Local: Duas Igrejas, MIRANDA DO DOURO, BRAGANÇA
Então, Sr. Manuel, o tio do meu pai andava a guardar umas cabrinhas no campo, no mato. E viu ali uma cruz quebrada, daquelas cruzes de pedra. E eles jogavam muito naquele tempo -- ainda hoje já quase não se joga --, jogavam no arremesso de peso. Pegavam uma pedra e atiravam duma risca pâ frente, a vê quem chegava mais longe. E ele viu ali a cruz quebrada e começou a jogare a barra -- lá chamavam o jogo da barra--com um pedaço da cruz. E as cabritas foram-se embora lá pá frente e ele, quando elas já iam lá pà adiante uns cinquenta metros, pegou e foi atrás das cabrinhas. E a cruz lá ficou ali em qualquer lugar. Deixou-a por onde quer que queira.
Depois aquilo passou. Quando o homem morreu, dali por uma temporada grande voltou o espírito dele à terra a mandá por ali uma cruz nova naquele lugar. E ele apareceu-lhe à irmã dele, que era a mãe do meu pai. E ela estava -- meu pai é que contava -- lá com o meu avô deitada na cama. E meu pai é que contava. E que l’apareceu um reflexo duma luz que l’alumiou o quarto todo como se fosse um trovão quando dá aquele relâmpago.
E a minha avó -- a mãe do meu pai -- cobriu-se co’a roupa e ficou assustada. E aquilo passou. Passou aquele clarão e aquilo foi s ‘embora.
Dali por mais uns dias o espírito dele entrou no corpo ali duma mulher vizinha. E começaram a dizer:
- Esta mulher tem um espírito. Esta mulher tem qualquer coisa. Aqui tem qualquer coisa. Ah, é preciso fazer uma oração. E a ver s’o espírito fala.
Então lá falaram umas palavras -- aqueles antigos sabiam -- e o espírito falou. Perguntaram quem ele era, em nome de Deus, que se queria alguma coisa que pudesse ser que falasse e que, se não, que se foss’embora.
E ele disse:
- Eu sou o Manuel Cabreiro -- que era o apelido dele, por causa de guardar as cabrinhas.
- E então o que é que tu queres, Manuel?
- Eu quero que vocês mandem chamar a minha irmã Ana, que está aqui perto –‘tav’ali a cinquenta metros --, que eu quero-lhe fazer um grande pedido.
Lá foi uma criança a chamá-la e ela falou com ele.
- O que é que tu queres, Manuel? Ah, há mais de seis meses que tu morreste. O que é que tu queres agora?
Diz:
- Eu, Ana -- respondeu ele --, eu quero que tu mandes por uma cruz na divisa do nosso termo com o termo de Malhadas. Nos Arames de Malhadas, que se chama aquele lugar. Que eu, em vida, quando andava co’as minhas cabrinhas, andei ali a jogar à barra com um pedaço de cruz. E quando joguei umas quatro, cinco vezes, fui m’embora atrás das cabrinhas e eu esqueci-me daquilo. Nunca mais me lembrei. Agora que eu me fui embora deste mundo para o outro, quando cheguei aos pés de Deus pa sê julgado, foi esse o primeiro prato que me puseram: se a cruz onde Cristo morreu por nós para nos salvar se era para se jogar à barra com um pedaço da cruz. Eu só respondi que me perdoassem, que eu não sabia o mal que eu tinha feito. Não sabia o mal que estava fazendo. E então me responderam: «Nós vamos-te perdoare, mas tu vais à terra e mandas ali por uma cruz nova; e até essa cruz não ser posta, tu terás muito para sofrer.»
E então, quando le disseram aquilo, foram contratar ali uns pedreiros numa aldeia chamada Vilar Seco.
E a mulher estava deitada na cama, ali, que não se mexia. E quando os carros de bois vinham com as pedras para levar pò lugar para fazer a cruz, ela levantou-se como seu cajadinho na mão e foi indicar o lugar ond’a cruz havia de ser posta. Riscou assim no chão lá em volta no terreno, na terra, e disse:
- A cruz é colocada neste lugar.
Foram s’embora, mandaram dizer uma missa por as almas, não sei quê, qualquer coisa, e escutaram uma voz então aquele dia na igreja que dizia:
- Adeus, até o Dia de Juizo! Muito obrigado a todos. A minha promessa está cumprida.
E nunca mais apareceu mais nada.
Fonte: FONTES, Manuel da Costa Portuguese Folktales in North America: Canada
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(Henrique Martins)
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segunda-feira, 22 de junho de 2015
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