Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
A cuíca, o "bicho de bom gosto" |
Em agosto de 2008 começou-se a comercializar o café de jacu, que é a versão brasileira do café mais caro do mundo - o Kopi Luwak (como já dito acima, o Kopi Luwak é o café mais caro do mundo e o animal envolvido é um tipo de gato -ou gambá- o civeta). O café que ele come acaba saindo no estrume.
Portanto na Indonésia, há um gambá (civeta), "preparando o café". No Brasil, uma ave (jacu), fazendo a mesma coisa!
Passaram-se mais quatro anos, estávamos em 2012; um novo tipo de café começa a ser processado exatamente na mesma fazenda onde o café de jacu é produzido: trata-se do “café de cuíca”.
-É verdade que o raio não costuma cair no mesmo lugar, duas vezes seguidas? -Se nos ativermos aos fatos relatados abaixo, nos parece que sim.
Município de Pedra Azul, distante 100 km da capital Vitória, estado do Espírito Santo; fazenda Camocim: eram 120 mil pés de café. A colheita do café ocorre, normalmente entre os meses de abril e setembro. Já há um bom tempo, o senhor Rogério Lemke, administrador da fazenda, andava intrigado com o fato de, todos os dias, encontravam milhares de grãos de café, sem as cascas e ainda gosmentos, amontoados sob os pés de café. E isso acontecia do dia para a noite. O administrador observou também que isso só ocorria nas árvores dos cafeeiros cujos grãos estavam maduros; não acontecia o evento nos cafeeiros com grãos ainda verdes, nem tampouco para aqueles com grãos secos. Outra constatação: mesmo nos cafeeiros com grãos maduros, seja lá o que fosse que causava aquela “comilança”, não comia os grãos, mesmo maduros, porém com manchas ou imperfeições; segundo o senhor Evair de Melo, presidente da Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), que ajudou a desenvolver os cafés de jacu e cuíca na fazenda, seja o que fosse que causava aquilo, era um perfeccionista, pois só se saciava dos melhores grãos. Portanto, algum animal, naquela região, se preocupava em chupar os frutos maduros e adocicados do café, causando assim um espanto e possibilidade de prejuízos em curto prazo.
O administrador tomou providências, fazendo sentinelas noturnas percorrerem os eitos de café, até que foram descobertos os causadores daquele mistério: eram “cuícas”; pequenos marsupiais, mamíferos e silvestres, que guardam certa semelhança com ratos e furões, portadores de uma cauda longa e sem pelos. Os animaizinhos se penduravam nos galhos mais baixos dos cafeeiros, à noite, para se alimentarem da casca, da polpa e do mel do café maduro. Escolhiam sempre os frutos mais sadios, numa perfeita “colheita seletiva”. Em seguida, os cuícas dispensavam esses grãos, ainda com algum resquício do mel sobre a sub-casca da semente, deixando-os lá no chão, onde eram encontrados. Para evitar o prejuízo, o dono da fazenda, Henrique Sloper, resolveu recolher tais sementes “cuspidas” pelos cuícas, iniciando-se o mesmo processo que o mesmo senhor fez com o caso do “café de Jacu”; a grande diferença era que o café de jacu era engolido pela ave e depois saía na defecção, portanto passava por um processo químico natural antes de ser defecado; enquanto que para o café do cuíca, eles não eram ingeridos, mas sim cuspidos.
A partir daí, o senhor Sloper decidiu fazer testes de secagem e torra das sementes, tal como já havia feito para o café de jacu, para saber exatamente, na xícara, o quê se poderia esperar de tal tipo de café.
QUANTO CUSTA O QUILO DO CAFÉ?
CUÍCA - R$ 900
Os grãos cuspidos pelo animal são recolhidos manualmente do chão, e secos em terreiro suspenso.
JACU - R$ 450
Os frutos maduros comidos pela ave são liberados nas fezes, que não têm cheiro, e limpos manualmente.
CAFÉ ESPECIAL - R$ 60
São cafés de qualidade superior à média, feitos somente de grãos arábicas, com doçura e acidez equilibradas.
PREÇOS PARA O CONSU MIDOR
-O civeta (Kopi Luwac) consome apenas 25 sementes por dia e a produção anual não ultrapassa os 230 quilos. O processo digestivo é longo.
-O jacu, consome cinco a seis vezes mais que o civeta. O processo digestivo é inferior ao civeta.
-O cuíca não ingere o grão do café, apenas comem a casca e a polpa adocicada. Como muito, se considerarmos seu tamanho.
TÍMIDAS E CRITERIOSAS
Os cuícas são animais ariscos. Eles têm hábitos noturnos, portanto é quase impossível vê-los à luz do dia, quando permanecem escondidos.
