Porque esta vida são dois dias (e o Carnaval são três…), importa celebrar esta festa popular – a primeira do ano – que alegra muitas localidades do nosso país durante uns dias.
O Carnaval é uma festa popular e um espetáculo cultural que junta uma mistura de tradições, folclore, música e diferentes performances (mais ou menos) deslumbrantes. Esta é uma tradição que se perde no tempo mas que, em alguns locais, está bem presente na nossa cultura.
O Carnaval é uma festa popular e um espetáculo cultural que junta uma mistura de tradições, folclore, música e diferentes performances (mais ou menos) deslumbrantes. Esta é uma tradição que se perde no tempo mas que, em alguns locais, está bem presente na nossa cultura.
A história do Carnaval
A origem do Carnaval estará ligada a cultos ancestrais que pediam boas colheitas, ainda durante o decorrer do período Neolítico. A origem dos festejos do Carnaval é incerta, mas esta festa popular terá surgido na Antiguidade para celebrar os deuses pagãos, a fertilidade, a mãe natureza e o fim do Inverno. Era uma festa em que as pessoas se juntavam com a única intenção de se divertirem.
Os egípcios dedicavam a festa a Isis e a Apis, os gregos a Dionísio e os romanos a Saturno, protector da agricultura e das sementeiras. As Saturnálias, como eram conhecidas as festas, misturavam nas ruas membros da nobreza e escravos, onde havia muita comida, bebida, música e dança. Estas festas eram protegidas por Baco, o deus do vinho. Nos dias de folia, tudo se invertia: o rei da festa (o Rei Momo) era um escravo que podia ordenar o que quisesse durante as festividades. Durante as festas, as pessoas representavam papéis, calculando-se que com o passar do tempo, foi introduzido o costume das máscaras, muito provavelmente trazidas do teatro grego.
Com o fim do império romano e com a ascensão do cristianismo, estas festividades correram o risco de acabar. A Igreja quis cancelar as Saturnálias, o que não foi bem visto pelas populações, “obrigando” a Igreja a reconhecer estas festas. Mais tarde, depois de muitos séculos, os festejos do Carnaval terão sido reconhecidos pela Igreja e inseridos no calendário cristão. Em 340, o Papa Júlio I autorizou que os cristãos pudessem despedir-se em grande dos prazeres da carne (em todos os sentidos…). Estes três dias de folia antecedem a Quaresma, período que tem início no dia seguinte, na chamada quarta-feira de Cinzas – que corresponde a dias de jejum e abstinência.
Em algumas terras, por exemplo, no norte de Portugal e na Galiza, o Carnaval assume o nome de Entrudo, designação que evoca a vertente religiosa desta festa que se comemora sempre à terça-feira e 47 dias antes do domingo de Páscoa. Este era um antigo festejo no qual os foliões se sujavam com farinha, arremessavam baldes de água, limões de cheiro, ovos, tangerinas, pastelões, luvas cheias de areia e batiam com vassouras e colheres de pau.
A origem da palavra Carnaval virá do latim carnelevamen, que terá derivado em carne vale que significa “adeus à carne”, referência à proibição da carne durante a Quaresma. Mas carnis levamen pode significar igualmente “prazer da carne”.
A palavra Entrudo vem do latim intoitum, que significa “entrada”, ou seja, a entrada na Quaresma.
A moda das máscaras terá surgido no século XIII, quando os nobres franceses começaram a promover grandes festas onde era obrigatório o uso de máscaras e de roupas luxuosas. Nos séculos XV e XVI, durante o Renascimento, em Itália, terão surgido os primeiros cortejos de rua. Desde então, o Carnaval é reconhecido como festa popular de rua que foi sofrendo uma série de modificações culturais até chegar aos dias de hoje, celebrando-se um pouco por todo o Mundo.
O Carnaval em Portugal
Em Portugal, o Carnaval já era comemorado nos séculos XV e XVI, embora conhecido como Entrudo, que significava a entrada na Quaresma. Uma das épocas de maior projecção do Carnaval no nosso país ocorreu durante o reinado de D. João V, com características palacianas e marcadas por um enorme luxo. Nos séculos XVII e XVIII, durante a colonização, um grande número de portugueses mudaram-se para o Brasil, levando consigo este costume de festejar o Entrudo. Depois, já no século XIX, o Carnaval do Brasil foi-se desenvolvendo com a introdução de uma série de novas práticas e de novos ritmos, tornando-se no mais famoso Carnaval do Mundo.
