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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O Linguajar Transmontano (II)

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Porque se impõe, duas notas breves.

1 : Em virtude do pertinente comentário feito pelo nosso insigne amigo António Jornalo, segundo o qual, na sua terra, Mogadouro, também se usam muitas das expressões da minha “recolha”, não tendo eu mencionado tal facto, cumpre-me dar nota, por não o ter feito (lapso meu) na publicação do último texto, sobre o mesmo tema, do seguinte – servindo também para aqueles que viram as suas terras “discriminadas”: a “compilação” feita por mim  (com o precioso contributo do meu sobrinho Miguel Esteves) não resultou de qualquer trabalho de campo nem pesquisa documental, mas do contacto próximo e directo, com gentes que assim linguarejam, por motivos profissionais ou da “boleirice”, que armazenei,  ao longo dos anos, no disco rígido da minha memória. 

Assim, e dada a proximidade geográfica entre os vários concelhos do distrito, admito que a mesma expressão possa coincidir, por exemplo, em Macedo e Mirandela, em Mirandela e Valpaços, em Miranda e Mogadouro, em Macedo e Alfândega da Fé, em Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta, etc… Mas, pela razão que me parece atendível, não consigo falar de coisas que não vejo ou desconheço.

 2: Na introdução do texto anterior realcei o facto da importância de atribuir a origem (geográfica) precisa das expressões que se destacam, porque, quando falamos de Trás – os -  Montes, temos que ter em conta que há registos da oralidade que são próprios de Vila Real, mas estranhos a Bragança, e vice - versa – como poderemos constatar.

Vamos então ao que nos traz aqui. 

Palavras e/ou expressões não coincidentes semanticamente nos distritos de Bragança e Vila Real:

1 – “Pito aos saltos”. Segundo o Dicionário das Expressões Transmontanas (refiro-me ao mais completo que está disponível na internet), esta expressão significa, no distrito de onde é natural Miguel Torga, “eufórica”. No nordeste transmontano, “andar com o pito aos saltos”, é quando uma mulher se insinua descaradamente perante os homens; expressão que, no gado vacum, corresponde ao “andar com o cio”. No “glossário” de piropos de andaime (com o qual não simpatizo) a mulher que anda “com o pito aos saltos” é aquela que “já o quer”.  

2 - “Tendeiro”. Entrada lexical que, segundo o referido Dicionário, significa “desarrumado”, no Planalto Mirandês quer dizer “falso”, “maldoso”. 

Ex.º “Não estejas assim tão confiante, porque o diabo é tendeiro!”. É um alertar para a possibilidade do diabo “fazer das suas”, de poder haver uma surpresa desagradável, porque “o diabo não é quem se pinta”.

3 – “Xudairo”, que na compilação referida significa “pessoa que não faz nada na vida”, no Planalto Mirandês, a mesma palavra tem a correspondência semântica de “pessoa sem valor”, “desprezível”, sendo que a pessoa adjectivada é mulher.

4 – “Correr o cão”, que no dito dicionário aparece com o significado de “passear”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês a expressão sugere alguém que “anda de um lado para o outro, a gastar o tempo, sem proveito. O correspondente ao “laurear a pevide”. 

5 – “Estadulho”, palavra que, no Dicionário em apreço, aparece como significado de “pénis”, em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês não tem conotação sexual. Nesta zona de Trás – os Montes, “estadulho” é um pau grande, usado de improviso, encaixado verticalmente nos taipais dos carros de vacas/ mulas ou tractor, para aumentar o volume/capacidade da carga; acomodando-se, assim, a maior quantidade de palha, feno, estrume ou lenha. Na linguagem “bélica”, o “estadulho” pode servir como arma: “Aquele individuo merecia umas boas estadulhadas”, o mesmo que “arrotchadas”. 

Palavras e/ou expressões associadas a Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês:

1 – “Apurar”. Palavra dicionarizada com os significados de “contar” (os votos foram contados), “selecionar” (o Grupo Desportivo de Bragança foi selecionado/ apurado para a 2.ª mão da taça de Portugal) e, na culinária, “dar consistência” (tens que deixar apurar bem o molho), em Vinhais, em Bragança e no Planalto Mirandês tem o sentido de “duração temporal”:

Ex.  Quando, na minha juventude, chegava a casa às tantas da manhã, vindo da discoteca, a minha mãe, no dia seguinte, dizia: “ontem/hoje apuraste!”.

2 – “Morreu-se” (significa “morreu”, 3.ª pessoa do indicativo singular), forma verbal com o pronome possessivo posposto ao verbo, decalcada do espanhol (se morió):

Ex.º Quem é que se morreu ontem em Vinhais?

