A arqueóloga coordenadora da equipa que descobriu as várias figuras pintadas nos abrigos da serra dos Passos/Santa Comba, faz questão de ressalvar que a instalação do parque eólico, “tal como está formulado, não coloca em perigo os painéis conhecidos, ou seja, sob o ponto de vista da investigação, o parque não é um óbice, não destrói nada”, afirma.
No entanto, Maria de Jesus Sanches adianta que, há cerca de dois anos, “alguns investigadores estão a trabalhar no inventário para uma candidatura a património da humanidade da UNESCO de um conjunto de quatro núcleos”, um deles da serra dos Passos/Santa Comba, o único em Portugal que concentra cerca de meia centena de abrigos com pinturas do período da pré-história (do Neolítico e do Calcolítico).
Aqui sim, Maria de Jesus Sanches não tem dúvidas que o parque eólico vem deitar por terra essa possibilidade. “O núcleo da Serra de Passos/Santa Comba é o mais ocidental de outros três de Castilha e Leon, que são o de Las Batuecas, o El Duraton e o El Balonsadero e o objetivo era ser uma candidatura conjunta como aconteceu com a pintura esquemática da área mediterrânea, classificada em 1998. Sob este ponto de vista, o parque eólico impede que o conjunto seja tido como um todo”, reconhece.
A arqueóloga acrescenta que o núcleo da serra dos Passos/Santa Comba era de extrema importância para o sucesso da candidatura à UNESCO. “A parte mais importante é que os abrigos pintados correspondem a uma ocupação humana no local, com o buraco da pala, os povoados e até dois castros, ou seja, é uma referência para as comunidades que ao longo de toda a história viveram ali à volta e na própria serra, pelo que não se pode partir uma unidade aos bocados com pinturas do lado nascente, sul e do poente e no centro um parque”, refere.
Maria de Jesus Sanches deixa entender que há várias atividades que são feitas com regularidade na serra que podem vir a ser prejudicadas com a instalação do parque eólico. “Há a presença física na serra que tem um dos maiores centros de escalada, de geocaching, de parapente e de caminhadas”, lembra.
A arqueóloga revela ainda que Direção Regional de Cultura, que é a Tutela do Património Cultural, em função do trabalho realizado até 2014, “achou pertinente propor o alargamento da área classificada e, por outro lado, continuámos a nossa investigação, de modo que a área proposta na altura para classificação já não engloba toda a realidade conhecida até ao presente. E nessa medida estávamos a finalizar os documentos para novo alargamento, que abrangeria toda a Serra pois a condição cimeira para que um Património Cultural Material seja classificado pela Unesco é que esteja classificado nos seus países de origem”, conclui.
CÂMARA DESCONHECE CANDIDATURA
Confrontada com estas declarações, a presidente da câmara de Mirandela reitera que o património classificado fica salvaguardado com a instalação do parque eólico e que não tinha conhecimento oficial de qualquer candidatura a património mundial da Humanidade da UNESCO. “Desde 1986 que há várias investigações na serra e até agora nunca foi sequer mencionada a questão da candidatura da UNESCO. O que foi dito nas recentes jornadas de arqueologia aos investigadores e arqueólogos é que houvesse essa participação ao nosso PDM porque sob o ponto de vista jurídico a câmara municipal tem de cumprir o que está preconizado no PDM e em outros instrumentos de gestão territorial e estamos sempre reféns daquilo que está protegido e efetivamente o valor patrimonial que foi classificado e que está em vias de classificação está protegido. Relativamente à candidatura, pelo que me dizem os serviços municipais é que nunca houve essa pretensão”
A autarca acrescenta que existem opiniões muito divergentes sobre esta questão da compatibilidade das pinturas da serra com a instalação do parque eólico. “Por exemplo em Foz Coa, efetivamente não era compatível porque as gravuras ficavam debaixo de água, mas neste caso, há opiniões divergentes naquilo que é a compatibilidade de usos múltiplos da serra, quer para fins de atividades desportivas, quer para fins turísticos. Por exemplo, a escalada que segundo dizem tem condições ótimas na serra, mas que é muito perigosa para as pinturas e portanto há atividades que estão neste momento a acontecer que são ainda mais violentas para aquilo que é o nosso património”, conclui.
A instalação do parque eólico de Mirandela na Serra dos Passos/Santa Comba continua a ser alvo de diversas reações
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