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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 11 de setembro de 2022

Saudades dos abelharucos

 “Os abelharucos são como as papoilas, um prazer e uma moinha. É a combinação do belo e do efémero.” Paulo Catry fala-nos destas aves esquivas e fiéis aos amigos, que por estes dias já partiram para África.


Beira-Interior, 5 de setembro 2022

Passaram hoje bem lá no alto, num bando único, mais ouvidos que vistos, os últimos abelharucos. Apressados iam, olhos postos no sul. Já vão um tudo-nada tarde, normalmente os últimos registam-se por aqui, com metronómica pontualidade, nos primeiros três ou quatro dias de setembro.

Os abelharucos são como as papoilas, um prazer e uma moinha. É a combinação do belo e do efémero. Das papoilas todos sabemos desde o dia em que colhemos uma. E dos abelharucos? Partem de súbito (ainda há uma semana eram abundantes), o verão geralmente bem instalado e quase indiferente ao outono que aos poucos se aproxima. Partem cedo quando por certo podiam ainda ficar, sem se terem demorado o suficiente. Tão omnipresentes onde há matos e montados, com os seus chamamentos líquidos, mas sempre esquivos, escondidos na contraluz, pouco os vemos de perto e apenas por um fugaz segundo.

Abelharucos (Merops apiaster). Foto: Ethnobob/Wiki Commons

Chamam-lhes outros nomes, barranqueiros, por exemplo, de furarem os ninhos por taludes, que podem ser de estradas e caminhos, de rios e até do mar. Papa-abelhas, abelheiros, mal-amados pelos apicultores, se bem que comem tantos outros insetos (e, sobretudo, que as abelhas enfrentam problemas bem maiores que os abelharucos).

Os abelharucos quando voam não se calam. É a forma de se manterem em contacto quando a caça aos insetos os dispersa por uma área considerável (na verdade não é área, é volume de atmosfera). Aquele som suave viaja longe no espaço aberto. Mesmo apartados, não se perdem enquanto cada qual persegue a sua presa desgarrada.

O mecanismo parece meio inverosímil, os abelharucos no ar são até difíceis de ver. Como é que, sempre em voo de um lado para o outro, podem não se perder só com base nuns pios de difícil localização? Custa a acreditar, mas um estudo relativamente recente* demonstrou que os abelharucos chegam a viajar milhares de quilómetros, durante semanas, em conjunto com os seus amigos (Nota: digo que são amigos porque tal parece uma evidência. O que quero sublinhar é que não são necessariamente membros do mesmo grupo familiar; alguns dos compadres e das comadres que juntos atravessam continentes e mares nem sequer nidificam nas mesmas colónias).

Num exemplo admirável de coesão, quatro indivíduos (que foram seguidos no estudo referido) mantiveram-se unidos ao longo de uma viagem de ida e volta que incluiu uma migração entre as zonas de reprodução na Alemanha e as zonas de invernada em Angola. Andaram assim durante meses a fio e percorreram em bando mais de 14.000 quilómetros. Só nas zonas de invernada por vezes se separaram por períodos curtos, logo se voltando a reunir.

Abelharuco em voo. Foto: Jac. Janssen/Wiki Commons

Estes quatro indivíduos não foram uma exceção, vários outros abelharucos estudados mantiveram-se unidos nos seus grupos, grupos que frequentemente contam com uma ou duas dúzias de indivíduos. Alguns também se perderam pelo caminho, mas muitos voltaram a encontrar-se e a viajar juntos mais tarde, indicando uma notável capacidade de visitar pontos específicos de “rendez-vouz” ao longo da rota migratória, aprendidos em anos anteriores. Fiéis aos amigos, inconformados na separação.

Voadores fáceis, os abelharucos atravessam oceanos, desertos e savanas chamando jovialmente, brrriut, brrriut. Comuns em boa parte de Portugal, tive a sorte de os ver tão a sul como em Cabinda e, abundantes, na Namíbia. Mas por mais que os oiça e veja, não se me estanca a sede.

Abelharucos? Mal chegam, tardios, logo vão de fugida. Levam o estio atrás. Quem dera ir em bando, ver África toda lá de cima. Quem dera que ainda aqui se demorassem.

Partiram velozes sem se importarem. Já não se ouvem, ainda doem.

* Dhanjal-Adams et al 2018. Current Biology

Paulo Catry

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