Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
A minha rua apesar de ser assim
As outras para mim não têm mais valor
Foi nessa rua onde nasceu minha mãe
O meu pai e eu também
E onde vive o meu amor !
As outras para mim não têm mais valor
Foi nessa rua onde nasceu minha mãe
O meu pai e eu também
E onde vive o meu amor !
(Versos de uma canção popular da minha juventude . Cantava Maria Clara).
Volto assim, como havia prometido à Rua S. João de Deus, mais conhecida por Caleja do Forte, onde se centram os meus sentidos que vão ajudar-me a pôr em letra redonda algumas das minhas recordações de criança e adolescente.
No lugar do Pontão que era em frente à casa e oficina do Manuel Reis, desenvolvia-se toda a parte lúdica da rua que no tempo da minha criação tinha mais crianças do que há hoje em qualquer Escola da cidade. Era aí que os adultos passavam para acederem a suas casas e onde a garotada, livremente e sem impedimentos, brincava.
O Tio Manuel Reis era de um feitio quezilento, sem ser violento, pois sempre queria que as coisas corressem a "su manera ". Dada a azáfama da sua oficina a Rua era ocupada pelas bicicletas que na espera de conserto a ocupavam, umas desmanteladas outras esperando que as reparassem de males menores mas impeditivos da sua circulação.
Naquele tempo não havia os pruridos de comportamento que hoje há na sociedade e a maioria vestia modestamente e os remendos na fatiota, ou os arames nas biqueiras dos sapatos eram o pão nosso de cada dia. Os que se aproximavam mais dos padrões actuais no respeitante à vestimenta eram uma mão cheia de meninas e um número diminuto de rapazes que quando se tratava de jogar ao berlinde ou ao futebol se deitavam ao chão que normalmente tinha óleo respingado por aquela catrefa de bicicletas, motorizadas e motores de rega que se sobrepunham a todos os lamentos das mães que se manifestavam contra o facto de a garotada se sujar e esfarrapar entre a saída de casa de manhã e o regresso para almoçar.
A produção e correspondente ocupação do solo era uma prerrogativa que o Reis usava sem que alguém pudesse impedir o uso e abuso do espaço circundante, pois com a saída, ou morte? da tia Lamega, o Reis comprou a casa do lado oposto e fez dela armazém e loja de bicicletas, motorizadas, motores de rega e peças sobresselentes. O status quo era indiferente às pretensões de qualquer das partes pois ninguém se opunha ao desfrute do espaço público. Garotos não faltavam e farragachos também não.
A seguir ao Reis morava a menina Estrela, que era gorda mas muito meiga. Era amiga do Sr. Carreta e a roda do sol não parou por causa dessa amizade. O Frederico ia -lhe fazer as compras ao Pousa e ao Sr. Raul azeiteiro e quando ia ao Pousa comprar fósforos de cera, pedia sempre em latim que só nós entendíamos: Sô Pô di a menina Stê qui mi déze una cás di fofiá (sic). O Pousa coçava a cabeça e dizia para o Gata Russa: - Vê lá o que quer esse que eu não o entendo.
Do outro lado era a casa da tia Cândida Ramires que era a habitação do Sr. Carreta, que era alfaiate no Garrido e "vonveiro" voluntário de “Vragança " e do seu irmão Guitarra que era caçador e tinha sete cães. Era um castiço e queria aos perros como se fossem seus filhos. Não fazia mal a uma mosca, mas coelhos e perdizes não faltavam no seu tempo. Moravam também na dita casa a filha Maria Helena, duas netas, Bernardete e Sofia e a tia Cândida Ramires que já era Senhora de idade e já quase não saía da cama.
Do lado contrário vivia a tia Belizanda Barradas que já era viúva e tinha filhos já adultos, o Arlindo morava em S. Lourenço, o Benjamim estava na África e o Zé que era Sargento Músico e casou com a minha prima Rosa estava na tropa algures d' ó por aí abaixo. No andar superior morava a Albertina com os seus três filhos: Helena, Fátima e Valdemar. Mais tarde quando a Albertina foi com os filhos (as) para Lisboa morou nesse andar o Sr. Artur Belizário e a Ermelinda. Nos baixos da tia Cândida Ramires, primeiramente morou a Helena Ferra e quando saiu foi viver para lá a tia Maria Mônica, mulher de quem já escrevi algo e que para mim foi a pessoa mais pura que me foi dado conhecer em todo o tempo que levo de vida.
Lado oposto, casa do Sr. Garrido e Sra. Belizanda com os seus filhos António e Adelaide, Laila para o povinho. Recordo esta família como uma das mais íntimas e de quem continuo a sê-lo, mesmo que ambos os maiores hajam falecido.
Do lado esquerdo ascendente depois da Ferra nesse tempo vivia a avó do Carlinhos da Sé e o próprio Carlinhos que já estava internado no Albergue de onde fugia sempre que o Polícia Mau, lhe "zurzia o aparelho ". Seguidamente viveu lá a tia Santana e o Fernando que ela criou e que mais tarde esteve no Patronato e que não vejo há muitos anos. Em frente e do lado direito ascendente vivia o casal sem filhos, penso eu, Tio Abílio Engraxa e a mulher tia Albertina do Engraxa, que trabalhava no cinema e era uma senhora fantástica pois tinha sempre um rebuçadinho para dar à garotada. Trazia sempre dois ou três cartazes do cinema "fly overs" para nos dar quando ela achava que os filmes eram bons para nós.
Do mesmo lado e na casa seguinte morava o Sr. Belchior, esposa e filho, Zé Lula, que teve venda de peixe no mercado e foi para-quedistas. Outro grande amigo meu dos meus tempos de menino. Esquerda ascendente, casa da menina Celeste madrinha do Moisés. Era gente abastada da aldeia que às vezes era ocupada por estudantes e recebia os víveres que eram transportados numa burra que parecia a do presépio, pois era mais mansa que uma rola. Penso que esta senhora era da família dos Silvanos mas como era pouco dada a conversas nunca fui muito sabedor das ligações, excluindo que era madrinha do Moisés.
Na casa a seguir moravam os sogros do Professor Maximino e a esposa que continuou a viver ali por muitos anos. Hoje pára por aqui pois falta-me a disponibilidade para chegar ao cimo.
Brevemente retomarei a tarefa de findar a resenha histórica.
Até amanhã se Deus quiser.
Bragança, 07/06/2022
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Sem comentários:
Enviar um comentário