grande reportagem, da pequena notícia.

Quanto à pequena notícia, os principais critérios de seleção têm em consideração:
• a importância social, política ou religiosa dos protagonistas dessas notícias, o que faz com que sejam noticiados com frequência os períodos e locais de férias ou as doenças das figuras mais proeminentes da política ou da religião do Distrito;
• a sua relação com a religião, aparecendo frequentes notícias de procissões ou outros eventos do calendário litúrgico ocorridos na mais recôndita das aldeias, sobretudo naquelas em que o pároco é também uma espécie de correspondente do jornal diocesano;
• a sua ligação à região, como facilmente se compreende, fazendo com que surjam notícias sobre eventos ocorridos no Distrito, o que nunca aconteceria se tivessem ocorrido noutra região do País;
• o impacto social dos acontecimentos relatados, como sejam tempestades, intempéries, pequenos ou grandes melhoramentos nas aldeias, nas vilas e nas cidades do Distrito, desde a eletrificação das povoações, à inauguração do fontanário, ou ao homicídio que perturba a pacatez da região, etc.
Exemplo de notícias publicadas pelo Mensageiro de Bragança, predominantemente de cariz religioso

Em termos de grande reportagem, os temas mais comuns e de maior destaque são os principais eventos religiosos, as grandes obras da região e as figuras com relevo social ou político. Merecem especial relevo os principais eventos do calendário litúrgico católico, bem como os eventos registados na Diocese, ou até no plano nacional e internacional, que envolvam a Igreja Católica e a sua hierarquia.
Um segundo tema que merece igualmente grande destaque diz respeito às inaugurações das grandes obras do regime, principalmente as realizadas no Distrito de Bragança, de que se destacam as seguintes: barragens do Douro (Picote, Bemposta e Miranda do Douro); construção e inauguração de escolas secundárias – liceus e escolas industriais; construção e inauguração de hospitais e centros de saúde; construção e inauguração de edifícios dos tribunais concelhios; e construção e inauguração de edifícios dos CTT.
A maior parte das notícias tem mais a ver com a importância social do protagonista da notícia do que propriamente com o evento em si. Fazendo um apanhado das figuras que mais vezes aparecem no Mensageiro de Bragança e às quais o jornal dá maior destaque, podemos dividir essas figuras em dois grupos, sendo que um diz respeito às figuras ligadas ao clero, e o outro à política.
No primeiro caso destacamos os seguintes “notáveis”: Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, a figura mais notável da cultura de Bragança durante o Estado Novo; o padre António Mourinho, erudito ligado à divulgação do folclore e da língua mirandesa; monsenhor José de Castro, figura do clero local, que foi perseguido pelo poder político na Primeira República, autor de uma vasta obra na área da história religiosa; o padre Firmino Martins, Presidente da Câmara Municipal de Vinhais e investigador do folclore daquele Concelho; e o padre Joaquim Rebelo, uma das figuras mais importante da cultura de Moncorvo, onde se dedicou à etnografia local.
No plano político, as figuras que merecem maior destaque no Mensageiro de Bragança, durante o período em análise, são as personalidades do Distrito que integraram os governos de Salazar: Artur Águedo de Oliveira, ministro das Finanças; Cavaleiro Ferreira, ministro da Justiça; António Gonçalves Rapazote, ministro do Interior; almirante Sarmento Rodrigues, ministro do Ultramar; e Adriano Moreira, ministro do Ultramar. Os deputados, de que se destacam os seguintes: António Manuel Gonçalves Rapazote; António José Moreira Pires; Hirondino da Paixão Fernandes; e Artur Augusto de Oliveira Pimentel. E ainda, governadores civis, presidentes de Câmara e dirigentes da União Nacional e da ANP – Associação Nacional Popular.
Exemplo de primeiras páginas do Mensageiro de Bragança em 1968 e 1973, a evidenciar a alteração da sua linha editorial

