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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

O AZEITE, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Pois que tenho sido eu, senão almocreve? Levo 
e trago – não os botos de azeite ou as canastras de sardinha, por montes e vales, à chuva e à neve e à torreira do sol, mas a veniaga cultural de franças e araganças.

Paulo Quintela, [in Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia, de Cristóvão de Aguiar]

Aos almocreves temos de estar gratos porque ao longo dos séculos trouxeram até às gentes transmontanas fechadas para lá do Marão, produtos não existentes naquelas paragens e redondezas, e em troca recebiam os excedentes de outros que sem o seu concurso não gerariam valor na paupérrima economia local.
O ilustre sábio de Bragança ao comparar-se aos almocreves homenageia-os, levando em linha de conta o seu desempenho no intenso trânsito de comércio provindo da estrada da Galiza ou do rio Douro. O Mestre pelo lado da mãe descendia de um almocreve.
As recovas de almocreves contribuíram para a criação de localidades, mas o seu feito maior terá sido saberem tirar vantagens no sistema de trocas de produtos tradicionais da nossa economia de base agrícola e de géneros inexistentes no interior, como dá conta o germanista Bragançano ao mencionar o azeite e a sardinha.
O azeite chegava a Bragança em botos (odres), rendendo ao tesouro camarário apreciáveis receitas dado ter procura a fim de ser utilizado na preparação de comeres durante todo o ano. As actas da Vereação e respectivas pautas e taxas são esclarecedoras acerca dos preços praticados e taxas aplicadas.
Assim: nos anos de 1853, 1854 e 1855, cada almude de azeite sofreu a taxa 100 réis, em 1863, o preço médio do almude de azeite no Mercado foi de 3.600 réis e o quartilho 110 réis, em 1873, o quartilho vendeu-se a 90 réis, tendo o preço subido em flecha no ano de 1880, 260 réis cada litro. No ano de 1889, o preço por litro foi de 179 réis, em 1894, custava 219 réis, em 1899, vendeu-se a 224 réis, em 1906, vendeu-se a 240 réis, em 1910, a 280 réis, no ano de 1911, subiu o custo para 300 réis, e em 1912, o litro de azeite ficou-se nos 252 réis.
No ano de 1915, o litro custava 26 centavos, em 1920, o litro vendeu-se a 1$00, no ano de 1924, atingiu o preço de 6$00, em 1928 vendeu-se a 8$00, em 1930, cada litro custou 6$00.
Em 1931, a taxa sobre cada litro de azeite foi de $05, a pauta de impostos Municipais indirectos relativa ao ano de 1940, fixa-a em $10, em 1953 continua a ser de $10 a aplicar sobre a quantia de 14.671$50, receita total desse ano do comércio de azeite.
A razão da dependência dos bragançanos em relação ao fornecimento de azeite reside no facto de a cultura da oliveira ter chegado tarde a Trás-os-Montes, ainda mais tarde ao concelho de Bragança.
Terão sido os fenícios e os gregos os responsáveis pela introdução da cultura da oliveira na Península Ibérica, De Candolle em Origin of cultivated plants, considera a Síria e Irão como zona de origem da oliveira. É durante a dominação romana que a oliveira se estende e progride na Península. No século I a.C., a Bética era um imenso olival. No século I, o poeta Marcial, diz nos seus versos que Córdova é a região da oliveira, depois da Bética. Nos seus tratados De re rústica e De arboribus, o celebrado Columela emite copiosas referências sobre a oliveira, talvez porque o seu pai possuía olivais na Bética, ainda porque o gaditano nunca se afastou deles, mesmo enquanto esteve em Roma. Os seus conceitos acerca da agricultura ainda hoje são estudados e em certos rincões executados.
Apiano menciona os olivais do Sistema Central por cima do rio Tejo, Avieno na Ora Marítima apoda o rio Ebro como “oleum flumen”. O grego Estrabão em Geografia da Península Ibérica faz menção ao bom azeite da Hispânia, os visigodos e posteriormente os muçulmanos continuaram a acarinhar o cultivo de olivais.
O historiador Alberto Sampaio, afirma que já em 747 a oliveira surgia na toponímia galega – Villa Olivatello majore at alio Oliveto Ripa Sile, enquanto a sul do rio Minho aparece oliuaria, euluaria em 1066, terra da freguesia de Oliveira do Douro (Gaia). Em Portugal existem 89 topónimos derivados da oliveira, o mais a norte é a localidade de Oliveira no concelho de Monção.
Sem embargo de tão evidentes provas do conhecimento desta árvore em terras nortenhas, outra evidência é certa: a progressão do seu cultivo foi muito lenta a partir de Coimbra. O mapa da produção e consumo do azeite nos séculos XII e XIII assim o demonstra, a produção estancava em Coimbra, o consumo chegava a Castelo Bom e Aguiar.
Na alta Idade-Média, nos territórios do norte e mais setentrionais do País não se cultivava a oliveira e por isso mesmo o consumo de azeite era nulo, segundo a opinião de Alberto Sampaio, confirmada por Gama Barros ao dizer que nos séculos XIX e XV, a produção de azeite se concentrava em Coimbra e Évora, ainda em Santarém e Lisboa, esta última cidade grande centro distribuidor.