Por todo o país existem mil e uma festas carnavalescas. Há-as para todos os gostos: das mais tradicionais, que vão buscar usos e costumes ancestrais, às de influência brasileira com escolas de samba, passando pelos desfiles de carros alegóricos com sátira social e política. Só para mencionar os mais conhecidos, temos grande folia no Funchal, Estarreja, Loulé (o corso mais antigo de Portugal), Mealhada, Ovar, Sesimbra, Sines e Torres Vedras (um dos mais famosos de Portugal, onde não podem faltar as matrafonas e os cabeçudos), todos “servidos” com mais ou menos doses generosas de samba.
Mas, Linha de Terra prefere os festejos mais tradicionais como o Entrudo Chocalheiro de Podence (Macedo de Cavaleiros) com os seus caretos coloridos; o desfile de cabeçudos e gigantones de Barcelos; o Entrudo de Lazarim (Lamego) com as suas máscaras de madeira; os Caretos da Lagoa (Mira), com as suas saias vermelhas, chocalhos e máscaras de cartão enfeitadas com chifres de animais; o grande baile popular de Cabanas de Viriato (Carregal do Sal) com a (já) famosa dança dos cus, que junta umas largas centenas de pessoas que “dançam” em plena rua, em duas filas, batendo com os ditos uns nos outros – ao que parece, esta tradição terá sido criada no século XIX por um grupo de teatro; ou o Entrudo das Aldeias do Xisto de Góis, onde se usam máscaras em cortiça.
Estes são festejos de cariz mais tradicional, normalmente, ligados a rituais ancestrais, figuras demoníacas e misteriosas e às máscaras – os caretos. Sempre em festas muito musicais, alegres e coloridas. Linha de Terra conhece bem o Entrudo Chocalheiro dos Caretos de Podence e o Entrudo de Lazarim, dois exemplos dos mais tradicionais carnavais portugueses. Festejos populares que prometem encher as ruas destas duas localidades de animação e de muitos foliões carnavalescos.
O Entrudo Chocalheiro de Podence
Podence é uma pequena aldeia no concelho de Macedo de Cavaleiros. A aldeia está debruçada sobre a A4 com vista para a maravilhosa albufeira do Azibo e das suas excelentes zonas balneares. Os Caretos de Podence são Património Imaterial da Humanidade da Unesco desde 2019.
Em meados do século passado a tradição esteve em risco de se perder, devido à Guerra Colonial de África e por causa da imigração. Actualmente, a aldeia conta com pouco mais de 200 habitantes e, após algum esforço e dedicação a tradição foi recuperada. Hoje, o Entrudo Chocalheiro e os Caretos de Podence não só são um legado importante mas também uma atracção turística para a região e para o país.
Os Caretos são seres mitológicos, seres mágicos, que nestes dias invadem e tomam conta da rua principal da aldeia para purificar e limpar os corpos do mal.
Dentro dos seus fatos quentes cobertos de franjas de cores garridas, onde o vermelho, o amarelo e o verde sobressaem, os Caretos, sempre homens, permanecem anónimos por detrás das máscaras de chapa (ou couro) – em geral pintadas de vermelho ou preto e com uma cruz na testa – protegidas por grandes capuzes de onde pendem enormes caudas. À cintura trazem cintos de couro com enormes chocalhos para chocalharem nas nádegas femininas – um ritual pagão cuja origem se perde no tempo.
No Carnaval de Podence tudo é improvisado e espontâneo. A festa consiste em grupos de Caretos acompanhados de gaiteiros a percorrerem a rua principal da aldeia que liga a igreja matriz (construída no final do século XVII e dedicada a Nossa Senhora da Purificação) e a entrada da aldeia onde fica a Casa do Careto (aproveitamento da antiga escola primária).
De chocalhos à cintura e vara na mão, os Caretos parecem ter o diabo no corpo. Correm, saltam, dançam, gritam, perseguem as mulheres e assustam os visitantes. Sempre que avistam uma mulher desprevenida, rapidamente põem-se ao lado dela e chocalham-na nas nádegas.
A festa termina com a queima do entrudo, um enorme Careto colocado em frente à Casa do Careto, à entrada da aldeia.
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Entrudo em Lazarim |
O Entrudo de Lazarim
Lazarim é uma pequena vila serrana pertencente ao concelho de Lamego. Tem pouco mais de 500 habitantes e a sua igreja matriz, dedicada ao Arcanjo São Miguel, possui um fantástico e muito valioso tecto pintado, onde se representam anjos e arcanjos, entre outras figuras sacras. A vila apresenta ainda um novo e moderno Centro Interpretativo da Máscara Ibérica, no remodelado solar dos Viscondes de Lazarim, onde se investiga e divulga a máscara na sua vertente mais tradicional da celebração do Entrudo.
