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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Ecopista do Tua: Quando o verde se torna escuro

Arrancaram com celeridade ímpar as obras de adaptação do canal da linha do Tua, nos 76 quilómetros entre Carvalhais e Bragança, em mais uma ciclovia. A obra está orçada em três milhões de euros, sensivelmente 40 mil €/km, desconhecendo-se quantas estações e obras de arte serão beneficiadas no total dentro deste valor.
Surpreende-me que as autarquias de Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança tenham resistido tantos anos ao assédio da extinta REFER em embarcar neste tipo de empreendimento “chapa 5”, para agora da noite para o dia o abraçarem em tamanha sintonia. O timing é ainda mais infeliz ao coincidir com o início da exploração privada dos 37 quilómetros ainda abertos, por um player turístico de peso que poderia estar interessado numa expansão para norte. Seguidamente, o valor do investimento é inusitadamente baixo, em comparação com outras ciclovias do género em Portugal. Para citar algumas, três milhões de euros custou igualmente a da Póvoa a Famalicão em apenas 28 quilómetros (107 mil €/km), e cinco milhões de euros a do Dão (49 quilómetros, 102 mil €/km); no Sabor, o rácio foi de 125 mil €/km, no Tâmega 167 mil €/km, e só a de Montemor-o-Novo se aproxima deste valor, ao custar 41 mil €/km, mas num percurso de 12 quilómetros em terra batida, com uma única ponte e sem recuperação de estações. Ora, de Carvalhais a Bragança existem 13 obras de arte e 20 estações, sem contar com a renda de 250 €/km a pagar ao Estado pelo canal (19 mil €/ano), mais o que for pedido pela utilização das estações.

Através de candidatura ao Programa Valorizar, as autarquias terão ainda de pagar pelo menos 2,6 milhões de euros pela ciclovia; numa reabertura ferroviária caber-lhes-ia pagar à volta de 5,7 milhões de euros, depois de candidatura a fundos comunitários. Sim, por mais 3,1 milhões de euros do que vão gastar numa ciclovia, estas autarquias podem trazer o comboio de volta a Bragança; é agora uma questão de escolher o que faz mais falta à região.

Depois, quem vai esta ciclovia servir? Estes três municípios têm índices de envelhecimento galopantes, entre os 200% e os 300%, agravados a cada novo censo, concentrando-se a maior percentagem de população idosa nas aldeias, algumas das quais sem transportes públicos fora do período escolar. Será portanto um convite à população para que se desloque aos centros urbanos a pé ou de bicicleta, no rigoroso clima trasmontano, em percursos com rampas como as do Quadraçal (sete quilómetros) ou do Vale da Porca ao cume ferroviário português (19 quilómetros), com inclinações médias de 2%? Por fim, se num centro urbano um corredor treinar dez quilómetros, ou um ciclista 20 quilómetros, estamos a deixar de fora 36 quilómetros de canal para uma utilização residual, mormente por visitantes – nas aldeias não faltam bons trilhos para corrida/BTT.

Em 2012, a Câmara Municipal de Bragança emitia uma nota contra o pedido de desclassificação da linha do Tua pela REFER, onde referia que não era uma decisão “sustentada numa política de coesão e de ordenamento para o território”, fundamentada num “somatório de episódios que levaram deliberadamente ao encerramento da linha do Tua”, arrastando “o nordeste Transmontano para uma situação de despovoamento acentuado e de empobrecimento” e de “eliminação ou redução (...) do serviço de transportes às populações”. Cinco anos volvidos, a autarquia dá uma volta de 180º, e põe a obra fácil e de lazer à frente da mobilidade de pessoas e bens no mais eficiente dos transportes terrestres: o comboio. À luz da discussão sobre a ligação entre a cidade e a estação de alta velocidade de Puebla de Sanábria, a qual se arrasta há quase uma década sem resultados práticos, esta ciclovia é a derradeira antítese dessa aspiração: negligencia o papel da ferrovia como artéria privilegiada entre o noroeste Peninsular e todo o nordeste Trasmontano até ao Douro Vinhateiro, passando por um renovado aeroporto de Bragança, e de movimentação de passageiros, matérias-primas e produtos de e para o território, a menor custo que pela rodovia.

Restam por fim duas questões: a primeira, é de que forma este projecto pretende salvaguardar o património e memória industriais ainda presentes in situ, por exemplo nas estações do Romeu, Cortiços, Macedo, Azibo e Sendas, bem como os marcos quilométricos ainda existentes no canal, tendo o Movimento Cívico pela Linha do Tua agido ao longo dos anos no sentido dessa mesma preservação, em acções como o “Entrar na Linha”; a segunda, é se a interessante e correcta opinião avançada pelo vereador socialista macedense Rui Vaz, de preservação do canal para a sua reactivação ferroviária, e construindo-se a ciclovia junto a este (o denominado rail-to-trail, tão utilizado por exemplo nos EUA), foi tida em linha de conta. Nada neste projecto faz qualquer sentido. O despesismo gratuito, o sentido de oportunidade, o virar de costas às necessidades das populações, a vista grossa a decisões estratégicas flagrantes no curto prazo, a comparação com o custo de reactivação da linha do Tua, mesmo depois dos constantes avisos sobre estes números, remetidos tanto a nível pessoal como por associações como o MCLT, são inqualificáveis. 

Fazer esta ciclovia é um acto imediatista e de pequenez, com consequências graves, e que deveria ser melhor escrutinado, tanto pelas Assembleias Municipais, como pelos próprios munícipes.

por Daniel Conde
in:transportesemrevista.com

Nota: O autor optou por não escrever segundo as regras do Acordo Ortográfico

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