quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Pode seguir…

 Não passava nenhum carro em Outeiro, em frente ao tronco que servia de assento, à entrada da Taberna do Chino, raros eram, que não “recebesse”, do Armandico,  a indicação.

 PODE SEGUIR!

Não se sabia bem para onde seguiriam até chegarem ao cruzamento, a seguir ao café do Chico Emílio. Ou iam para os lados de Pinelo ou para as bandas de Argozelo. Também não era importante saber. Que fossem em paz, com calma e segurança para chegarem bem ao destino.

Mas, o mais importante estava feito. O Armandico já os tinha autorizado a seguirem caminho.

Nas tardes de Verão, poucos entravam para dentro da taberna do Chino. Cá fora era o espaço privilegiado para ouvir, falar, aprender e rir… e até por vezes, sentir humedecer os olhos…

Sentados no velho tronco, em cima do toro, numa qualquer grade de cervejas virada ao contrário. O mais importante eram os sempre presentes e as histórias de vida que iam contando.

Umas verdadeiras, outras fantasiadas. Outras mais que verdadeiras mas com um enfeite de fantasia que as tornava únicas. O Chino, com a sua simplicidade e carácter, era mestre na arte de saber receber e de agradar.

A maioria dos presentes, nessas tardes de Verão, tinham rostos cansados e enrugados. Cansados por anos e anos de trabalho duro e pouco compensado… cá, pelas Franças e pelas Espanhas. É engraçado, recordo neles os olhos claros e brilhantes… uns olhos que revelavam muita mais juventude que os corpos, já curvados…

Quando um contava uma história, nem que fosse mais uma vez das mil vezes repetidas, fazia-se um silêncio sepulcral. Uns só ouviam, outros acenavam que sim, com a cabeça.

Era duro, nas minas em Espanha. Não havia dia nenhum em que não pensasse em regressar…

Fui um escravo em França. Se soubesse o que sei hoje nunca tinha ido…

De vez em quando, faziam-se uns grandes silêncios até alguém ter a coragem de o quebrar. Um dos corajosos, de voz tonante,  era o rapaz do talho ambulante…

Traz-me uma baldeirada dizia o Armandico. Faz-me uma mistura. Tira-me um café.

- Um café a esta hora? Peguntava  o Chino.

Tens razão, tráz-me um copo… mas só a meio.

Para mim um traçado.

Bom, aproximava-se a hora de ir merendar e a “rapaziada” lá ia debandando na eterna e lenta caminhada. A pressa para chegar a qualquer lado já não era muita.

Fiquei eu e o Tio António… (O Chino). Penso que o Malaquias também ficou mais um bocado.

Vamos merendar? Pergunta ele.

- Vamos, também já comia qualquer coisa... Vou buscar uma cerveja.

Entra em casa e passados 5 minutos sai com a caçadeira nas mãos. Pensava eu que tinha ido buscar um naco de presunto, ou coisa que o valha.

Fiquei a olhar.

Atravessa a estrada, em 4 passos rápidos e largos e aponta para um bando de pombos que andava “a bailar” pelas alturas nas fraldas do Sto Cristo. Dispara. Caíram dois. Lá os foi buscar junto às amoreiras. – Estes não têm dono.

- Acende o lume, diz-me.

E eu acendi… e lá merendámos uns pombos assadinhos na brasa.

Que os Deuses nos perdoem se cometemos algum crime. Não foi por mal.

P.S. Estas curtas linhas que surgiram agora, vindas de largos, saudosos e cada vez mais continuados pensamentos, são dedicadas ao Tio António (Chino) ao Tio Armando (Armandico), a todos os que sentiram e ficaram tristes com o fecho da Taberna… e aos Netos do Tio António, o Paulo e João Pedro.

HM

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