O fato de a fazenda Pedra Azul ser circundada por matas nativas e parques nacionais, torna o habitat ideal para animais de tipos diversos, tais como o jacu e o cuíca. A fazenda se beneficia do fato ainda mais por que as pragas que sempre atacam as lavouras de café, o fazem por não terem onde se alimentar, função que as matas no entorno assumem. Por se tratar de uma propriedade de produção orgânica (não usam inseticidas e tais), toda uma extensa variedade de flora e fauna se alimenta à vontade sem correr riscos. A colheita dos grãos cuspidos pelos cuícas é ainda mais trabalhosa do que aqueles defecados pelos jacus; pois para esses é necessário pegar grão por grão, enquanto para aqueles são colhidos como uma fieira, conjuntos de duas dúzias ou mais por defecção. Para a colheita das fezes do jacu, são utilizados espetos especiais, enquanto que para o café dos cuícas, são apanhados manualmente pelos trabalhadores da fazenda que têm que se agachar e pegar grão por grão, acomodando-os em sacolas a tiracolo, as mesmas usadas para coletar o café de jacu. Um dos cuidados para coletarem os grãos do café dos cuícas é que a coleta deve ser feita diariamente, sob risco das sementes serem fermentadas no chão. Então, os grãos colhidos são transportados para secar em um terreiro suspenso, protegido por estufa, onde a temperatura e a umidade são controladas. Após a secagem, os grãos passam por uma limpeza e estocados, descansando até a torragem. A fazenda Camocim fez testes por mais de um ano, para chegar ao melhor grau de torragem e ao tamanho do grão moído, até chegar à xícara dos apreciadores; ainda que muito caro.
O JACU PIONEIRO
Isabel Raposeiras |
A previsão do café de cuíca é uma produção bem menor, da ordem de 100 quilos/ano, porém ao preço de R$ 900 o quilo.
É interessante fazer observar aos leitores, que os cafés especiais da fazenda Camocim foram inspirados pelo Sr. Sloper enquanto assistia um filme, conforme mencionado no prólogo. O kopi luwac, famoso café da Indonésia, cujos grãos são retirados das fezes da civeta (animal semelhante ao gambá) custam US$ 493, o quilo (cerca de R$ 1.000).
Marco Suplicy |
Deixando de lado os protocolos rígidos de degustações profissionais; já que a ideia era somente colher as primeiras impressões de especialistas, foi realizada a primeira amostra do café de cuíca, que não circulou comercialmente. O jornal paulistano Folha de São Paulo convidou três experts para provar a bebida às cegas. Isabela Raposeiras, do Coffee Lab; Marco Suplicy, do Suplicy Café; e Cecília Sanada, do Octávio Café. Eles aceitaram o desafio e fizeram provas informais com uma pequena quantidade de grãos.
Cecília Sanada |
Foram as mesmas conclusões a que o norte-americano Andrew Barnett e o holandês Willem Boot (ambos provadores profissionais), tinham chegado à última semana, em prova acompanhada pela Folha de São Paulo na fazenda produtora.
EXCESSO DE TORRA
-Para Isabela Raposeiras o excesso de torra inibiu o potencial do café. "Esse café cru deve ser de qualidade, tem doçura elevada e é limpo. Mas, a acidez é muito baixa [especialistas se referem à acidez como sinônimo de qualidade]."
-Marco Suplicy achou a bebida "agradável", com "bom corpo" e "nota de mato". "Mas sinto uma aspereza, não é uma bebida nem mole, nem estritamente mole [as melhores categorias da bebida]."
-Já Cecília Sanada diz que o café perde em aroma. "Não é acima da média”. Por outro lado, chama a atenção para a doçura acentuada e para um "amargor que não chega a atrapalhar a bebida".
Segundo o fazendeiro Henrique Sloper, os lotes que chegarão ao passarão por ajustes de torra, a fim de fique "mais delicado".
Segundo o biólogo Luiz Felipe (blog Biodiálogo), o Brasil possui cerca de 50 espécies de marsupiais, com as mais variadas formas e hábitos. No entanto, a maioria das pessoas crê que os marsupiais existem apenas na Austrália (cangurus, por exemplo), ignorando totalmente a grande diversidade brasileira desses animais. Os marsupiais são mamíferos que, em geral, possuem uma bolsa marsupial, onde protegem e amamentam seus filhotes durante o final de gestação. Convém notar que nem todos os marsupiais possuem de fato o marsúpio, talvez por isso, algumas pessoas os confundam com roedores.
Como é: é um mamífero marsupial - como o canguru, as fêmeas são dotadas de uma bolsa chamada marsúpio, que contém as tetas e serve para carregar os filhotes.
Onde vive: é encontrado na região que vai do México à Argentina.
Quanto mede: quando adulta, seu corpo pode alcançar cerca de 30 cm de comprimento, e sua cauda pode ter outros 30 cm.
Que cor tem: seu dorso é cinza-escuro, e as partes inferiores, amarelo-clara e manchas da mesma cor acima dos olhos.
O que come: animal onívoro que se alimenta de matéria vegetal e animal - metade da sua alimentação é de frutas. Tem entre 40 e 50 dentes.
Curiosidade: também se alimenta de serpentes; mesmo as mais venenosas. São imunes ao veneno dessas.
Nota do Autor: Os preços indicados no texto referem-se ao ano de 2007
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 9 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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