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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A Cruz Quebrada

Local: Duas Igrejas, MIRANDA DO DOURO, BRAGANÇA

Então, Sr. Manuel, o tio do meu pai andava a guardar umas cabrinhas no campo, no mato. E viu ali uma cruz quebrada, daquelas cruzes de pedra. E eles jogavam muito naquele tempo -- ainda hoje já quase não se joga --, jogavam no arremesso de peso. Pegavam uma pedra e atiravam duma risca pâ frente, a vê quem chegava mais longe. E ele viu ali a cruz quebrada e começou a jogare a barra -- lá chamavam o jogo da barra--com um pedaço da cruz. E as cabritas foram-se embora lá pá frente e ele, quando elas já iam lá pà adiante uns cinquenta metros, pegou e foi atrás das cabrinhas. E a cruz lá ficou ali em qualquer lugar. Deixou-a por onde quer que queira. 
 Depois aquilo passou. Quando o homem morreu, dali por uma temporada grande voltou o espírito dele à terra a mandá por ali uma cruz nova naquele lugar. E ele apareceu-lhe à irmã dele, que era a mãe do meu pai. E ela estava -- meu pai é que contava -- lá com o meu avô deitada na cama. E meu pai é que contava. E que l’apareceu um reflexo duma luz que l’alumiou o quarto todo como se fosse um trovão quando dá aquele relâmpago. 
 E a minha avó -- a mãe do meu pai -- cobriu-se co’a roupa e ficou assustada. E aquilo passou. Passou aquele clarão e aquilo foi s ‘embora. 
 Dali por mais uns dias o espírito dele entrou no corpo ali duma mulher vizinha. E começaram a dizer: 
 - Esta mulher tem um espírito. Esta mulher tem qualquer coisa. Aqui tem qualquer coisa. Ah, é preciso fazer uma oração. E a ver s’o espírito fala. 
 Então lá falaram umas palavras -- aqueles antigos sabiam -- e o espírito falou. Perguntaram quem ele era, em nome de Deus, que se queria alguma coisa que pudesse ser que falasse e que, se não, que se foss’embora. 
 E ele disse: 
 - Eu sou o Manuel Cabreiro -- que era o apelido dele, por causa de guardar as cabrinhas. 
 - E então o que é que tu queres, Manuel? 
 - Eu quero que vocês mandem chamar a minha irmã Ana, que está aqui perto –‘tav’ali a cinquenta metros --, que eu quero-lhe fazer um grande pedido. 
 Lá foi uma criança a chamá-la e ela falou com ele. 
 - O que é que tu queres, Manuel? Ah, há mais de seis meses que tu morreste. O que é que tu queres agora? 
 Diz: 
 - Eu, Ana -- respondeu ele --, eu quero que tu mandes por uma cruz na divisa do nosso termo com o termo de Malhadas. Nos Arames de Malhadas, que se chama aquele lugar. Que eu, em vida, quando andava co’as minhas cabrinhas, andei ali a jogar à barra com um pedaço de cruz. E quando joguei umas quatro, cinco vezes, fui m’embora atrás das cabrinhas e eu esqueci-me daquilo. Nunca mais me lembrei. Agora que eu me fui embora deste mundo para o outro, quando cheguei aos pés de Deus pa sê julgado, foi esse o primeiro prato que me puseram: se a cruz onde Cristo morreu por nós para nos salvar se era para se jogar à barra com um pedaço da cruz. Eu só respondi que me perdoassem, que eu não sabia o mal que eu tinha feito. Não sabia o mal que estava fazendo. E então me responderam: «Nós vamos-te perdoare, mas tu vais à terra e mandas ali por uma cruz nova; e até essa cruz não ser posta, tu terás muito para sofrer.» 
 E então, quando le disseram aquilo, foram contratar ali uns pedreiros numa aldeia chamada Vilar Seco. 
 E a mulher estava deitada na cama, ali, que não se mexia. E quando os carros de bois vinham com as pedras para levar pò lugar para fazer a cruz, ela levantou-se como seu cajadinho na mão e foi indicar o lugar ond’a cruz havia de ser posta. Riscou assim no chão lá em volta no terreno, na terra, e disse: 
 - A cruz é colocada neste lugar. 
 Foram s’embora, mandaram dizer uma missa por as almas, não sei quê, qualquer coisa, e escutaram uma voz então aquele dia na igreja que dizia: 
 - Adeus, até o Dia de Juizo! Muito obrigado a todos. A minha promessa está cumprida. 
 E nunca mais apareceu mais nada.

Fonte: FONTES, Manuel da Costa Portuguese Folktales in North America: Canada

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