3 – “Essa está-te linda!”, expressão muito comum no Planalto Mirandês (“Vimioso, Miranda e Mogadouro), que significa, como sinal de espanto/ incredulidade, “essa é boa!”

4 – “Cá m´arranjo”, expressão tipicamente de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês:

Ex.º - Precisas de ajuda?

- Não, eu cá m´arranjo. Ou seja, não é preciso, que eu me desenrasco sozinho.

5 - “Amanho”, tem a mesma origem geográfica, e significa o mesmo da anterior: “Eu cá m´amanho”. 

6 – “Tardaste”, com o significado de “demoraste”, é uma expressão ouvida no planalto Mirandês, e verbalizada quando alguém demora mais tempo a chega/regressar do que era suposto acontecer.

7 – “Tiro de lapada” é ouvida no planalto Mirandês, tem o significado de “curta distância”, “pertinho”. “Lapada”, que é o mesmo que “pedrada”, provém do latim “lapis, lapis”, pedra.

Ex.º – É muito longe a casa do presidente da junta?

- Não, daqui lá é um tiro de lapada.

8 – “Tirico” (de tiro + ico), com o mesmo significado da anterior, ouve-se, além do Planalto Mirandês, na zona da Lombada, Bragança. 

9 – “Apanhar uma cardina”, expressão ouvida em Vinhais, Bragança e no Planalto Mirandês, significa “apanhar uma bebedeira”/ “borratcheira”.

10 – “Apanhar uma potada”, com significação do exemplo anterior, esta expressão, sem rigor científico, parece-me ter a sua origem na palavra latina “potio, potionis” (bebida), nunca a ouvi senão em Bragança.

11 – “ Num te fintas em mim”, significa “ não acreditas em mim”/ “não vais por aquilo qu´eu te digo”, é uma expressão associada a Vinhais, a Bragança e ao planalto Mirandês.

Ex.º : “Eu bem tu disse, mas tu não te fintas em mim!”

12 –“Arrefucir” significa “arremangar” , “arregaçar”, é uma palavra ouvida no Planalto Mirandês.

Ex.º “ Arrefuce lá as mangas, se não inda te sujas!”.

13 – “Não criar pedra no fígado”, expressão atribuída ao Planalto Mirandês, diz-se a alguém que faz as coisas irritantemente devagar, mesmo quando a situação em causa exige o contrário. 

Ex.º “ Esse, não há nobidade, não cria pedra no fígado!”.

14 – “Ir buscar a morte”, expressão com o mesmo significado da anterior, é costume ouvir-se em todo o distrito de Bragança.

Ex.º “ Despacha-te lá com isso! Tu és bô /o tal p´ra ir buscar a morte”. 

15 – “Forrar a pinha”. A palavra “pinha”, tendo caído em desuso há umas décadas, usada por todo o distrito de Bragança, é recalcada do termo piña, que, em espanhol, significa prenda de casamento. No Planalto Mirandês, a expressão “forrar a pinha” era usada quando alguém ia a um casamento e comia mais do que o valor da prenda que havia dado.

Ex.º “ Esse, não á nobidade, forrou bem a pinha!”

16 – “ Desabusado”.  Palavra usada no Planalto Mirandês, que designa alguém que é descarado, atrevido, sem vergonha alguma.

17 – “Morde-me um braço”. Expressão tipicamente do Planalto Mirandês (em actualidade), com o significado de “tenho comichão no braço”. Este é um estranho fenómeno anatómico que a comunidade científica nunca conseguiu explicar: partes do corpo com dentes. Eu sofro desta “malformação”.

18 – “És mesmo judeu!” ou “deixa-te de judearias!”. Expressão, com as duas variantes, do Planalto Mirandês, é dirigida a alguém (não de forma depreciativa, e até carinhosa) que está sempre a pregar partidas aos outros.

19 – “Dei conta duma perna”, expressão do planalto Mirandês, significa “magoei-me numa perna”, “aleijei-me…”

20 – “Tir-te-me diante”, expressão do Planalto Mirandês, que significa “não estorbes; sai-me da frente”.

21 – “Estrobilho” ou “Estorbilho”, no linguajar do Planalto Mirandês, é alguém que estorva.

22 – “Se aqui te ladra, além te morde”. Expressão ouvida no Nordeste Transmontano. É um alerta/aviso que se faz a alguém que foi maltratado num sítio, “aqui”, prevenindo-o para a eventualidade de “além”, noutro sítio, o poderem tratar pior.

Sendo este material uma fonte inesgotável, trarei aqui, nos “próximos episódios”, mais alguns pedaços da nossa identidade.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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