O Entrudo de Lazarim é conhecido essencialmente por ser um dos mais genuínos de Portugal e pelas suas máscaras esculpidas em madeira de amieiro. Aqui as máscaras são trabalhadas à mão por artesãos locais – actualmente existem cerca de uma dúzia –, onde cada peça é única, cheia de originalidade e repleta de riquíssimos pormenores. Uma obra de arte! As máscaras de Lazarim também são candidatas a Património Imaterial da Humanidade da Unesco.
Diz a tradição que as máscaras têm que ser esculpidas à mão em troncos de amieiro. Existe todo um sortido de imagens fantásticas e misteriosas que vão de figuras de animais, reis, figuras mágicas ou demónios, quase sempre com grandes cornos.
As máscaras de Lazarim sendo de uma simplicidade quase grosseira, têm uma riqueza de pormenores e uma beleza própria que, certamente, estão ao nível do que de melhor se faz no nosso país em matéria de artesanato. Antigamente as máscaras eram coloridas, mas optou-se por manter a cor natural da madeira – uma maneira de manter as peças mais próximas das suas raízes.
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No Entrudo de Lazarim as máscaras têm de ser esculpidas por um artista local |
No Entrudo de Lazarim, existe um desfile e um concurso de máscaras. Aqui, qualquer pessoa, residente ou de fora, pode participar e esconder-se por detrás de uma máscara de madeira. A única exigência é a máscara seja esculpida por um artista local. A máscara deve ser acompanhada por um fato condizente e quanto mais extravagante melhor. Podemos observar fatos feitos com materiais da terra que passam pela palha, barbas de milho, folhas de árvores, ramos de mimosas e adereços de moda como cabaças, cajados, enxadas e outras ferramentas agrícolas.
Mas este Entrudo não se fica por aqui. Outro ponto alto da festa, na terça-feira de Carnaval, é a leitura do Testamento do Compadre e da Comadre, escritos em versos de escárnio e mal dizer trocados entre jovens solteiros (rapazes e raparigas) da vila e arredores. Eles e elas redigirem os Testamentos onde contam todos os defeitos dos conterrâneos do sexo oposto, por vezes recorrendo ao sarcasmo e ao palavrão. Os versos são depois divulgados na praça central da vila perante locais e visitantes, fazendo corar as pedras da calçada e soltando grandes gargalhadas entre os presentes.
No fim, há um desfile de Caretos e são queimados os bonecos do Compadre e da Comadre e, numa das praças da vila, há feijoada e caldo de farinha para os visitantes, tudo cozinhado em panelas de três pernas em ferro fundido.
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Queima do Entrudo em Podence |
O fim da festa
Em muitos locais, para finalizar os festejos carnavalescos e iniciar a Quaresma, celebra-se também o Enterro do Entrudo que, em algumas terras, assume nomes diferentes como o Enterro do João, a Queima do Entrudo, Queima do Galo, etc. Estas manifestações terminam os festejos carnavalescos e são uma espécie de cortejo fúnebre (em alguns casos com direito a urna e carpideiras) onde há a leitura de um testamento e a queima do “defunto”.
Em Melgaço, existe a Queima do Entrudo com figuras de saia vermelha, camisa e lenços amarelos, bordados de cores garridas, e um chapéu de cartão enfeitado com fitas e com um tecido a esconder a cara. Em Vinhais, a quarta-feira de cinzas é o Dia dos Diabos, com figuras da morte e diversos diabos a percorrerem as ruas da vila atrás de almas pecadoras. Diabos e a tenebrosa morte saem à rua castigando foliões e perseguindo sobretudo as raparigas solteiras a quem não dão descanso.
Já em Vale de Ílhavo, há a Cardação das Raparigas. Os cardadores são homens mascarados que saltam e gritam e que vão pelas ruas em busca de raparigas para fazerem a Cardação das Raparigas. As suas máscaras podem ser elaboradas com pele de carneiro ou asas e penas de galinha.
Na Guarda, fazem o Julgamento e a Morte do Galo do Entrudo. No centro da praça, é colocado um enorme galo que representa a crise, a corrupção e todos os males que ocorreram ao longo do ano. O Galo é julgado e queimado em praça pública para trazer esperança para os próximos tempos. No final do julgamento, o enorme galo é queimado e é cozinhada uma canja de galo para servir por todos.
Estes são alguns dos muitos aspectos e formas de festejar o Carnaval mais tradicional e típico das diferentes regiões do nosso país – tradições ancestrais que importam manter e preservar. Independentemente de se gostar de mais ou menos corsos carnavalescos, mais ou menos samba, os próximos dias prometem encher as ruas das nossas localidades de foliões, alegria e muita cor.
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