Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Recentemente, no tampo da minha secretária, estava um pedido de autorização para a aquisição de um sofisticado software para o aumento de capacidade de processamento do equipamento instalado no Laboratório de “Machine Learning” da Fundação Champalimaud. O quarto lugar no ranking mundial das instituições sem fins lucrativos, na área da Inteligência Artificial exige um investimento contínuo e ao mais alto nível. Obviamente que a classificação atribuída pela prestigiadíssima revista científica Nature, enche de orgulho todos os portugueses, bem como todos os colaboradores da Champalimaud, especialmente toda a Unidade de Investigação.
Os resultados obtidos por instituições de investigação independentes, nesta área, são também motivo de alguma tranquilidade numa área que, devido à sua expansão e existência consistente em variadas áreas da vida contemporânea, não deixa de originar algumas preocupações. Muito mais do que imaginamos é já analisado, classificado e até decidido, com base em algoritmos residentes em supercomputadores.
Foi notícia, o papel destas ferramentas informáticas no processo de despedimentos da TAP e isso tem de ser motivo de preocupação e reflexão. Porque este uso não está ainda regulado e, o estado da arte, atual, sendo já muito evoluído, tanto que tem enormes capacidades de processamento e elaboração, não o é, suficientemente, para estar, garantidamente, imune a erros grosseiros e perigosos. Um algoritmo é, na prática, um conjunto de instruções predefinidas que permitem chegar a um determinado resultado. São usados desde os primórdios da computação pois são a base da operação dos sistemas informáticos.
Os recentes desenvolvimentos de software e a abundância de enormes bases de dados vieram permitir que a própria máquina não se limitasse a seguir um guião totalmente definido, mas pudesse aprender, imitando o comportamento humano, analisando milhões de casos documentados nas gigantescas memórias digitais.
Mas, a aprendizagem por comparação, sendo um salto enormíssimo neste processo não garante, ainda, uma confiabilidade elevada.
Os exemplos multiplicam-se existindo até uma página de internet dedicada aos fracassos. Um dos casos relatados trata da identificação de maçãs, por um programa de computador. O algoritmo é alimentado com milhões de fotografias de belas e diversas maçãs vermelhas e também de vários milhares de imagens de outros frutos. A máquina aprende e identifica todas as maçãs vermelhas mas, quando lhe é apresentada uma maçã verde... classifica-a como pera, por causa da cor! Contudo, a Inteligência Artificial é já usada no dia a dia, sendo o exemplo mais corrente o reconhecimento facial de alguns “smart-phones”. Mas é também uma ferramenta de trabalho em Bancos, Companhias de Seguro e Empresas de Seleção e Recrutamento. Nada nem ninguém obriga essas instituições a assegurarem a fiabilidade de tais processos, nem sequer a informar os utentes do seu uso e qual o grau de envolvimento na decisão final. Esta utilização discricionária, por empresas privadas, cujo objetivo principal é o lucro, é assustadora pelas consequências sociais que pode acarretar. Mas se o objetivo, para além do sucesso comercial e financeiro for político, pode ser ainda pior.
Para agravar os receios desta situação, notícias recentes garantem que a China lidera a investigação nesta área bem como o seu uso pelo estado ou companhias controladas pelo poder público, o que é, mais ou menos o mesmo. Ora se o aproveitamento destas tecnologias pelos agentes do mercado pode e deve causar preocupação, se estiverem ao serviço de poderes políticos opacos e com pouco escrutínio público, devem ser motivo de inquietante temor.
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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