Dados apontam para a morte de mais de 96 mil aves por ano devido à colheita mecanizada de azeitona em Portugal mas ICNF considera que os números não são relevantes.
O primeiro alerta foi lançado em Espanha no final do ano passado: segundo as autoridades, "cerca de 2,6 milhões de aves" teriam sido dizimadas na região da Andaluzia devido à apanha mecanizada de azeitona durante a noite. Meses depois, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deu conta da morte de 480 pássaros entre dezembro e janeiro em Portugal, numa zona de 75 hectares em Avis, Portalegre.
O problema está nas máquinas utilizadas. De acordo com os meios de comunicação espanhóis, este método de colheita envolve uma forte iluminação que "cega os pássaros", impedindo-os de fugir e sugando-os. Em causa podem estar 17 espécies de aves migratórias, a maioria delas protegidas pela legislação nacional. Entre as aves mais afetadas, encontram-se pardais e verdilhões.
O então presidente do ICNF, Rogério Rodrigues, afirmou ao jornal Expresso que os números das mortes não são "estatisticamente relevantes para determinar já a proibição da apanha noturna", tendo considerado que é "necessário reforçar a amostragem na próxima época de colheita, entre outubro e janeiro", para depois serem tomadas medidas sobre o assunto, recomendando o "espantamento de aves" como alternativa por agora. A SÁBADO contactou várias vezes o ICNF mas não obteve resposta sobre como este "espantamento" se realizaria.
Mas será que o número de mortes de pássaros é mesmo irrelevante? Ora, uma "média de 6,4 aves por hectare" pode facilmente traduzir-se na fatalidade de 96 mil animais, se as contas se estenderem pelos 15 mil hectares de olival superintensivo existentes em todo o país. E este número pode ser bem maior, dado que a colheita de azeitona nos olivais decorre entre outubro e janeiro.
As notícias chamaram a atenção de Vanessa Mata e Luís Pascoal da Silva, investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-inBIO) da Universidade do Porto, localizada no Campus de Vairão, que decidiram enviar, no passado mês de maio, uma carta à revista científica Nature para "alertar a comunidade internacional" a fazer pressão para a regulamentação desta prática.
Na mesma, os cientistas denunciam a morte de "milhões de aves" na Europa devido à sucção noturna de olivais. "As árvores são despidas à noite porque as temperaturas amenas ajudam a preservar o aroma da azeitona", escrevem.
À SÁBADO, a investigadora Vanessa Mata considera que é "raro" verificarem-se temperaturas acima dos 25°C entre outubro e janeiro, o que afetaria a qualidade da azeitona. Aponta outras razões para este método ser aplicado pelos operadores dos olivais: "Parece-me a mim que será uma questão financeira, em que será mais barato recolher azeitona utilizando uma máquina a operar dia e noite, do que duas máquinas a operar apenas durante o dia."
Vanessa Mata teme que o espantamento "não adiante muito", defendendo à SÁBADO que a apanha noturna de azeitona seja suspensa até serem encontradas "soluções comprovadas que garantam a segurança, de pelo menos uma boa parte, das aves".
Quanto aos dados avançados pelo ICNF, a investigadora difere da opinião do antigo diretor do organismo, considerando que mesmo que a estimativa seja desproporcional, "continua a ser um número elevadíssimo para uma atividade tão concentrada no tempo e no espaço".
Numa resposta à SÁBADO, a GNR – responsável pelo Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) – indicou que "procedeu a diversas ações de fiscalização" depois das denúncias, cujos resultados foram remetidos para o Ministério Público e ICNF. A SÁBADO está ainda a aguardar resposta junto do Ministério Público.
E o que dizem os produtores de azeite sobre as mortes de aves?
A Associação de Olivicultores do Sul (Olivum) reconheceu à SÁBADO que "a colheita mecanizada noturna poderia provocar a morte de alguns pássaros que escolhiam os olivais em sebe para pernoitar". Referindo que a prática é habitual desde os anos 70 e comum a outras culturas como a vinha ou os cereais, a associação indica também que este tipo de colheita mecanizada é, no entanto, realizado maioritariamente durante o dia.
Face à recomendação do ICNF, a Olivum acrescenta que "alguns olivicultores testaram métodos de espantamento para prevenir impactos da colheita noturna sobre as aves" mas que a situação surgiu "numa altura em que muitos olivais já tinham mesmo terminado a sua colheita", não existindo tempo para serem aplicados novos métodos de preservação das aves. Estão em desenvolvimento novos estudos por parte do organismo mas não existem ainda dados concretos, segundo a associação que pretende "aliar a produção de azeites de alta qualidade ao total respeito pela natureza".
Em fevereiro deste ano, a Quercus e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) exigiram a proibição da apanha noturna de azeitona, pedindo a atuação rápida das autoridades. Ao Expresso, Nuno Sequeira, dirigente da Quercus, lamentou "a falta de regulamentação que permite a mortandade das aves e outros impactes ambientais, como a erosão e contaminação do solo e a poluição de aquíferos com químicos de síntese usados na agricultura intensiva e superintensiva".
No Reino Unido, a morte de aves devido à apanha noturna de azeitona está a fazer com que cadeias de supermercados queiram investigar de onde e em que condição vem o seu azeite, com uma investigação do jornal britânico The Telegraph a indicar que marcas que confirmam usar este método estão a ser afastadas das prateleiras dos supermercados. Em Portugal não existe ainda maneira de saber como podem as colheitas mecanizadas durante a noite afetar o mercado.
Diogo Camilo
Revista Sábado
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