Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
No seu livro “Madrugada Suja”, que vai ser adaptado a uma série televisiva, Miguel Sousa Tavares alerta para a falácia dos pareceres negativos, condicionados, dos indeferimentos condicionados e do risco subsequente do deferimento tácito. O esquema do processo dissecado pelo jornalista/escritor versa sobre um empreendimento que não respeita todos os preceitos ambientais mas que o poder político quer fazer aprovar, porém, pretendendo resguardar-se das consequências políticas e legais.
O processo é apresentado à Câmara Municipal que, reconhecendo-lhe importância económica e de fomento do desenvolvimento local, indefere as pretensões do requerente enunciando uma lista de requisitos que, em primeira instância e, no imediato, o projeto não contempla. Como tal, a estrutura técnica dá parecer negativo e o poder político, lamentando privar o concelho de tão impressionante e benéfico empreendimento, reprova o requerimento. Publicita esta decisão para que os eleitores saibam que a edilidade, procurando a melhoria económica e o aumento do bem estar dos cidadãos, não cede nem abdica dos princípios básicos de sustentabilidade nem está disponível para contornar a Lei. Com pena e com risco de perder o investimento que irá, quiçá, para outra localidade menos rigorosa na análise e mais condescendente para com a violação dos princípios enunciados, fez o que devia fazer, defendendo o interesse público e a legalidade instituída. Tudo bem. Aparentemente. Mas não. No caso ficcional, o requerente mais não fez do que resolver os tais “problemas inultrapassáveis” e remeter o processo.
Os políticos sentem-se de mãos atadas: pois se todas as incompatibilidades foram resolvidas de acordo com o que lhes foi apontado... como poderiam agora dar o dito por não dito e apresentar novas exigências? “As entidades públicas são entidades de bem e têm de comportar-se como tal.
Não seria ético defraudar as expectativas criadas!” Obviamente que o relato de Miguel Sousa Tavares é imaginário e não tem que espelhar o caso da fábrica de extração de bagaço de azeitona em Carviçais, mas é preocupante que o primeiro parecer da CCDRN, sendo embora negativo apresenta uma lista de peças documentais que o requerente deverá apresentar caso entenda solicitar uma reapreciação... No processo do romance, para obviar alguns aspetos que não tenham sido devidamente superados pelo empreendedor... o poder político entregou a reanálise a um técnico que... subitamente adoeceu, deixando expirar o prazo legal para dar uma resposta. Resultado: o requerimento acabou aprovado tacitamente. “Infelizmente” nada se pode, depois, fazer. Porém, caso aconteça que, por azar ou infortúnio, alguém adoeça ou fique impedido de dar o seu parecer em tempo útil, atente-se que o deferimento tácito tem de ser pedido e pode, eventualmente, ser negado. De qualquer forma, o promotor não pode começar a obra sem o licenciamento camarário.
Ora, de acordo com o parecer jurídico elaborado pela jurista da CCDR Centro, Dr.ª Elisabete Maria Viegas Frutuoso, a 23 de janeiro de 2003: “a Câmara nsse momento, ao tomar conhecimento do início das obras pelo particular, deve proceder às medidas necessárias, nomeadamente através da revogação (conjugação dos artgs. 136º e 141º do CPA) ou declaração de nulidade do referido deferimento tácito.”
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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