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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Regresso às aulas

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

- as mulheres são a minha perdição!

Filosofava o Manuel João… amaciando não se sabe que antigo desgosto…
O Manuel João trabalha na construção civil. De dia é um bom trabalhador, à noite é borracho e também faz versos!
… ai as mulheres… ai as mulheres!...
Que outro lamento há-de inventar o Manuel João que na lonjura do amor sonha com as carícias da taberneira desenhadas na morneza da noite, enquanto lhe serve, vagarosamente, vinho tinto, rubro de vida.
O Manuel João cansado da guerra do ultramar, veio ao mundo num bairro clandestino, entre facas e brigas.
E agora aqui está o Manuel João no anonimato da cidade, cumprindo o seu fadário de vida, ou morte… como se a cidade não precisasse dele, na incapacidade de se rever nas casas que nascem, como por milagre, das suas mãos de operário.
A cidade é feita à sua medida e à sua imagem, numa criação única e ecuménica, como quem recorda o milagre do princípio dos tempos e grita ao caos que se faça ordem.
Conheci o Manuel João num tempo antiquíssimo. Queria frequentar as aulas da noite para fazer o 2ºano, pois este homem tinha sede de vinho e de saber, na sua condição de poeta e filósofo.
Este homem que inventava o acto da criação, trabalhava entre o cimento e o abismo, doze horas. À noite ia bêbado para a Escola. A professora de português gostava muito dele e o Manuel João esqueceu as carícias da taberneira. Um dia de maior perdição escreveu uma carta terna, convidando a professora para a entrega total, absoluta, na cama mais lavada, da melhor pensão da cidade. Ele pagava tudo!
A professora não gostou. O Conselho directivo perguntou-lhe porque fez aquilo.
O Manuel João, como um santo injustiçado, defendeu-se:
- Ela deu-me pistas de querer… até o senhor faria o mesmo e já é velho!
O Conselho de turma fez a sua parte e o Manuel João foi expulso.
O Manuel João… a sala dos professores… a lonjura do amor… o Manuel João fazia casas como ninguém… fazia escolas!
Eu dizia que era amigo do Manuel João… e também lhe recusei a aula e a vida!
Ai a pedagogia, Sr, professor!
Fecho apressadamente o livro de ponto. O Manuel João foi riscado da lista.
Sem saber porquê sinto vergonha… a aula é deserta como o deserto e só a taberna é amiga e acolhedora, no consolo ternurento dum caldo de couves ainda a ferver.


Fernando Calado
nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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