Ao longo deste período, foram muitos os sacerdotes e outras figuras da cultura, da política e da vida social do Distrito de Bragança, daqui naturais ou residentes, que colaboraram com o Mensageiro de Bragança. Alguns comungariam dos ideais políticos que definiam a matriz ideológica dos seus responsáveis, enquanto a colaboração de outros era motivada apenas por critérios de natureza literária, científica ou outra. Dos nomes mais conhecidos, destacamos os seguintes: Abade de Baçal; António Mourinho; Firmino Martins; Joaquim Rebelo; Francisco Videira Pires; Francisco Felgueiras; Casimiro Morais Machado; Hirondino da Paixão Fernandes; Martinho Vaz Pires; Manuel António Ferreira Deusdado; Norberto Lopes; e Afonso Praça.
Entre 1969-1974, podemos dizer que tanto no arranjo gráfico, como no estilo jornalístico utlizado nas reportagens, há uma certa continuidade. Porém, o mesmo não podemos dizer quanto ao conteúdo editorial ou informativo.
Quando vemos o destaque dado a algumas figuras do regime, sobretudo a alguns nomes da política distrital, e aos seus discursos nas cerimónias oficiais e na Assembleia Nacional, ficamos com a impressão de que tudo continua na mesma como no período anterior. Todavia, ao lermos os editoriais e várias secções novas, todas elas de natureza crítica do status quo político, verificamos que se trata de um jornal bem diferente do jornal do período anterior.
Esta aparente contradição leva-nos facilmente a suspeitar de um esforço enorme, por parte da direção, no sentido de um compromisso entre as pressões vindas de cima, nomeadamente do bispo da Diocese, e a vontade indisfarçável de mudança.
No sentido de perceber mais objetivamente essa contradição ou esse compromisso, pudemos reunir com alguns dos jovens de então, que colaboraram na secção mais inovadora e crítica desse período, a célebre “Tribuna dos Novos”. O seu testemunho confirmou-nos aquilo de que já suspeitávamos, ou seja, a PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado e os dirigentes locais do regime mostravam-se atentos, com muito desagrado, aos novos ventos de mudança que os textos do Mensageiro de Bragança deste período iam soprando paulatinamente.
De facto, segundo o testemunho de alguns desses jovens colaboradores, o padre Manuel Sampaio, diretor responsável pela mudança, era frequentes vezes chamado a capítulo pelo seu bispo, que por sua vez era pressionado pela PIDE no sentido de impedir a colaboração de alguns desses jovens ou de alterar a orientação que estava a ser dada ao jornal. Foi assim que alguns desses jovens colaboradores tiveram de passar a assinar os seus textos com pseudónimos, pseudónimos esses que também tiveram de ir mudando à medida que as pressões da PIDE o exigiam.
Mais do que testemunhar a continuidade, importa salientar as grandes mudanças que se registaram neste período relativamente ao anterior. Essas mudanças passaram sobretudo pelos seguintes factos: uma nova abordagem em relação a temas como as eleições, a questão da guerra do Ultramar e o diálogo com os Movimentos de Libertação das ex colónias, a tortura dos presos políticos, a liberdade de imprensa e a emigração; a publicação de textos muito críticos de figuras e práticas do regime no Distrito; a criação de novas secções de índole crítica da vida social e política do Distrito, como “O Homem do Binóculo”, “O Cantinho do Inferno”, “Cartas ao desafio”, “Temas em Debate”, “Virão um dia… ou não…”, “Posto de Observação”, “Praça do Município” e “Correio do Mensageiro”; a abertura do jornal à colaboração de muitos jovens numa secção muito criativa e de grande impacto na Cidade, sobretudo nos meios estudantis da época, a já referida “Tribuna dos Novos”.
Não podendo ilustrar cada um destes pontos, vamos apresentar um editorial, publicado sob o título de “1.ª Coluna”, e uma poesia da “Tribuna dos Novos”.

sentido crítico deste editorial é por demais evidente. Não era fácil, no contexto do regime, escrever um texto crítico que apostrofasse o comportamento do Dr. A, B ou C, com posições de relevo na hierarquia do ensino oficial e até eventualmente do regime, numa Cidade em que, não se indicando nomes, facilmente se identificava quem se ridicularizava ou satirizava nos artigos publicados. O recurso a este tipo de subterfúgios, para criticar práticas pouco abonatórias, foi frequente no período de 1969 a 1974.
A “Tribuna dos Novos” era feita de poesia, como a que transcrevemos na página seguinte, textos críticos “encriptados”, reportagens sobre muitos dos problemas sociais vividos na altura, entrevistas e, até, uma secção de fotografia da responsabilidade de Luís Cangueiro.
O Mensageiro de Bragança, entre 1969-1974, quando era seu diretor o padre Manuel Sampaio, foi uma escola de formação cívica para boa parte destes jovens colaboradores, ajudando-os a despertar para os problemas sociais e cívicos. Importa assim referir alguns dos que vieram a ter uma participação na vida social ou política, seja local, seja nacional, digna de registo: Carlos Pires, jornalista e assessor de imprensa de alguns ministros da Saúde; Ernesto Rodrigues, jornalista e professor da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; Fernando Calado, jornalista e professor do ensino secundário; José Luís Lopes da Mota, magistrado do Ministério Público e ex-presidente do Eurojust; José Manuel R. Alves, professor do IPB – Instituto Politécnico de Bragança; Luís Cangueiro, professor do ensino secundário e publicista; Marcolino Cepeda e Rita Pires, professores do ensino básico; Rosália Vargas, vereadora da cultura da Câmara Municipal de Lisboa e responsável pelo programa Ciência Viva; Telmo Seixas, empregado bancário e jornalista da imprensa local; e Teófilo Vaz, jornalista e professor do ensino secundário.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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