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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Bragança em 1721 - Conclusão

Bragança, por 1721, revela já uma forte identidade, expressa através de um conjunto de elementos, símbolos e valores que a procuram individualizar a nível nacional.
Individualidade assegurada, em primeiro lugar, pelo caráter excecional das origens míticas de um burgo que também é, desde muito cedo, cristianizado, procurando, deste modo, Cardoso Borges, com a identificação de um passado remoto, garantir o prestígio da cidade.
Mas também, enquanto praça de armas, orgulhosa do seu castelo medieval, a “vila” ou “cidadela”, um sítio que, pela sua antiguidade, funções e segregação física imposta pelas suas muralhas, acabou por desempenhar um papel muito importante no imaginário dos bragançanos e transmitir à cidade um sentido histórico do seu passado.
Uma Bragança, em segundo lugar, profundamente católica, ou não tivesse sido evangelizada pelo próprio apóstolo Santiago. Bragança, em 1721-1724, é uma cidade que, apesar de ter apenas 1 000 vizinhos – lembra Borges –, soma 22 igrejas, capelas e altares dedicados à Maria Santíssima – “no culto divino é que mais se apura” –, o que, paradoxalmente, contrasta fortemente com a perseguição tenaz que o Santo Ofício então desenvolve a centenas dos seus habitantes.
Recorde-se que, no ano em que Cardoso Borges iniciou as suas Memórias de Bragança, um ilustre bragançano, o cientista Jacob de Castro Sarmento, viu-se obrigado a fugir para
Inglaterra, a fim de evitar a perseguição pela Inquisição.
Uma sociedade religiosa, material e simbolicamente traduzida pelas igrejas, capelas, altares, ermidas e conventos, marcos impressivos da fé, que povoam e sacralizam o espaço urbano, determinantes até na organização hierárquica do espaço público e das suas múltiplas funcionalidades; pelas confrarias e irmandades que afirmam a solidariedade entre os homens e a comunhão entre as almas; religiosidade ainda bem expressa na piedade e devoção com que todos participam nas procissões e outras festividades estabelecidas ou pautadas pelo calendário da Igreja – independentemente da obrigatoriedade que ao povo é imposta quanto à sua assistência e participação nas cerimónias mais importantes – e afervorada pelos exemplos de vida que emanavam de fontes de virtude e piedade, como os mosteiros de São Francisco e da Companhia de Jesus, ou os conventos das beneditinas e clarissas.
Uma Bragança, em terceiro lugar, que revela uma vida cultural própria, única no contexto da província trasmontana, graças ao Colégio dos Jesuítas, ao seu magistério e à sua biblioteca que somava largas centenas de obras e que serviu de campo de estudo para José Cardoso Borges.
Uma Bragança, em quarto lugar, de gente aristocrática, de uma nobreza, como a cidade, de origens medievais, que legitima e engrandece a Casa Real, a Casa de Bragança e logicamente todos aqueles que pertencem a essa ordem ou estrato social … incluindo Cardoso Borges.
Uma sociedade, com efeito, inspirada pelos valores aristocráticos de uma elite tradicional, integrada fundamentalmente por uma nobreza de província que detém zelosamente a governação do município, e transforma Bragança em corte de Trás-os-Montes, isto é, num corpo de relações sociais hierarquizadas, de procedimentos e comportamentos rígidos e uniformes, obedecendo à lógica de uma verdadeira corte real, de modo a esbater tensões, estabelecer o relacionamento entre os diferentes grupos sociais, e assim reforçar o seu prestígio e superioridade.
Embora retratando um mundo profundamente aristocrático e religioso, as Memórias de Bragança assumem-se, fundamentalmente, como uma descrição em que a tradição e a razão parecem conviver harmoniosamente. Há lendas e mitos a explicar as origens do burgo, a sua cristianização e a genealogia das famílias nobres, à semelhança do que acontece com a historiografia eclesiástica, e numerosas memórias e relações setecentistas. E há, por outro lado, uma descrição racional, moderna, rigorosa da cidade, da qual os conflitos sociais e os dramas humanos parecem ausentes…
De facto, as Memórias de Bragança, escritas com o sentido da História e para a História, oferecem-nos um fresco inacabado da cidade, omitindo as tensões, as paixões, os contrastes e as sombras que constituem a essência da própria civilização barroca.
Ignorou os expostos, abandonados, de madrugada, nas portarias dos conventos; os pobres, esmolando pelas casas ricas e mosteiros, errando pelas feiras e romarias; as classes sociais responsáveis pela riqueza da cidade; mas sobretudo, ignorou os tempos dramáticos que Bragança então vivia, açoitada pelo Santo Ofício, despovoada por força dos que a abandonavam, os condenados e os fugitivos acossados pela delação.
Numa época de charneira entre o Barroco e o Iluminismo, é cedo para criticar a aristocracia de sangue, a Inquisição, o clero regular e muito menos o absolutismo reinante. Se era cedo ainda para tais críticas na capital do Império, muito mais cedo era para “a muito nobre, antiga e sempre leal cidade de Bragança”.
Orgulhosa das suas origens, celebrando a glória de Deus no céu, e uma nobreza privilegiada, elitista, de sangue limpo, os fidalgos de solar, de indiscutível linhagem, na terra, regulando a vida através de privilégios e normas rigorosas, e dogmas indiscutíveis, Bragança, nos inícios do século XVIII, segundo Cardoso Borges, parece ter captado o equilíbrio e a serenidade que apenas a certeza da ordem imutável das coisas e dos homens confere à existência!
A realidade social do burgo, contudo, era bem diferente...

Memórias de Bragança

Publicação da C.M.B.

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