No referente a ensinamentos acerca do cultivo da oliveira e obter bom azeite a leitura dos clássicos desfaz dúvidas sobre quanto lhe somos devedores na matéria, e quão grande é o proveito conseguido através da leitura das obras deles. Infelizmente até ditos especialistas na matéria os ignoram.
Nascido em Éreso, na ilha de Lesbos, no ano de 372/71, Teofrasto considerado o Mestre dos mestres da botânica antiga legou-nos numerosas considerações sobre a oliveira e o seu cultivo, desde o estrume que deve ser empregue, até à “enérgica poda”, passando pela escolha do lugar apropriado para ser plantada, a sua floração, tratamento e longevidade. O mestre botânico deixou discípulos, caso de Dioscórides.
O eclético Dioscórides, contemporâneo de Plínio o Velho, tece considerações acerca da qualidade do azeite, dizendo que o melhor para a saúde é o “triturado antes de a azeitona amadurecer”, o não picante, também enumera as suas virtudes no tratamento da dor de cabeça, lepra, sarna, limpeza da caspa, enquanto unguento no tratamento de cortes, esfoladuras, chagas e cicatrizes, ainda na preparação de perfumes e acrescenta: “ Tal como a uva, a azeitona pode ser aproveitada quer para comer tal qual, quer para dela se extrair o azeite de que o homem se serve exterior e interiormente; de facto, o azeite é-nos
indispensável no banho e no ginásio.”
Paládio Emiliano comunga das opiniões de Columela no elogio à oliveira, e das de Marco Terêncio Varrão no Rerum Rusticarum.
De todos os autores da Antiguidade, é Catão aquele que nos parâmetros da economia rural dedicou mais estudo à fabricação de azeite, leiam-se as obras: De re rústica, e De re agrícola para o percebermos.
Porcio Catão escreveu sobre a construção dos lagares, como devem ser plantadas as oliveiras, das coisas precisas para a colheita da azeitona, comprimento das estacas de oliveira, formação do viveiro, da multiplicação da árvore, maneira de fazer azeite verde, precauções a tomar quando se enche uma bilha de azeite e, até a forma como deve ser vendida a azeitona ainda na árvore. Os ensinamentos de Catão foram seguidos durante séculos (ainda há quem os siga), tendo sido copiados, ensinados e discutidos em numerosos tratados de agricultura escritos em latim, catalão, castelhano, francês e italiano.
A oliveira árvore sagrada e mágica para as religiões oriundas do Próximo Oriente, símbolo da abundância, da sabedoria, da paz (ai do ateniense que arrancasse uma oliveira do Areópago), protectora das ciências e das artes, referida numerosas vezes na Bíblia e no Corão, dela se extrai o denominado ouro líquido, venerado e qualificado produto em grande número de receitas capazes de curarem os males do corpo e da alma. A oliveira consagrada à deusa Minerva, por sentença de Pallas foi preferida a todas as restantes árvores. Santo Agostinho autor da Cidade de Deus compara-a à Igreja, e a Igreja à Virgem Maria, por isso no domingo de Ramos são benzidos os ramos de oliveira numa significação de paz entre Deus e o Mundo, após o dilúvio universal.
Em Elogio da Província, Azinhal Abelho escreveu: ”O tio Manuel João, que é mestre da faina, fornece o azeite em fio, que é ouro puro a escorrer em lâmina”.
As unções com azeite tinham na Idade-Média o mais alto significado sacramental, independentemente do valor curativo e terapêutico. Além das fórmulas herdadas da farmacopeia antiga, na época medieval acrescentaram-se outras assentes no azeite capaz de favorecer a fertilidade das mulheres, curar as queimaduras e expulsar as pedras da vesícula e muitas outras contidas no tratado Tacuinum Sanitatais.
A nível alimentar as azeitonas e o azeite emprestam aprazimento às nossas vidas ao entrarem na elaboração de pratos de todos os géneros e matizes. O azeite nos tempos actuais tem alta posição na cozinha e na pastelaria, para dar uma ideia desse domínio trago à colação o livro Cocina Internacional com Aceite de Oliva, de Esperanza Luca de Tena, nele estão recenseadas 1068 receitas com... azeite. As azeitonas verdes e pretas intervêm em grande número de aperitivos, entradas, guarnições, pizzas, saladas, tapas, e
salientam-se na cozinha: pato e pombo com azeitonas, estufados e recheios.
O concelho de Bragança produz azeite de óptima qualidade. As azeitonas curtidas e sem caroço passam à condição de iguaria a sós, ou bem acolitadas, conhecidas por alcaparras assim ao modo de veniaga culinária cultural a corroborar Hipócrates, pois o médico afirmava ser a comida «res non naturalis».
O homem colhe a azeitona, natural, transforma-a em cultura quando a prepara, assim Paulo Quintela concebeu a sua veniaga cultural, trazendo de franças e araganças até nós autores de primeira grandeza e exemplarmente os traduziu para todos podermos conhecê-los e deles colhermos proveito. As conterrâneas cozinheiras dos botos retiravam o azeite e parcimoniosamente o utilizavam na confecção de deliciosas pitanças tão apreciadas pelo nosso famoso conterrâneo.

Armando Fernandes

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da CMB

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